Tudo ao molho e fé em Gyokeres
Felicíssimo, para nosso contentamento
Pedro Azevedo
Nascido na Galiza e com origens lusas por parte da mãe, Filomeno Freijomil não gostava do seu nome, achava-o até ridículo. Por isso, evitava pronunciá-lo. "Filomeno, para meu pesar" é um romance de Gonzalo Torrente Ballester, autor de obras-primas como "Crónica do Rei Pasmado" ou "Don Juan", cuja acção inclui também algumas passagens em Portugal. Lembrei-me desse livro a propósito dos nomes de alguns jogadores de futebol. Uns associamos a objectos ou matéria existente na natureza, tanto que, se os conjugássemos com o que nos vem imediatamente à cabeça, dariam interessantes trava-línguas ou aliterações. São os casos de Diomande, que soa a diamante, assim como de Esgaio, que se assemelha a esgalho, ou de Biel, que evoca a biela. Outros há porém que revelam sentimentos, como Sorriso, do Famalicão, ou Felicíssimo, do Sporting, ambos transmitindo alegria, a do famalicense quando marca golos e a do leão por se estrear a titular, ontem, em Alvalade. Pelo que se Ballester ainda fosse vivo e manifestasse interesse no personagem a ponto de sobre ele elaborar uma narrativa, o título desse hipotético livro bem que podia ser qualquer coisa como "Felicíssimo, para meu contentamento". Meu (dele) e nosso, porque o menino jogou como gente grande e revelou maturidade suficiente para não cair no engodo de um segundo amarelo que nos deixaria pela quarta vez consecutiva(!) em inferioridade numérica em jogos do campeonato. Em sentido oposto, Rui Borges, em conferência de imprensa, referiu que o jogo não estava para o Biel. Compreende-se, não era jogo de Futsal ou de Capoeira...
Se Felicíssimo estreou-se como titular e Gyokeres regressou a um nível próximo do seu melhor, o destaque para mim foi o Debast. O belga transbordou de classe, primeiro num cruzamento milimétrico para Inácio inaugurar o marcador, depois num passe a solicitar a profundidade com que o nosso Vik Thor apanhou a defesa do Estoril em contra-mão (e contra-pé), mais tarde num remate ao poste, todo o tempo ainda servindo de mentor ao jovem amanuense formado em Alcochete. Como disse, e bem, o Rui Borges, o Debast encheu o campo. E encheu-me as medidas, também, porque, se não havia dúvidas quanto à sua qualidade com bola, sem ela soube fechar bem os espaços. Surpreendente porém foi a exibição de Esgaio, que mostrou detalhes para mim desconhecidos, como quando fechou ao centro e evitou um golo certo após um desatino de Fresneda que viu sobre ele ser cavado um túnel maior do que o do Marquês ou num vigoroso e intrépido sprint como nunca lhe havíamos visto que terminou numa assistência açucarada para Gyokeres falhar perante o guarda-redes. Bem também esteve o Matheus Reis, que não permitiu ao Guitane pôr o pé em ramo verde.
Para que a noite tivesse sido perfeita, o Quenda e o Trincão precisariam de ter jogado melhor. O jovem da nossa Formação tem porém a atenuante de ter trabalhado muito. Já Trincão falhou um golo cantado, depois de ter ficado a poucos centímetros de marcar um golo de fazer levantar o estádio. No resto do tempo perdeu-se em rotundas, revelando a sua principal lacuna: falta de timing de passe. Harder, que o substituiu, foi bem mais eficiente, ganhando na raça uma bola que isolou Gyokeres no lance de que resultou o penalty que nos daria o terceiro golo. Outro miúdo lançado ontem, o José Silva, resistiu a um abalroamento em excesso de velocidade, dentro da área do Estoril. Como não caiu no local para registo do sinistro, o árbitro deixou andar, penalizando a vítima e beneficiando o infractor. Conclusão: ser bom e bem-intencionado é sinónimo de ingenuidade num país onde só a matreirice ou xico-espertice compensa.
Por uma vez, o conformismo de Rui Borges expresso no "é o que é", habitualmente associado à onda de lesões que lhe vem impedindo desde o início de apresentar a melhor equipa, soou a algo de bom: o Gyokeres "é o que é" quando pode estar, e estando bem o Sporting continuará na frente. É o que é, ou seja, uma máquina, um exterminador implacável. Ainda que massacrado pelo adversário directo, um tal de Pedro Álvaro que repetiu em Alvalade a proeza já vista na Amoreira de sobre ele cometer inúmeras infrações e ainda assim continuar em campo, desta vez sem sequer uma admoestação.
Tenor "Tudo ao molho...": Zeno Debast