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Castigo Máximo

De forma colocada, de paradinha, ou até mesmo à Panenka ou Cruijff, marcaremos aqui a actualidade leonina. Analiticamente ou com recurso ao humor, dentro ou fora da caixa, seremos SPORTING sempre.

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Castigo Máximo

01
Set24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

São Gyokeres contra o Dragão


Pedro Azevedo

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A percepção muitas vezes não corresponde à realidade. Umas vezes porque está errada, outras porque a própria realidade está prestes a mudar (e a percepção só reage após o facto consumado): na antecâmara do jogo, o Sporting ia defrontar um treinador invicto de um clube da cidade invicta, uma espécie assim de invicto ao quadrado, que de sinergias se espera um efeito multiplicativo e não só a soma das partes - Essa era a realidade. Depois, entrava a percepção: a de que o Porto seria imbatível, que "Não há duas sem três" e os últimos 2 jogos haviam pendido por sortilégio para eles, o último de forma particularmente insólita e, pensava-se, traumatizante. Tal alimentava a lenda, o mito do dragão. Só que a essa percepção faltou um elemento: São Gyokeres. Igualmente lenda, no caso da mitologia leonina, este Gyokeres não veio da Capadócia e logo demonstrou não ser súbdito romano pela forma como desmontou um adversário com nome de imperador (Otávio). Mas foi ele que primeiro apontou a lança ao pescoço do dragão e depois matou as suas aspirações, criando assim uma nova realidade. 

 

O Porto começou forte, confiante no seu tiki-taka a meio campo, seguro da sua superioridade numérica nessa zona nevrálgica do campo. Mas depois o Sporting foi apertando as marcações, reduzindo os espaços, enlaçando o Porto num torniquete que só estrategicamente em alguns momentos se aliviava. Morita comandou essa revolta leonina, bem secundado pelo estratega militar de Ruben Amorim, o Pedro Gonçalves, o popular Pote, um mártir ou Santo Contestável (às mãos de Roberto Martinez), um rapaz proveniente da República do Alto Tâmega e recém-naturalizado (desde Sexta-feira) português. Com o decorrer do tempo, contida a aventureira epopeia portista, os dois, com o imprescindível apoio de Gyokeres, foram também encontrando os espaços no ataque e criando oportunidades para os colegas. Trincão, o jogador que para ser compreendido não dispensa a consulta do almanaque Borda d'Água, desperdiçou a sementeira e nada colheu. E fomos para o intervalo empatados, num jogo de futebol que bastas vezes imitou outros desportos: houve jogadas em cabines telefónicas que replicaram o futsal e a placagem de Varela sobre Trincão teve resquícios de rugby, vela (Trincão ia à bolina quando levou com a retranca portista) e bowling (no fim, três pinos no chão). 

O Gyokeres ameaçou no início do segundo tempo: o argentino Varela negou-lhe o golo em cima da cal que divide o sucesso do inêxito. O sueco voltaria à carga num lance em tudo idêntico ao duelo com Otamendi da época transacta: Otávio não se conteve, quis igualmente adivinhar a charada antes do tempo, falhou e ficou de fora. A emenda subsequente foi pior que o soneto: penalty, cartão amarelo e 1-0 para o Sporting. [O Gyokeres parece que voa baixinho sempre que perto de si há um(a) OTA.]

 

A partir daí o Porto só poderia voltar ao jogo através de uma bola perdida na área ou cabeceamento mortal. Consciente disso, o Vitor Bruno ainda lançou o Fran Navarro e o gigante Samu, mas a defesa de anti-aérea dos leões mostrou-se impenetrável à medida que o jogo caminhava para o fim. Com o tempo a escoar-se, espaços nas costas portistas apareceram com mais frequência. Bola então para o Geny bolinar a partir da direita e rematar com a canhota: o Diogo Costa lançou-se, esticou-se, cresceu em envergadura mas não o suficiente para parar o que não tinha defesa. O Estádio quase veio abaixo, a vitória seria nossa e já nada a poderia impedir. Agora será tempo de seleções. Entretanto, a liderança (do campeonato) assenta-nos muito bem, real e percepcionadamente. 

Tenor "Tudo ao molho...": Gyokeres (o "Vitór")

25
Ago24

Tudo ao molho e fé em Gyökeres

Entre o neo-realismo de Gyokeres e o existencialismo de Edwards


Pedro Azevedo

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Por motivos logísticos, essencialmente relacionados com a capacidade de armazenamento de golos, o Farense trocou o acanhado São Luís, em Faro, pelo mais amplo Estádio do Algarve, em Loulé. E o que se pode dizer é que as previsões farenses bateram certo porque Gyokeres e companhia só por uma ocasião (auto-golo) deixaram os seus créditos por mãos alheias (no caso, uma cabeça). 

Cedo a vertigem de passe e repasse Sportinguista, em progressão constante, deixou os algarvios almareados. E foi com esse enjoo que viram Gyokeres, uma e outra e ainda outra vez, abanar as redes de Ricardo Velho, que por acaso até é jovem, qual espécie de Plínio dois-em-um, ou não tivesse ele revelado a sabedoria para ser eleito o melhor guarda-redes da Primeira Liga da temporada 2023/24 ou sido suficientemente crítico da extravagância a ponto de evitar que os números finais tivessem de ser representados em potência de base igual a 2 e expoente igual a 3. 


Como em qualquer bolo bem confecionado, faltava a cereja no topo. Eis então que surgiu Edwards, O Existencialista. E lá pegou na bola a meio campo, naquele seu estilo sisudo, de quem se questiona sobre de onde veio e para onde vai, o que faz aqui, e nesse jeito vai procurando respostas pelo caminho. No fundo, alguém que no seu existencialismo se opõe a um Camus, que escolheu a solidão de dois paus e de uma barra para melhor chegar a conclusões (foi guarda-redes de uma equipa argelina). Bom, a verdade é que o Edwards deve ter encontrado respostas e com isso formulado uma tese. E como, para seu conforto, do lado dos algarvios não apareceu nenhum discípulo de Hegel capaz de apresentar uma antítese, foi andando e tirando adversários do caminho até marcar o golo. Uma jogada Maradoniana na sua forma, à qual não faltou conceptualmente a mão de Deus que despertou Edwards da sua letargia e lhe iluminou o caminho. 

3 jogos, 3 vitórias, 14 golos marcados e finalmente uma "clean sheet ", haveria melhor maneira de com confiança preparar o Clássico que aí vem? 

Tenor "Tudo ao molho...": Gyokeres. Menções honrosas para Morita, o maestro, e Quaresma, um outrora obscuro subsecretário de estado que se propõe para Ministro da Defesa. 

02
Jul24

Tudo ao molho e fé em Deus

O Anjo de Guarda(-redes)


Pedro Azevedo

Não estou a gostar muito deste Europeu de andebol de 11 que se está a disputar na Alemanha. Na televisão só oiço falar em basculação e pontas invertidos. E não vejo profundidade, se calhar para evitar violações da área dos 6 metros ou ainda mais crateras na relva do que aquelas que ontem foram bem visíveis em Frankfurt (este termo da "profundidade" irrita-me e deveria também irritar o Júlio Verne nas suas 20.000 Léguas Submarinas). Como é regra, o pivô (Ronaldo) é quem tem levado mais pancada. Não se estranha. O que surpreende é que a maior carga de pancada venha dos estúdios (comentadores) e não dos estádios (jogadores adversários), mais uma originalidade lusa...

 

Depois de uma fase de grupos dada largamente à experimentação, hoje começou o mata-mata. Do outro lado estava a Eslovénia, pátria de Pogacar e Roglic, o que só por si era sinal de que teríamos de dar muito ao pedal. E demos, durante 120 minutos (mais penáltis). É certo que poderíamos ter abreviado o sofrimento quando Jota ligou a moto e 4 eslovenos já não tiveram pedalada que lhes valesse, optando então por o deixar apeado, mas Oblak e o poste negaram o golo de penálti a Ronaldo. Mas também não é mentira nenhuma que quando Pepe atingiu o seu ponto de saturação, Sesko seguiu isolado para a nossa baliza e só Diogo Costa manteve-nos no jogo. Na altura ainda não sabíamos, mas o Diogo estava só a aquecer para o que viria a seguir...

 

O que veio a seguir foi a marcação de grandes penalidades. O acto em si foi precedido por um protocolo: Ronaldo escolheu a baliza, que se encontrava à frente do sector onde se concentravam os adeptos portugueses, e Oblak determinou que seria a Eslovénia a primeira a bater. Durante a semana ouvimos várias análises que procuravam desmontar o jogo esloveno. Não foram análises quaisquer ou centradas unicamente na questão táctica. Nada disso, tanto foi dito que o Oblak era o melhor guarda-redes do mundo como que o Ilicic havia recuperado recentemente de uma depressão. Pensei nisso quando o vi partir para a bola. Mais sensível aos problemas de saúde mental dos portugueses, o Diogo voou para a bola e nesse vôo foi acrescentando centímetros aos seus braços até conseguir conectar com a bola. Agora caberia a Ronaldo tentar de novo adiantar-nos no marcador. O facto de Ronaldo ter assumido a marcação do nosso primeiro penálti revela bem o campeão que é. Poderia ter-se guardado para a quinta penalidade, que nem necessária poderia vir a ser, mas não. E então vimo-lo a inspirar fundo, o que não fizera aquando do penálti que bateu no prolongamento, e a desferir um remate perfeito, na força e colocação, que só parou na malha lateral da baliza de Oblak. Seguiu-se um esloveno, de novo um canhoto. Pensei que o Diogo se atirasse para o mesmo lado da penalidade de Ilicic, mas por instinto ou estudo prévio optou por mudar. E defendeu, novamente em grande estilo. Pelo que Bruno Fernandes, o senhor que se seguiu, tinha nos pés a possibilidade de dilatar a nossa vantagem. O Bruno partiu para a bola e o Oblak pareceu ter ficado com os pés colados à relva: 2-0 para Portugal !!! Veio então um destro esloveno, certamente para variar. Só que o Diogo voltou à primeira forma e acreditou no remate cruzado, acabando por sair-lhe o bilhete premiado. Apos 3 defesas do nosso guarda-redes a 3 remates eslovenos, Bernardo Silva tinha a possibilidade de acabar com o nosso sofrimento. E não a desperdiçou, mandando Oblak para a sua direita enquanto a bola seguia no sentido oposto. Portugal qualificava-se para os quartos.

 

Portugal foi melhor durante o tempo regulamentar mas teve sempre difiuldade em entrar no bloco esloveno. As excepções foram uns raids de Leão e de Nuno Mendes, este último um sério candidato a melhor em campo não fora Diogo Costa ter aberto o livro, perdão, as asas. Por isso estranhou-se a substituição de Leão por Conceição e a verdade é que a equipa caiu. Todavia, a velocidade e classe de Jota - será necessário um manifesto popular para que Martinez lhe dê a titularidade? - acabariam por proporcionar a Cristiano Ronaldo duas soberanas oportunidades não concretizadas. E lá fomos para os penáltis. Uma palavra para a Eslovénia, uma equipa sempre muito agressiva em cima da bola, contrariando a ideia de ser orientada por um treinador queque (ou Kek).

 

Numa noite de grande suor e muitas lágrimas, a emoção começou ainda antes do apito do árbitro para o início da partida quando a UEFA permitiu que fosse concedido 1 minuto de silêncio pela morte de Manuel Fernandes. E que estreia no Céu teve o nosso Manel(!), qual anjo de guarda(-redes) que acredito tenha encantado o nosso Diogo. É o que se chama entrar pela porta grande de São Pedro, que nenhuma outra além da 10A estaria de acordo com o jogador e Homem que foi. Ou é, que pessoas assim não morrem efectivamente, são eternas. Simplesmente, ascendem para verem ainda melhor e assim zelarem altruísticamente por nós (mas não abusem). 

 

Tenor "Tudo ao molho..." Diogo Costa, "O Homem Alado". Nuno Mendes, Palhinha (excelente segunda parte), João Cancelo, Rúben Dias, Vitinha, Jota e Leão estiveram em bom plano. Curiosamente, Bernardo, Bruno e Ronaldo, pouco inspirados durante o jogo, foram decisivos nas penalidades finais. 

Portugal ainda procura o rumo mas pelo menos sabe que está em mãos seguras (crónica)

27
Jun24

Tudo ao molho e fé em Deus

Georgia on my mind


Pedro Azevedo

A primeira vez que ouvi falar na Geórgia foi pela voz de Ray Charles, que cantava que o estado americano, de que aliás era nativo, lhe tinha ficado para sempre na memória. Afinal, vim a descobrir mais tarde, havia outra, produto da desagregação da antiga União Soviética, com cidadãos com nomes como K V A R A T S K H E L I A, e outros do mesmo género, que só estava habituado a ler aquando das visitas ao oftalmologista. Essa "nova" Geórgia tornar-se-ia posteriormente uma minha velha conhecida através do rugby, ainda que tal conhecimento dificilmente pudesse ser caracterizado como agradável face às sucessivas derrotas impostas pelos georgianos aos nossos "Lobos". Pelo que o jogo de ontem se afigurava como de vingança por anos de provações que me deixaram com um "melão", que é metáfora que se aplica perfeitamente a uma modalidade em que a bola tem uma forma oval. 

Na antecâmara do jogo entrevistaram o melhor comentador das televisões portuguesas, o Professor Marcelo. Este logo considerou como muito inteligente a escolha do Onze titular e eu fiquei imediatamente de pé atrás. É que há um certo paralelismo entre Roberto Martinez e o Professor Marcelo, na medida em que ambos partilham o enorme desejo de afirmar ao mundo a sua imensa inteligência, nem que para tal seja necessário recorrer à... invenção (a vichyssoise do senhor Martinez chama-se "flexibilidade táctica"). E assim lá regressou a Geringonça (3-4-3) com os problemas do costume, ou seja, menos centro (só Palhinha e João Neves) em função de uma redobrada influência da extrema esquerda (Pedro Neto). A coisa já havia dado maus indicadores no passado, por pouco não nos levando a um checo-mate, mas o experimentalismo, tentação pelo abismo e a procura de afirmação de genialidade por parte do nosso seleccionador conduziram-nos de novo para esse buraco negro. Mudando-se novamente de sistema, quando a anunciada entrada de muitos jogadores até aí pouco ou nada utilizados recomendaria uma estrutura sólida em campo à qual se pudessem agarrar. Não havendo um sistema sustentado, Martinez pensou no individual. E lançou Diogo Costa, Palhinha e Ronaldo como tábuas de salvação. Só que não chegou: Diogo nada pôde fazer nos remates que deram os golos, Palhinha estava a ser o nosso melhor em campo mas foi substituído ao intervalo e Ronaldo teria dado o tempo por mais bem empregue com a Georgina do que com os georgianos. Pelo que a estratégia (?) redundou em fiasco absoluto. 

 

O sistema não era bom, havia muitos jogadores novos, mas Portugal tinha um trunfo: a Geórgia precisava de atacar para tentar vencer e assim garantir o apuramento para os oitavos de final. Pensava-se, por isso, que Portugal entraria no jogo de forma prudente, esperando pela iniciativa georgiana para melhor apanhar o adversário no contra-ataque. Mas António Silva fez um passe para trás sem olhar, Danilo viu Inácio acompanhar o jogador da Geórgia portador da bola e não endireitou a sua trajectória na direcção de Kvaratshkelia, António Silva perdeu em velocidade com este e a bola terminou dentro da baliza de Diogo. A perder, Portugal viu-se obrigado a ir atrás do prejuízo. Só que a velocidade de circulação de bola foi lenta e a ideia de pôr Felix entre-linhas não funcionou de todo, pelo que Ronaldo quase não teve bola, destacando-se apenas num livre directo, em dois remates bloqueados miraculosamente por defesas georgianos e numa tentativa de cabeceamento que António Silva (sempre ele) antecipou e se perdeu sem glória. 

Para o segundo tempo o Palhinha foi poupado a um amarelo, entrando Rúben Neves para apanhar o... amarelo. O resto foi mais do mesmo, com um golo saído dos desenhos animados a condenar definitivamente os portugueses: Diogo Costa colocou a bola num georgiano a fim de evitar um canto, João Neves cortou mas passou curto para António Silva e este chegou mais cedo ao pé de um adversário do que à bola e cometeu penálti. Até ao fim ainda entrou Gonçalo Ramos para o lugar de Ronaldo, mas o problema estava a montante e não a jusante e assim continuou. 

 

Portugal perdeu e bem e agora urge recuperar psicologicamente o jovem António Silva. O melhor do jogo foi a poupança de jogadores nucleares como Rúben Dias, Pepe, Nuno Mendes, Bernardo ou Bruno Fernandes, o pior foi a insistência num sistema táctico que no espaço da Selecção tem muito pouco tempo para ser aprimorado. Claro, o seleccionador poderia ter obviado esse problema recorrendo a jogadores do Sporting (actuais e antigos) que estão perfeitamente identificados com esse sistema e dinâmicas inerentes, mas Pote, Nuno Santos e Trincão não foram convocados, Matheus teve pouco tempo de jogo e isso diz muito sobre a consistência (ou falta dela) das ideias e escolhas do senhor Martinez. Venha então a Eslovénia e com ela uma nova revolução. É a flexibilidade táctica, senhores. Vai mais uma voltinha na montanha russa ??? Atenção que pode ser a última...

 

Tenor "Tudo ao molho...": João Palhinha

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22
Jun24

Tudo ao molho e fé em Deus

Experiência superada


Pedro Azevedo

Cada jogo de Portugal é uma nova experiência para Roberto Martinez, uma oportunidade de (re)inventar o futebol. O problema é que se inventar o futebol fosse sinónimo de ganhar, a Inglaterra teria vencido todos os Campeonatos do Mundo e da Europa em que participou e não apenas o Mundial de 66 que organizou e onde, quiçá em nome da Aliança celebrada em 1386 (Tratado de Windsor), contou à última hora com o beneplácito português de passar a meia-final de Liverpool (Goodison Park, nosso Quartel-General) para Londres (Wembley). Toda a gente sabe que no futebol a componente física é importante, mas a química que se estabelece entre os jogadores também o é. Vai daí, o Roberto Martinez mete a equipa toda num tubo de ensaio dentro de um laboratório e depois vai combinando aleatoriamente, 11 a 11, diversos reagentes à espera que dessa mistura saia o produto da solução ideal. Depois, a fim de sinalizar que a reacção se está a produzir, usa muito o azul (de tornassol) como indicador. Só que às vezes no aquecimento, não necessáriamente com o Bico de Bunsen, já se vê que a coisa vai correr mal, libertado-se gases tóxicos que após exposição prolongada podem conduzir a alucinações intermitentes e até a um lacrimejar pungente. Foi até certo ponto o caso do ocorrido contra a Chéquia, embora as lágrimas tenham sido contidas num ultimo momento. No fundo, no fundo, o senhor Martinez é o Panoramix dos tempos modernos, com a diferença que onde o druida gaulês apostava na melhoria do rendimento individual (poção mágica), o espanhol procura a reacção em cadeia, nem que para isso tenha primeiro de fazer explodir o laboratório e depois ver-se obrigado a levar os jogadores à vez para dentro de um caldeirão a ferver até encontrar os 11 reagentes que combinem idealmente entre si. Era porém sabido que, tal como os ponteiros de um relógio parado, que num determinado jogo a hora iria bater certo. A interrogação que se colocava era se essa hora viria ainda a tempo. Nesse impasse, chegou o jogo com a Turquia... 

 

Para o jogo com a Turquia, Bob Martinez recorreu a Palhinha. Ora, Palhinha é como diz o anúncio da Savora: com ele, toda a comida melhora. Depois, trocou a geringonça táctica do jogo com a Chéquia por um onze mais próximo do que uma maioria absoluta de adeptos recomendaria, disposto em 4-3-3. Com os reagentes próximos do ideal (continua a ser incompreensível a exclusão de Jota) e na posição correcta, Portugal rebentou com a Turquia: Bernardo inaugurou o marcador no aproveitamento de uma bola perdida na área. Depois. o Autogolo, o melhor marcador de Portugal no Euro, fez o segundo. E, já no segundo tempo, uma desmarcação circular de Ronaldo foi acompanhada por um passe açucarado do capitão português para Bruno empurrar para o golo. Portugal venceu assim o jogo e o grupo, garantindo a qualificação para os oitavos-de-final. Com isso ganhámos tempo: de recuperação física dos mais utilizados, que deverão ser poupados com a Geórgia, e de rodagem de outros jogadores. Um tempo que no entanto não aquecerá nem arrefecerá a Pepe, cuja carreira não se rege pelo calendário gregoriano que todos nós seguimos, o que é o mesmo que dizer que o tempo não passa por ele. Pepe foi o eucalipto que faltou aos pupilos de Montella para submeterem os portugueses ao banho turco, acabando eles por entrar em burnout tantas foram as vezes que o central português lhes negou o caminho para o golo. 

E Martinez? William Blake dizia: "Como saberes o que é suficiente, se não souberes o que é demais?". Com a Chéquia, as suas opções foram demais, hoje, com o caldeirão a ferver, misturou muito melhor os ingredientes e regressou ao suficiente. Não foi demais, foi de mais. Muito mais. Portugal, olé , Portugal, olé!!!

 

Tenor "Tudo ao molho..": Pepe

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19
Jun24

Tudo ao molho e fé em Deus

A Teoria do Caos


Pedro Azevedo

Caro Leitor, este Roberto Martinez é definitivamente um personagem dos desenhos animados: umas vezes Bob, o Construtor, a desfazer e refazer do zero o que parecia já edificado e sólido, outras o Professor Pardal, a inventar tácticas mirabolantes. Foi este último que aliás se apresentou contra a Chéquia, mas por sorte houve um Lampadinha (Conceição) a salvar-lhe a face. 

 

Portugal apresentou-se ontem em campo com um sistema táctico e concomitantes dinâmicas baseadas na Teoria do Caos. Esta trata de sistemas altamente complexos, difíceis de entender por um homem médio que não o Professor Pardal, cuja dinâmica acaba por suscitar uma instabilidade que se denomina como "sensibilidade às condições iniciais", que os torna não previsíveis ao longo do tempo. Assim, ao alterar permanentemente o Onze titular, o inventor vai introduzindo o caos determinístico, tornando impossível prever o que se passará a seguir. As correcções que de seguida efectiva no modelo não permitem regressar às condições iniciais, até porque já houve ocorrências intermédias que não podem ser apagadas, pelo que a dado momento o sistema afigura-se aleatório à vista desarmada, dada a sua profunda instabilidade. É o "Efeito Borboleta" e as suas consequências, como explica Lorenz, que em termos de Selecção podem resumir-se ao bater de asas da Selecção na Alemanha virem a influenciar uma revolução no corpo técnico da Federação em Lisboa. Tão certo como a morte e os impostos, se as coisas não mudarem.

 

Contra uma Chéquia toda recuada no terreno, Portugal actuou 90 minutos com 3 centrais que, à falta de cartas para jogarem uma bisca lambida, se entretiveram a marcarem-se uns aos outros. Depois, faltou um cabeça de área (Palhinha) que estivesse na zona onde os checos desferiram o remate que os adiantou no marcador e que conduzisse a primeira vaga de construção para libertar os restantes médios para funções mais ofensivas. Com 2 médios a jogar na mesma linha e separados dos avançados pelo muro que os checos construíram, em vez de 3 em 3 linhas diferentes como seria lógico e recomendável, Portugal não conseguiu produzir evidentemente qualquer jogo interior entre-linhas (a não ser aquele que só o senhor Martinez reconheceu ter visto, em entrevista após o jogo), limitando-se a circular a bola por fora do bloco checo. Com isso, Martinez foi o melhor amigo da Chéquia, reduzindo à banalidade um jogador como Bruno Fernandes, com enorme potencial de golos e assistências. Não só faltou Palhinha como também um médio rompedor (João Neves ou Matheus Nunes), que Bruno e Vitinha parecem pouco compatíveis e o treinador deverá decidir por um só. Estando os 2 médios atados atrás e conseguindo Martinez a proeza de manter os 3 centrais até ao fim, nunca lançando um terceiro médio (Cancelo andou por lá, qual peixe fora de água), as movimentações dos nossos avançados foram facilmente anuladas pela superioridade numérica da Chéquia nessa zona. Acresce que Bernardo desgastou-se em funções redundantes e fez um jogo muito fraco e Leão mostrou uma péssima definição dos lances, não se entendendo o motivo pelo qual o primeiro não foi substituído (por Chico Conceição) e o mistério da razão que continua a afastar Jota da titularidade. No meio de tanta asneira (Nuno Mendes chegou a jogar como central, antes da entrada de Inácio) e desorganização táctica (que Martinez orgulhosamente define como "flexibilidade"), valeram-nos dois erros crassos defensivos da Chéquia que nos deram a vitória e evitaram um escandaloso checo-mate, o último dos quais já bem perto do gongo e a envolver ainda Chico Conceição e Pedro Neto, 2 jogadores que haviam entrado ao minuto 90. Pelo que não faltará quem elogiará o génio de um seleccionador capaz de prever que 4 minutinhos seriam uma enormidade de tempo para sacar dois coelhos da cartola. Assim sendo, é de prever que Roberto Martinez continue a fazer magia e que a grande ilusão termine com o título europeu. Se já aconteceu com Fernando Santos, por que não com este discípulo de Jorge Silas e do "Tudo ao molho e fé em Deus" a.k.a "flexibilidade táctica"? Em todo o caso, receio que ainda venhamos a lamentar não termos convocado o Ritalina para resolver o problema da hiperactividade do nosso seleccionador. 

 

E agora, alguém se atreve a tentar adivinhar o Onze contra a Turquia? É mais fácil acertar no Euromilhões...

 

Tenor "Tudo ao molho...": Chico Conceição (decidiu o jogo)

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12
Jun24

Tudo ao molho e fé em Deus

Bob Descartes


Pedro Azevedo

Os jogos de preparação para uma grande competição servem essencialmente para o seleccionador tirar as últimas dúvidas sobre os jogadores e o sistema a utilizar no arranque oficial, assim a jeito de um ensaio geral repetido tantas vezes quantas as necessárias para garantir que a "máquina" fica bem "oleada". Assim acontece um pouco por todo o mundo. Em todo o mundo menos numa "pequena aldeia de irredutíveis gauleses", que por acaso até são portugueses. É verdade, na antecâmara do Euro, por via da sua costumeira originalidade, Portugal tem agora mais dúvidas do que certezas: a outrora garantida linha de 4 defesas está agora ameaçada pelo sistema dos 3 centrais. Assumindo que o meio campo será a 3, Vitinha deixou de ser uma certeza, podendo ser preterido em função de João Neves. Mais, acertar nos 2 laterais (alas?) que serão titulares parece agora um exercício com um coeficiente de dificuldade semelhante a ganhar o Euromilhões. E, na frente, há a incerteza sobre se a táctica será ajustada para poder incluir um vagabundo Félix (há que reabilitar o "Menino de Ouro", nem que para isso tenhamos de entrar em campo com mais 1) ou se o Jota se submeterá humildemente ao 4-3-3 tradicional. Pelo que a única certeza que ficou destes jogos a brincar foi que o Ronaldo será titularíssimo, o que deve estar a dar alguma azia aos "haters" do costume que acham que o Cristiano é o grão de areia que atrapalha o bom funcionamento da "máquina". Viu-se...

 

Aos 39 anos, o Cristiano Ronaldo marcou um golo após um trabalho individual soberbo, fez outro através de uma finalização de primeira de alto nível e ainda enviou um livre directo ao ferro e isolou o Dalot com um passe magnífico. Entre outras minudências que, por exemplo, enfolam o ego e a conta bancária ao Félix mas para o Ronaldo são só um "amouse bouche" para o prato principal que vem a seguir. Será titular de caras. Tal como o Diogo Costa e o Bruno Fernandes. E o Rúben Dias. Também o Bernardo, pelo estatuto. E o Pepe, se estiver bem. Daí para a frente é uma incógnita. Quer dizer, o Palhinha seria titular em 99,9% das selecções e clubes do mundo, mas na nossa nunca se sabe. E o Félix suspeito que jogará de início, pois já se percebeu ser um amor (de perdição?) de Martinez. O resto logo se verá. E quanto aos sistemas, tanto quanto se sabe, poderemos jogar em 4-3-3, 4-4-2, 3-4-3 ou 3-5-2, uma flexibilidade táctica que lembra os tempos de Silas no Sporting e faria o Rúben Amorim perder o cabelo todo ao fim de 45 minutos. 

 

No fundo, as "convicções" de Roberto Martinez assemelham-se à dúvida metódica de René Descartes: Martinez duvida sistematicamente que cada uma das suas crenças seja verdadeira ("Bob, o Desconstrutor"), a fim de construir a partir do zero um sistema de crenças que consista apenas em crenças certificadamente verdadeiras. Com uma única excepção: Félix. No final se verá se a certificação obedecia aos critérios de qualidade ISO e se muitas opiniões tidas como verdadeiras não se revelarão como falsas. Mas para já é preciso começar. Do zero, que da dúvida metódica virá a luz. Se a dúvida falhar, pode sempre avançar o Ronaldo... 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Cristiano Ronaldo

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09
Jun24

Tudo ao molho e fé em Deus

Do mito à realidade


Pedro Azevedo

Não sei se as Ilhas Faroé, Andorra, Gibraltar, Malta, Chipre ou outros colossos do futebol mundial não estavam disponíveis nesta janela de preparação para o Euro, o que sei é que não havia necessidade de trazer uma selecção de veteranos da Croácia para provar de uma vez por todas a eloquência do futebol de Félix, 120 milhões esvanecendo-se no relvado sob a forma de uma total inconsequência. Mas como com o senhor Martinez aprendemos que a Selecção é um espaço de recuperação de inválidos do comércio e de perpetuação de propaganda sobre figuras da mitologia jornalística nacional, o processo decorre conforme o previsto. A única maçada é que vem aí o Euro, e com ele uma desnecessária exposição a objectivos que não são o núcleo central da acção de um seleccionador nacional. Mas isso é o menos, o pior é que de tanto se procurar transformar mitos em realidade, acaba-se por tratar mal as poucas realidades que não são aparentes ou confundíveis com percepções nem sempre condizentes com o que é real. É o caso do Ronaldo. Nesse sentido o dia de ontem foi muito mau para os estatísticos de amostras de uma observação só, aqueles sempre pródigos a elogiar o fluidez do jogo nacional quando o astro português não está em campo. Tal como o jogo com Marrocos já tinha mostrado à evidência, embora eles teimem em não querer ver. No fundo, o mesmo ensaio sobre a cegueira que os fez embandeirar em arco com o pleno de vitórias sobre a fina flor do terceiro mundo do ludopédio mundial. Ensaio do qual se deve excluir o senhor Martinez: enquanto outros põem a cabeça na areia como a avestruz, ele aprende. Ou diz que aprende, elogiando os méritos destas derrotas e qualificando-as como muito importantes. Como já havia acontecido na Eslovénia ou de cada vez que levamos dois golos de adversários menores. Porque o importante é preparar o Mundial de 2026 e aí perder com estilo para melhor acolher o Euro 2028. E assim sucessivamente. Nesse sentido, Martinez não representa uma evolução face a Fernando Santos: Martinez não é a versão 2.0 de Fernando Santos, mas sim a sua versão beta, sempre disposto a elogiar uma "excelente" pergunta de um jornalista ou a compadecer-se com os azares daqueles que nunca convocou. Pelo que se prevê que continuemos a pedir a Palhinha que, sozinho, segure o peso do mundo, qual Atlas das transições defensivas, em vez de o ajudarmos, pondo-lhe à frente um Matheus Nunes. E que o Diogo Jota continue a ser preterido pelo Félix, numa equipa onde só Ronaldo e Bruno têm golo e para quem as balizas não exercem um fascínio por aí além. Porque a nossa onda é andar a filosofar pelo campo adentro, o Cancelo a mostrar-nos as virtudes e contradições do livre-arbítrio, o Vitinha a ser tese e antítese hegeliana ao mesmo tempo, o Félix a lembrar-nos o existencialismo como Heidegger o vê. Até que o Arquimedes que há em Ronaldo exclame Eureka! ou o Kierkegaard existente no Bruno elucide o Bernardo e todos os outros que a  vida só se compreende olhando para trás mas só se vive para diante. 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Diogo Jota

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05
Jun24

Tudo ao molho e fé em Deus

Rena va plus


Pedro Azevedo

A Finlândia é um país onde acontecem sortilégios como o Sol da Meia Noite no Verão, a Aurora Boreal no Inverno ou o Pai Natal todo o ano em Rovaniemi (Lapónia). A inclusão aqui do Pai Natal não foi inocente, na medida em que é preciso acreditar muito nele para imaginar uma equipa finlandesa como a que nos visitou ontem competitiva no futebol. É certo que houve um Litmanen, que marcou uma década no Ajax, mas essa foi a excepção que confirma a regra da mediania do futebol finlandês. Pelo que nem o sangue de rena - elas até voam nas mãos, lá está, do Pai Natal - que valeu ao Lasse Viren bater o nosso Carlos Lopes em Montreal lhes tem servido ao longo dos tempos, que no futebol a bola deve correr mais do que o jogador e para isso é necessário talento. Como tal, foi o adversário ideal para dar continuidade a um grupo de qualificação onde pontificaram vários países do terceiro escalão do futebol mundial, ficando por revelar o que ocorrerá quando defrontarmos um adversário de primeiro nível: será a Aurora Boreal que fará luz sobre o Inverno do nosso descontentamento ou o Sol da Meia Noite de um sonho de uma noite de Verão? (Ou como com uma tirada Shakespeariana a armar ao inteligente se procura desesperadamente esconder a falta de ideias e encher o chouriço de uma crónica.)

 

Se o Pai Natal é omnipresente só em Dezembro, o Palhinha é omnipresente no ano inteiro em tudo o que envolve estádios de futebol. Ele parece ter o dom da ubiquidade: em cada palmo de relva, na bancada a vender nougats, no bar a servir umas imperiais, em todo o lado e ao mesmo tempo há Palhinha. Não admira por isso que, para quem vive o futebol como quem bebe de um trago só (o público), ele caia no goto, que é coisa que não ocorre a quem no relvado se submete ao filtro de Palhinha. É verdade, com ele em campo o adversário não mexe um(a) Palhinha, não assusta, não incomoda. Ele é o seguro de vida do senhor Martinez e a razão por trás dos sonhos de todos os portugueses. Porque já não é só mais do que notório na repressão, qual guarda florestal que contrabalança a acção de uns quantos espalha-brasas. Sim, em matéria florestal ele continua a ser o eucalipto que nada deixa crescer à volta, mas agora também é o pinheiro que domina o jogo aéreo e o azevinho que ornamenta belas jogadas de ataque com os seus venenosos passes entre-linhas. Não é a árvore, é a floresta. Por exemplo, às tantas o Puki marcou 2 golos de rajada. "Puki"? "Puki" o Palhinha já não estava no relvado. Estavam outros, jovens estrelas ainda na idade dos "Pukis", mas Palhinha só há um.

 

Outro que não engana é o Bruno. Rematar como ele só o Ronaldo dos melhores dias. E depois ainda tem o "plus" de ser um treinador dentro do campo, o que pode dar algum jeito caso o seleccionador seja tão mau a dar a táctica como a explicar as convocatórias. E não posso esquecer o Diogo Jota, que é do meu particular agrado: um faz-tudo simultaneamente empreendedor e solidário, mais combativo do que a sua envergadura recomendaria, melhor cabeceador do que a sua altura prognosticaria, mais veloz do que o seu biotipo avaliaria, melhor goleador do que a sua posição no terreno atestaria. No fundo, supera-se. E eu creio que é de jogadores assim que se pode sempre esperar um golpe de asa quando outros já baixam os braços.

 

Uma nota final para o Chico Sansão (ele que não corte o cabelo), que espalhou brasas como o prometido, Vitinha, que se espera que no fim seja tão bom para a barriga quão agradável é para a vista (ainda tenho as minhas dúvidas), Pedro Neto, um furacão na ala esquerda, e Nuno Mendes, um regresso que se saúda. 

 

E pronto, temos os nossos 26, rien ne vas plus. A Finlândia também não vai (ao Euro), mas marcou-nos dois golos (a rever). Ficou a ideia de que o grupo não é tão homogéneo assim, no sentido em que não há um substituto à altura de Palhinha, por exemplo. 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Palhinha

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26
Mai24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

O sobe e desce do Elevador de St Juste


Pedro Azevedo

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(Pela sombra projectada por guarda-redes e bola, parece-me golo.)

 

Potemkin, Trincone e Santorini estão em campo. Homessa (ou será Odessa?), Potemkin beija a bola e marca um canto a que St Juste corresponde com uma cabeçada indefensável para Diogo Costa. Na Tribuna, pálido e com os olhos embaciados, Bob lamenta a sua sorte: infelizmente, o ucraniano, o italiano e o grego têm em comum não serem elegíveis para a nossa Selecção, e Martinez sente-o com uma grande desolação. Ao seu lado, Fernando Gomes pocura animá-lo, consolá-lo de tanto azar, mostrando-lhe o outro lado, o copo meio-cheio, a oportunidade de com Chico Conceição internacionalizar o arraial tuga ou com Pedro Neto promover o nosso Serviço Nacional de Saúde, para não falar do efeito positivo para a nossa balança comercial (e orgulho luso) de exportação de um agora beduíno, recém-naturalizado, de faca permanentemente nos dentes, como contraposição aos nómadas digitais que anualmente de mansinho invadem o nosso país e nos encarecem o custo de vida. Bob parece ganhar de novo cor, ao visualizar o seu papel nessa exótica mostra europeia. Sedento de partilhar essa visão, logo se apressa a ligar ao Horta. 

 

Enquanto isso, no relvado, Potemkin lidera a rebelião Sportinguista contra os czares que dominam o futebol português. Mas o Porto começa a pôr a bola nas costas dos centrais do Sporting e Geny, com os apoios trocados, amortece-a em forma de assistência para Evanilson. Pouco depois, St Juste, que marcara um golo inesperado, falha onde não é expectável: é ultrapassado em velocidade por Galeno e depois abalroa-o à entrada da área. O árbitro ainda dá penalty, depois revertido pelo VAR, mas o holandês não se livra da expulsão e o Sporting de ficar a jogar com 10. Quaresma, que deveria ter sido titular e acabou por ser o melhor dos nossos, entra, mas sai Morita e não um interior e com isso o Sporting entrega o jogo ao Porto. 

 

O que se segue são vagas constantes de ataque do Porto que só Quaresma e/ou Diogo Pinto vão conseguindo repelir. O jogo, de sentido único, vai para prolongamento. O Porto nada consegue fazer do lado direito da nossa defesa, mérito indiscutível de Quaresma, mas no flanco oposto Chico Conceição cria sucessivo perigo. Até que chega mais uma previsível bola nas costas do nosso lado esquerdo e Diogo Pinto primeiro hesita e quando sai da baliza abalroa Evanilson. Penalty e 2-1. Até ao final o Sporting ainda esboça uma reacção que fica à porta da rulote onde o VAR bebe a essa hora umas bejecas, pelo que o resultado não sofre alteração. 

 

Vitória justa do Porto, hoje claramente a melhor equipa, com José Pedro como o melhor homem em campo em virtude de ter secado Gyokeres. E assim a dobradinha não veio para Alvalade, o que em matéria de culinária nos põe em inferioridade com um Porto sobejamente conhecido pelas tripas e um Benfica que há muito se alimenta da mão de vaca (quando não de Vata). 

 

Enquanto os portistas já festejam nas imediações do Jamor, Bob abandona o estádio. Não evita porém uma última paragem no seu gabinete na sede da Federação, antes do regresso a casa. Com nostalgia contempla a sua secretária de trabalho. As viagens pelo mundo haviam-lhe trazido mais olheiras do que propriamente actividade de olheiro. O cansaço inerente a um jogo a cada 3 meses deixara-o exausto. O que vale é que para arrepio de algum esgotamento já tinha a convocatória para o Euro pronta mesmo antes de aceitar o cargo de seleccionador em Portugal. Era então chegado o tempo de tirar umas férias. Consulta o mapa e escolhe. Destino: Alemanha. Liga o piloto automático, que é como quem diz, ao Cristiano Ronaldo e ao Bruno Fernandes, e marca a viagem. 

 

Boas Férias (de bola) !!!

 

Tenor "Tudo ao molho...": Eduardo Quaresma (por uma milha de diferença)



19
Mai24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Festa real em placebo de jogo


Pedro Azevedo

Há jogos de campeonato de fim de época que não estão no calendário para serem jogados, antes são para despachar o mais rapidamente possível a fim de dar lugar à festa. Uns porque são campeões, outros por garantirem a Europa, alguns por obterem a melhor classificação ou recorde de pontos, a maioria por se manter na Primeira Liga, no fim muitos clubes têm motivos de comemoração. Pelo que o jogo em si deixa de ser o prato-forte e passa a ser um aperitivo, um "amouse bouche" que prepara as papilas degustativas - fazendo crecer "água na boca" - do adepto para o que virá a seguir.  Um jogo assim não é para ser levado a sério, como sério não é o VAR intervir em lances de interpretação do árbitro - puxão do braço de Trincão por Vasco Fernandes ou pretensa falta discutível de Coates - ou não ser dada a compensação devida por inúmeras paragens de jogo. Enfim, uma brincadeira em forma de jogo e um árbitro em forma de assim, em consonância. Com uma excepção: Viktor Gyokeres. O homem que não sabe brincar, na observação acutilante de Neto, um dos nossos capitães e voz sábia e filosofante no nosso balneário, que ontem se despediu de nós. Por isso vimos o sueco à beira de uma apoplexia de cada vez que o jogo tinha uma interrupção e quando foi dado o tempo extra. Porque ele quer sempre mais, tem fome de mais: mais golos, mais assistências, mais correrias, mais suor na camisola. E de gente assim se fez o campeão. (Ou como um "underdog" à partida é à chegada um CÃOpeão, importante escalada numa cadeia alimentar onde não faltam as piranhas.)  

 

Se o jogo foi uma brincadeira, os números de stand-up comedy entre o árbitro anafadito e o inefável VAR Rui Costa foram o ponto alto da diversão: as caretas, hesitações e falta de convicção geral de Manuel Oliveira de cada vez que foi chamado a ver o vídeo constituíram um momento de humor a jeito do sketch "A Ponte da Morte" de "Em Busca do Cálice Sagrado", assim como teve alguma graça a rebeldia demonstrada aquando da expulsão de um flaviense que não foi ao VAR - "Não, não me voltarás a julgar", terá pensado o árbitro enquanto fazia alegadamente ouvidos moucos ao Costa que o azucrinava no auricular pela quarta vez durante a primeira parte. Pelo que o jogo valeu essencialmente por dois momentos característicos de van Basten, curiosamente interpretados por 2 diferentes jogadores: a rotação de costas para o defesa, de Gyokeres, na origem do segundo golo, e o pontapé em volley de Paulinho para o terceiro. No resto do tempo pouco se jogou, entre paragens para entrada do massagista e médico do Chaves, bombeiros, INEM, peritos de avaliação de sinistros e de cotação de salvados e análise das câmaras de vídeo-vigilância. (Ou como trocámos uma época com um ponta de lança que se associava com os companheiros por outra com dois pontas de lança em associação com o golo.)

 

Feitas, as contas, o Sporting terminou este campeonato com uma dezena de pontos sobre o proto-campeão Benfica e dezoito pontos acima do Porto, estabelecendo um novo recorde pontual do clube na competição (90 contra os 86 de JJ). Quem acompanhou a pré-época e leu os jornais da altura,  sabia que o campeonato seria um pró-forma, um caminho que serviria unicamente para glorificar e incensar o Grande Benfica, do Rui Costa e do Schmidt, do Di Maria, Rafa e Otamendi e do puto maravilha. Uma coisa em forma de pescada, que, antes de o ser, já o era. Só que não, o Rúben Amorim, o Gyokeres e todos os nossos não o quiseram assim. E embora perdendo de goleada na sondagem junto das cassandras apressadas, no fim levantaram o caneco. Seguir-se-ão a Taça e mais uma pré-época com o Benfica campeão. Depois, rolarão a bola e, quem sabe, algumas cabeças... A caminho do 25 !!! [À semelhança do ocorrido com as Ligas Experimentais, há sempre a hipótese de futuramente a Federação passar a considerar os títulos (de jornais) de pré-época do Benfica. Tudo em nome do PIB nacional, que, já se sabe, ninguém pára o Benfica e, portanto, Portugal.]

 

Tenor "Tudo ao molho...": Viktor Einar Gyokeres (who else ??)

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11
Mai24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

O Grande Ano


Pedro Azevedo

Caro Leitor, mais do que um leão, esta época em cada Sportinguista houve um ornitólogo. Um ornitólogo? - perguntará o Leitor. Sim, um zoólogo dedicado ao estudo aprofundado das aves. Senão vejamos: começámos por observar com sucesso uns gansos fora do seu habitat natural, largados em Rio Maior. Mais tarde, quisemos vê-los mais de perto, pelo que os desviámos de Pina Manique e atraímos até Alvalade. Acabámos por os classificar como espécie de... goleada. Seguidamente, contemplámos as águias, sempre muito furtivas, fanfarronas e com nomes como Vitória e assim. Precavidos, já sabíamos de cor os seus costumes e modos de vida. Para as controlar, enviámos um sueco perito em ornitologia, que logo tratou de as anilhar e lhes cortar as unhas. Para o efeito, bastou deixá-las pousar, que no nosso clube não resolvemos os problemas à chumbada e a única coisa que chumbamos mesmo são algumas práticas do futebol português. Com o sucesso desta missão, veio a festa. Que começou no Pombal, onde dezenas de milhares de Sportinguistas se reuniram a testemunhar, e chegou hoje ao lar dos canarinhos. Tudo isto depois de meses e meses a fio a vermos o Adán e o Israel a aviar frangos e perus... E já para não falar dos urubus do apito! Não é incrível? Pelo que nem Aristóteles ou "Plínio, o Velho", Pierre Belon ou Francis Willyghby, ninguém conhece tão bem as aves como um Sportinguista. 

Se um canarinho numa mina de carvão pode ser um sinal de falta de oxigénio, numa mina de ouro (para o imobiliario) como o Estoril é apenas um sinal de prosperidade. Pelo que lá fomos gozar a nossa prosperidade recente ao Estoril. Quem diz Estoril, diz canarinhos, diz Escrete, que é homófono de discreto, condição de quem não é pato-bravo, um tipo de ave diferente que gostaríamos que fosse pelo menos de arribação. Como andar na linha é coisa a que o Sporting se habituou desde a sua fundação, a ida à Amoreira foi como se jogássemos em casa. 

 

O jogo foi uma coisa em forma de assim, como diria o O'Neill. Quer dizer, não foi um jogo mas sim uma batalha. De wrestling. Nesse sentido, o Gyokeres foi várias vezes projectado ao chão pelo Pedro Álvaro e pelo Basso, que não é baço e pelo contrario tem maus figados. Quando não pegado de cernelha pelo Vital. Enquanto isso, do outro lado do campo, o João Marques batia por trás em tudo o que mexia. Paralelamente, o árbitro ia contemporizando, forma de procrastinação que se admite, que o dia era de sol e toda a gente sabe que o Estoril é Praia. Pelo que o jogo andou ali num rame-rame até que o Amorim trocou as pedradas para a área do Matheus pelos cruzamentos precisos do Nuno Santos. E chegámos ao golo, numa cavalgada do Gyokeres terminada com um passe no tempo exacto para o Nuno, que depois centrou para o espaço onde apareceu o Paulinho, também ele em campo há poucos minutos, a concretizar com o pé mais à mão - tempo e espaço, os fundamentos do futebol. Até ao fim, o Sporting esteve sempre mais próximo do segundo golo do que o Estoril do empate.

 

Depois do título da semana passada, agora concretizámos o recorde de pontos (87) do Sporting no campeonato. Pelo que para a semana o objectivo - todos os jogos têm de ter um objectivo, uma forma de motivação a fim da equipa não se perder em festejos e chegar muito relaxada ao Jamor - será atingirmos os 100 golos na competição, ainda que isso obrigue a marcar por 7 vezes a um já despromovido Chaves. Não será fácil, mas a acontecer daria um novo significado à expressão "guardado a sete chaves". 

 

Duas notas finais para a estreia de Pinto (Diogo), que talvez pela sua juventude não deu nenhum frango, e para o debute do menino Menino, o nosso André ao quadrado (Vitória), que no entanto parece já ter guia de marcha. Que um dia possa regressar em beleza!

 

Tenor "Tudo ao molho...": Francisco Trincão. Nuno Santos e Paulinho seriam boas opções.

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04
Mai24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Romeiro, quem és tu?


Pedro Azevedo

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Num rigoroso exclusivo, "A Poesia do Drible" informa que esta semana o Amorim foi à Praça de Londres, tendo passado primeiro pela Avenida de Roma e depois pela de Paris, antes de entrar na Gago Coutinho, que como se sabe esteve intimamente ligado aos aviões e a travessias transatlânticas. Tudo isto oferece um sem número de possibilidades ao treinador, que toda esta actividade não foi inocente, embora tenha escapado ao radar do Correio da Manhã e seus trocadilhos tão inteligentes que capazes de fazer um homem são desejar falecer duas vezes. Pelo que desta vez o Amorim foi para fora cá dentro, o que, entre outras coisas, constituiu um bom tributo ao Turismo de Portugal. Ficam a aguardar-se outras iniciativas, como por exemplo uma colaboração com o Instituto de Socorros a Náufragos, que "há mar e mar, há ir e voltar", e sem ele o Sporting, além de orfão, é capaz de meter água. Enfim, algo deste género ou "uma coisa em forma de assim", que também é do O'Neill.

 

O que esta semana não deu notícia foi a seca de golos do Gyokeres. Quer dizer, a imprensa afecta aos donos disto tudo bem tentou criar um tema à volta de um não-assunto, como se o homem fosse latino e mortal e padecesse de estados de alma, mas ele é nórdico e semi-deus (Thor, filho de Odin) e ao puxar do martelo logo abriu um dique onde emergiu uma enxurrada de golos. Eu sei, o que a imprensa amiga do Glorioso queria dizer é que isto assim como está (no campeonato) é uma seca, mas puseram-se a jeito e acabaram por "pedir" chuva (de golos)... 

 

Na antecâmara do jogo, o mais desolado era o Paulo Sérgio. Então o homem anda há anos a pedir um Pinheiro, não se sabe se manso ou bravo, e em vez disso dão-lhe um Carvalho? Pelo menos esse é o nome que dão aos romenos no rugby, modalidade que o Paulo gosta de incutir no fio de jogo das suas equipas (tudo atrás da bola). Pelo que em Alvalade tivemos o senhor Va-si-li-ca, que é assim a modos de designação de pomada lubrificante. Fez jus ao nome: indicado para alguns deslizes, não fez muito atrito (com as bancadas), o que terá agradado à panfletária APAF. 

Como o Adán não estava em campo, o Paulo Sérgio não correu riscos de incorrer no pecado original e estacionou o autocarro da Eva. Com a inibição da Eva, procurando tapar a virtude (leonina), a primeira parte foi muita parra e pouca uva. Para tal também contribuiu o ninja Nakamura, que fez 4 defesas de grau de dificuldade muito elevado. Pelo que nesse período só marcámos por uma vez, cortesia de Paulinho após um trabalho perfeito de Nuno Santos. 

No segundo tempo o Sporting continuou a carregar e o Nakamura a defender. Até que o Paulinho teve uma jogada brilhante pela esquerda e o Trincão chutou raso e sem dar azo às artes marciais do Nakamura. 

O jogo estava praticamente ganho, mas eis que chegou o momento de fim de tarde: o Inácio meteu na área e o Bragança teve um momento globetrotter ou free-style, estilo foca do Zoomarine. Na ressaca, o Gyokeres aliviou a raivinha nos dentes e marcou o ponto. 

- "Romeiro, quem és tu ?

 - Ninguém !"
Este diálogo (e o seu autor), extraído de Frei Luis de Sousa, de Almeida Garrett, tem muito mais a ver connosco do que o Leitor possa pensar. Primeiro, porque mais "Viagens na minha terra" de Alcochete (e não no estrangeiro) é aquilo que queremos ver no Rúben Amorim, depois porque evoca D. João, um nobre que acompanhou D. Sebastião em Alcácer Quibir e regressou, irreconhecível, cerca de 20 anos depois. Como o Sporting, sebastiânico durante 19 anos e transfigurado desde que Amorim assumiu o comando técnico do clube. (Rúben, que tal criar um ciclo, uma dinastia? Vamos.)

Está quase, quase, quase...

 

Tenor "Tudo ao molho...": Paulinho. Nuno Santos seria uma boa opção. 

29
Abr24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Once upon a time in the West Ham


Pedro Azevedo

Com a vitória sobre o... Vitória, o Sporting ficou muito perto do título de campeão nacional. A instabilidade anterior à entrada de Amorim em Alvalade pareceu longínqua no tempo e definitivamente erradicada, com os resultados tinha chegado a famosa tranquilidade com sotaquezinho espanhol (língua do nosso grande capitão Coates) que no passado, entre outros méritos,  até normalizara o risco ao meio do Paulo Bento. Até que aconteceu segunda-feira, não um dia a seguir a Domingo semelhante a outros 51 que ocorrem durante 1 ano, mas aquele em que Rúben Amorim apanhou um avião (o avião criou imediato desassossego, se tivesse sido visto em Tires a andar de bicicleta ou trotinete saberíamos que não iria longe). A caminho de Londres. Para ir tratar de presuntos, na zona oeste da capital inglesa. Confesso que não entendi o empolamento. Quer dizer, já todos conhecíamos a ambição europeia de Amorim, mas o meu receio foi que ele se tivesse metido num vôo para Estrasburgo, à boleia de ser cabeça de lista da AD para o parlamento europeu. Porque o mandato é de 5 anos. Mas não, felizmente não, tal como o Montenegro, eu confundi alhos com Bugalhos: o Amorim só tinha ido a Londres. E sobre o assunto não adianta serrar mais presunto (há um campeonato para vencer). Ainda se fosse um Pata Negra talvez valesse a pena, mas assim...

 

Bom, mas isso foi na segunda-feira, hoje o Sporting jogava no Dragão (Oeste por faroeste, antes o último, ainda por explorar). Pelo que lá fomos nós à procura do Henry Fonda e de outros mauzões, só que o Fonda já havia sido mandado para casa por uma multidão em repúdio através de um escrutínio popular. Como o Mau estava de fora, tomou-lhe o lugar o Vilão-Boas (mas isso é um outro filme). Não tivemos Bronson, o que (não) foi uma gaita, mas Cardinal(e) não estava na linha, o que deu para revitar distrações. Assim, ninguém ficou de beiço caído... Sem Bronson, o herói foi Gyokeres. Amorim ainda deu 60 minutos de avanço ao Porto, facto de que agora deverá estar arrependido. Foi um erro, uma asneira, ter Inácio fora de posição e uma ala esquerda coxa, assim como a ida de Diomande (desastrado) a jogo. Só que Gyokeres foi para dentro de campo, Quaresma também, Nuno Santos entrou à hora de jogo, todas as peças finalmente encaixaram e o Sporting melhorou imediatamente. Até lá, valeram Hjulmand e Coates, que evitaram o naufrágio e deram fôlego a Amorim para corrigir aquilo que estava errado. 

 

O jogo e a semana resumem-se numa frase/interrogação de William Blake: "Como saberes o que é suficiente, se não souberes o que é demais?". Amorim pisou o risco, teve uma dose dupla de aprendizagem e crê-se que tenha compreendido a lição. Ora, lição rima com campeão. E Portimão, cidade do próximo clube que nos visita. É para ganhar, claro, qual a dúvida? Somos o Sporting, a Oeste nada de novo...

 

Tenor "Tudo ao molho...": Viktor Gyokeres

 

P.S. Força, meu capitão! As melhoras, Manuel Fernandes, e que no Marquês celebremos também a sua recuperação. 

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22
Abr24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Todos à Praça da Figueira


Pedro Azevedo

No dia seguinte ao do Benfica ter sido eliminado da Liga Europa pelo Marselha, o jornal A Bola, na sua edição on-line, fazia manchete com a notícia de que os encarnados haviam sido o clube português que mais pontos obtivera na Europa nos últimos 5 anos (não se pode deixar cair o Benfica, nem que para tal seja preciso recorrer ao jogo da malha ou ao chinquilho). Ou seja, quem ingenuamente pensou que o Benfica havia perdido, afinal veio a deparar-se com mais um retumbante êxito das águias (ou como um êxito pela porta pequena das competições europeias pode ser também um grande êxito em si mesmo). Pensei nisso na antecâmara do jogo contra o Vitória e de como um potencial triunfo nosso seria sempre infrutífero porque certamente o Marquês já estará reservado para a comemoração do quinquénio europeu benfiquista. [Acho que a isto se chama A Bola passar o lustro (meia-década) ao Benfica.]

 

Ainda que ofuscado pela gloriosa gesta europeia lampiónica, o Sporting recebia o Vitória, em Alvalade, a fim de consolidar a sua pretensão ao título (menor, quando comparado com o quinquénio europeu escarlate, mas ainda assim um título). Com o seguinte dilema prévio: se, por um lado, ganhar ao Vitória era fundamental para mantermos a cadência, por outro, uma vitória em cima de Vitória parecia uma contradição nos termos. Pensei maduramente nisso e no que Amorim diria no balneário à sua equipa e cheguei à conclusão de que para saírmos vitoriosos contra o Vitória teríamos de nos disfarçar de vitorianos. O Amorim pensou o mesmo e fomos a jogo equipados de branco. O Álvaro Pacheco é que não foi na conversa de assumir o jogo à Sporting e começou por pôr as barbas de molho, definindo uma estratégia que passava por cautela e caldos de galinha. A quente, como o caldo era deles, esses primeiros 20 minutos não foram canja para nós, mas depois, mais a frio, o Bragança teve uma boa jogada e a equipa acertou o ritmo. Até que novo desequilíbrio causado pelo Bragança na área deu a oportunidade ao Pote de visar a baliza: o Pedro peyroteou com categoria e adiantámo-nos no marcador. E sobre o intervalo, o Gyokeres dilatou a vantagem após uma triangulação que envolveu também Bragança e Pote e fez lembrar o Sócrates, o Falcão, o Careca e o Escrete dos anos 80. Em sequência, o Álvaro foi pensativo para o balneário. Quer dizer, a boina, de griffe Yves Saint-Laurent, já de si lhe dá um certo ar de parisiense, intelectual, criando a imagem de um ser introspectivo, alternativo, um artista do Quartier Latin quiçá com influências de Rimbaud e Baudelaire, mas agora era a pressão dos números (e não da baguete esmagada debaixo do braço) que o fazia reflectir. Serviu de pouco, porque logo aos 4 minutos do reatamento o Gyokeres bisou. O sueco não voltaria porém a marcar, algo que já não faz há precisamente 41 minutos ou 2460 segundos, mais até se considerarmos o tempo que mediou desde que acabou o jogo e a hora a que entrego esta crónica. Pelo que, à falta de um saudoso Albarran que lhe dê o devido acento, se espera pelo menos que os jornais de mais logo continuem a pegar no tema desta imperdoável abstinência goleadora. [Na retina porém ficou um inacreditável slalom (gigante) do sueco, digno de um Stenmark ou Girardelli, que infelizmente acabou em derrapagem e queda (tipo Tomba) na hora da conclusão. Brutal! E a mostrar que, se cá nevasse, o Gyokeres faria por cá ski.]

 

E assim estamos cada vez mais perto do título. Com o Marquês tomado por um Benfica a reboque de uma imprensa amiga que seca tudo à volta, o melhor será mesmo o Sporting ir comemorar para a Praça da Figueira, assim a modos de recuperação de uma parábola célebre de Jesus Cristo (Mateus 21:18-21). Recordando-nos de que ao mesmo tempo que secou uma figueira, Jesus alertou os seus discípulos de que a fé pode mover montes até ao mar. Como a fé de um Sportinguista, que não só move montanhas como será sempre recompensada em milagres. [Só mesmo um milagre explica termos sobrevivido a ASD, Pinheiro, Godinho, Veríssimo e, pior(!), ao impacto negativo no PIB nacional produzido por a "instituição" não vencer.]

 

Tenor "Tudo ao molho...": Pote. Bragança, em versão Telé Sant'Amorim, seria a minha segunda opção e os centrais estiveram muito bem. Gyokeres voltou aos golos e Trincão produziu uma assistência pelo segundo jogo consecutivo.

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18
Abr24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Romances de cordel escarlate


Pedro Azevedo

Caro Leitor, o drama, a tragédia, o horror é que o Gyokeres está em crise. Eu explico: o homem já não tem uma acção decisiva para golo desde as 20:35 de ontem, e essa longa espera ameaça ser capa nos jornais desportivos de hoje. Mas, para nós, adeptos, ontem foi mais um dia no escritório para o sueco: recebeu a bola de Nuno Santos, deixou-a rolar para tirar logo um adversário do caminho, atraiu outro para a bola antes de tocar para Trincão, abriu uma auto-estrada para este dar a Pote ao levar consigo um terceiro defesa para o espaço. O que queriam mais? Que o homem comprasse a totalidade da nossa dívida pública? Pelo que nas estatísticas figurará que marcou Pote e assistiu Trincão, mas o golo foi 60% do Gyokeres. 

 

Uma capa de desportivo alternativa de hoje (bastante mais possível) será o Gyokeres não peyrotear há 5 jogos. Vejo isso com muito bons olhos. Primeiro, porque, desses 5 jogos, o Sporting venceu 4+1, sendo o +1 um empate que soube a vitória (qualificação para a final da Taça). Em segundo, na medida em que arrefecerá um suposto interesse do Liverpool: depois da Sky Alemanha ter noticiado que os Reds haviam entrevistado Amorim, os media portugueses já estavam a esfregar as mãos de contentamento para informar que a Sky Azerbaijão acabara de anunciar a presença de Gyokeres (e Varandas, por inerência) em Anfield para um colóquio sobre venda(vai)s. Agora que se consolem com as notícias da Sky Nazaré sobre o famoso canhão Esgaio, se este tiver algum interesse (eu creio que não) em nos trocar para ir "vender o seu peixinho" para o cidade dos Beatles. Enfim, nesta mixórdia, razão tinham os Salada de Frutas quando cantaram: "Sky nevasse, fazia-se Sky ski".

Esta coisa das fontes é curiosa. Como o facto da Sky inglesa, tão perto do Liverpool, recorrer à sua filial alemã para dar a caixa de Amorim ter sido alegadamente entrevistado. Será que o treinador fez escala em Frankfurt para comprar umas salsichas? Ou, em alternativa, andarão os media a encher chouriços? Em todo o caso, não me pareceu nobre. Ou Nobre, tendo em atenção os artigos em questão. Pelo que nesta coisa de fontes eu só confio na Luminosa e na Pereira de Melo. E se for só para "dar troco" à malta, então escolho a de Trevi. 

Gosto tanto de ver destruir preconceitos quanto gosto de observar o Bragança jogar. Se ter pelo menos um bom pé e capacidade física são condições sine-qua-non para se ser um jogador profissional de futebol, a partir daí joga-se essencialmente com o cérebro, sendo esse o topo da pirâmide de satisfação de Maslow de como um adepto vê um jogador de futebol. Pelo que o nível que o Bragança vem exibindo não surpreende, como nunca surpreende ver a inteligência contagiar positivamente tudo o que a rodeia. O que surpreende, sim, é ver o Bragança contrariar a sentença de Einstein de que é mais fácil desintegrar um átomo do que destruir um preconceito, mas o Braganca até podia ser físico nuclear, se quisesse.

 

Menos artístico na acção, mas em modo omnipresente, apresentou-se o Hjulmand. Sobre ele, Hans Christian Andersen escreveria um conto de fadas, se ainda fosse vivo. O homem é um colosso, um digno sucessor de Holger Danske, não deixando porém de mostrar uma sensibilidade no campo digna do seu compatriota Kierkegaard quando este pronunciou: "A vida só pode ser compreendida olhando para trás, mas só pode ser vivida olhando para a frente". Assim é ele, no seu vai-vem, que dá organização e vida ao jogo do Sporting. E depois há ainda que falar de Quaresma: com Diomande em modo complicativo, com passes para o hospital e falta de velocidade para segurar o flanco direito, no primeiro tempo o Chiquinho cresceu para Chicão. Até que entrou o Quaresma e o Chicão ficou assim pequenino que nem um Chiquinho. Para caber na algibeira do calção do jovem leonino. E ver-se obrigado a mudar de flanco. Uma última palavra para o Trincão, que trabalhou muito ofensiva e defensivamente (o que ele cresceu nesse aspecto) e apenas teve o senão de ter permanecido 15 minutos a mais no terreno de jogo, esgotado, provavelmente devido à desconfiança de Amorim no rendimento defensivo de Edwards. 

 

Para somar à seca de golos de Gyokeres, o Sporting não vence desde sensivelmente as 22:00 de ontem. Pelo que até ao apito do árbitro para o início da recepção ao Vitória passarão exactamente 118 horas e 30 minutos desde a última vez que o Sporting ganhou. Com tanto tempo de hiato, não se poderá chamar a isto uma crise? E o Benfica, ganhará moral, agora que o Sporting além dos golos do Gyokeres perdeu também o joker de ter um jogo a mais? Enfim, boas questões para serem desenvolvidas na imprensa da manhã (ou manha).

 

Tenor "Tudo ao molho...": Daniel Bragança

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13
Abr24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Em terra de galos, o leão foi quem cantou cedo


Pedro Azevedo

Ontem, o Sporting jogou em Barcelos. A equipa está com uma óptima dinâmica, legiões de adeptos seguem-na para todo o lado e cheira muito a título. Mas um Sportinguista desconfia sempre e nunca está totalmente confiante antes de um jogo. Mesmo com 4-0 ao intervalo põe-se logo a pensar num cartão amarelo que resulte em suspensão ou numa expulsão. É como se os nossos jogos se escrevessem no céu e o guionista escolhido fosse especialmente trocista, começando os filmes em apoteose para que terminem em desgraça, só para que o espectador possa por momentos acalentar a expectativa de sucesso. Tem sido quase sempre assim nas últimas 4 décadas. Não foi porém  o caso de ontem à noite, ainda que muitos anos a virar frangos nos ensinem que jogos com o Gil possam sempre dar galo. Mas não, não desta vez, o Sporting foi muito superior, peyroteou cedo e em profusão foi acumulando mais golos, pelo que pôde descansar com bola no segundo tempo a fim de melhor preparar a ida a um Famalicão que se espera ter sido devidamente estafado pelo Porto esta tarde. Não sei por isso se esta equipa do Sporting improvisa com tanta categoria que dispensa guionista ou se este aproveitou o bom tempo e foi a banhos celestes, o que é certo é que pude assistir ao jogo com uma sensação que já não tinha desde os tempos em que o Paulo Bento esgotou a palavra: tranquilidade.  

Duas óptimas notícias da noite foram os reaparecimentos de Morita e de Trincão ao mais alto nível. Houve também a confirmação do Daniel Bragança (o lance em que ele recupera a bola e depois progride com ela e assiste magnificamente Trincão deveria ser mostrado em looping aos discípulos de São Tomé que insistem no preconceito e não querem perceber o óbvio). E o Quaresma regressou ao onze inicial. Sobre o Quaresma é preciso dizer que fez 15 jogos como titular a partir do momento em que jogou com o Porto. Desses 15 jogos, o Sporting venceu 12, empatou 2 e perdeu 1 (Braga, Taça da Liga), médias ligeiramente superiores às que a equipa tem esta época. E o Sporting, com ele desde o início, conseguiu 8 "clean sheets", só sofreu 8 golos no total e marcou 47, médias muito melhores que as da temporada. Ontem fez mais um jogo competente. Entretanto, o Gyokeres trocou os golos pelo bola na barra (ou no poste), o que é muito mais difícil, exige maior pontaria e deveria valer mais pontos. O homem pareceu abatido, ele que é quem geralmente abate os adversários, e o caso não é para menos e exige os maiores cuidados do nosso Departamento Médico: é que o excesso de ferro provoca hemocromatose e isso pode danificar órgãos importantes. Por falar em órgãos, eles hoje tocaram a rebate nas capelinhas do Dragão, a anunciar desastre. Ver o Porto acossado por Braga e Vitória não é bom para nós, pois obriga-o a dar tudo para ganhar ao Sporting. E nós já temos problemas de sobra: uma pessoa nem consegue desfrutar da expectativa do título com tanta notícia de vendas. A perspectiva é de ver o Amorim, o Gyokeres e o Paulinho (o técnico de equipamentos) a cantarem o "You'll never walk alone" e nós a caminharmos sozinhos. Pelo menos a avaliar pelo que os media dizem. Teremos ainda clube na segunda-feira? E, mais importante, na terça? Estou expectante e com os nervos em franja. Será que teremos 11 para Famalicão ou perderemos por falta de comparência? Irão todos para a cidade dos Beatles? Let it be? With a little help from my friends? Enfim, um desassossego...

 

Até terça! Se houver jogo. E crónica (para o caso do cronista também ir a caminho de Liverpool)...

 

Tenor "Tudo ao molho...": Trincão

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07
Abr24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Geny ao volante do Chapa do título


Pedro Azevedo

O William Blake, que foi um poeta e filósofo importante do Século XVIII, escreveu um dia que há o conhecido, o desconhecido e no meio estão as portas da percepção. Com esta afirmação, o escocês pretendeu estabelecer uma fronteira entre a realidade e a sua percepção. Sendo certo que muito do que é conhecido é real, nem tudo o que é desconhecido só por isso deixa de ser real. Pelo que por vezes aquilo que algumas pessoas dão como real é apenas uma percepção que têm da realidade, não tendo necessáriamente de ser a realidade. Aliás, com a perda de independência de alguns media, os opinion makers enviezados e o spin da comunicação assente em agências, talvez nunca como hoje a realidade tenha estado tão longe da percepção que as pessoas fazem dela. 

 

Vem o arrazoado acima a propósito do Sporting-Benfica da noite passada. Na antecâmara do jogo, os analistas discutiam quem poderiam ser as figuras do derby. Do lado do Sporting falava-se de Pote, Gyokeres, Morita e Hjulmand, do Benfica emergiam Di Maria, Rafa, Aursnes e João Neves. Uma infinitésima parte eventualmente terá mencionado Daniel Bragança, ninguém (a não ser talvez em Moçambique) referiu Geny Catamo. No entanto, os dois foram decisivos para a vitória do Sporting. E no caso do Geny, mesmo em Moçambique, quem apostaria 1 cêntimo na probabilidade de este resolver o jogo com um remate de pé direito? Ninguém, porque a percepção das pessoas era de que ele só teria pé esquerdo e o direito só serviria para subir num Chapa. A realidade porém é que o Geny marcou com os dois pés. E deu o triunfo aos leões. Sendo que o golo do Benfica foi obtido por Bah, que até aí só tinha marcado um em toda a época, outro jogador improvável. Com o Bragança há mesmo uma dissonância entre a percepção e a realidade que vai muito além do mero cálculo probabilístico: o Dani é visto como um jogador macio, o que é uma reminiscência de um passado que não dá espaço para contemplar a natural evolução de qualquer ser humano. (Quando um actor como Ronald Reagan foi eleito como presidente dos EUA, as pessoas dividiram-se entre as que percepcionaram que a sua carreira anterior o havia ajudado nesse faz de conta essencial à política e os que acharam ainda mais extraordinário um actor canastrão se ter feito eleger para o cargo mais importante do mundo.)

 

A percepção dominante sobre Roger Schmidt também não deixa de ser surpreendente. Na época passada, durante muito tempo, o Benfica passou por cima dos seus adversários. Liderou a Liga desde o início até ao fim e chegou aos quartos da Champions. Além disso, a equipa sempre jogou um futebol vistoso. Mas o fim de temporada foi menos exuberante que o seu início e essa foi a imagem que permaneceu na cabeça das pessoas. Pelo que o treinador entrou pressionado nesta época e assim continua, entre acusações de mexer pouco na equipa e uma outra curiosamente conflitante com a primeira: a de que troca muito de ponta de lança. A verdade é que se mexeu pouco na equipa tal deveu-se a ter colocado quase sempre os melhores em campo. E se trocou muito de ponta de lança, está à vista de todos que nenhum dos pontas de lança dos encarnados é suficientemente bom. Sabendo-se que o treinador benfiquista não é totalmente responsável pelas aquisições, se calhar a percepção que os adeptos têm sobre o treinador deveria transferir-se para o presidente, mas na realidade é Schmidt quem paga as favas (que são verdes). 

Cono é fácil criar uma percepção, logo os jornalistas acenaram com o facto - o drama, a tragédia, o horror - de o Gyokeres não marcar há 3 jogos. Ainda que a realidade nos mostre que este continua vivíssimo da silva, explorando o espaço e simultaneamente ligando o jogo como pivô como antes nenhum ponta de lança do Sporting, e que só por manifesto azar e sortilégio dos ferros não bisou no conjunto dos derbies. Pelo que temo que a realidade se venha rapidamente a impôr à força a esses jornalistas e o sueco continue a ser instrumental na nossa gesta com destino ao título. Busca que hoje foi conduzida por Geny, o geny(o) da Lâmpada (para contrapor ao génio do Pote) ao volante de um Chapa moçambicano, autocarro onde todos andam de mãos dadas para não saltarem fora. Como é o caso dos jogadores do Sporting no que diz respeito ao título. 

Tenor "Tudo ao molho...": Geny Catamo ("O Nambauane"), secundado por Daniel Bragança e o grande capitão Coates. No plano negativo, Morita apresentou-se fora da forma, sem arranque e aquele controlo das situações que o caracteriza, e Inácio esteve bastante mal, mostrando imensas dificuldades em parar um jogador alto, louro e percepcionando como tosco (Tengstedt) que ontem lhe deu água pela barba ao se posicionar sobre o lado esquerdo da defesa do Sporting. Matheus Reis uma vez mais foi induzido a marcar o adversário errado e deixou novamente Bah sozinho.

 

P.S. Os meus parabéns aos nossos Leitores Sol Carvalho e José Pimentel Teixeira (emérito bloguista e autor do recente "Torna-Viagem", livro que não devem deixar de comprar, à semelhança de "Quatro Desafios de Escrita!", do igualmente emérito bloguista e nosso Leitor José de Xã), que neste momento certamente sentir-se-ão duplamente satisfeitos pela vitória do Sporting e contribuição decisiva de um jovem moçambicano. Haverá festa rija em Moçambique e esse é um efeito que só o futebol proporciona e deveria ser aproveitado por clube e país.

 

P.S.2. A percepção da realidade que o Artur Soares Dias teve do soco do Di Maria no Pote foi menos violenta do que a percepção com que ficou de os Super Dragões alegadamente lhe poderem vandalizar a pastelaria depois de uma certa visita à Maia. Porém, na realidade, aparentemente só a primeira se verificou, o que demonstra que a percepção muitas vezes não corresponde à realidade (ainda que haja VARs que nem perante a realidade cumpram o protocolo, perguntando-se então qual a sua utilidade e se essa passa pela criação de uma realidade alternativa).

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03
Abr24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

As confissões de Schmidt


Pedro Azevedo

O futebol português tem várias tradições. Entre as que motivam um maior culto, destacam-se os xitos, quinhentinhos, cafés com leite, fruta e até mesmo as cavas em túneis. Outra tradição igualmente muito estimada, e do amplo conhecimento do seu treinador, é a de o Benfica, na hora do aperto, jogar contra 10. Ontem voltou a acontecer. O inusitado é que por uma vez tal não ocorreu por influência dos homens do apito. Não, foi mesmo o Sporting que foi a jogo com menos 1. Ou melhor, o Trincão autoexcluiu-se: enquanto os restantes 21 jogadores andavam à volta de uma bola, o Trincão andou aos toques em outra. Tal como o magala na tropa, sempre de passo trocado, sem nunca suspeitar que era o único que levava a bola errada. Por isso, não concordei com o Ruben Amorim quando no fim disse  que não tivemos jogo entre-linhas. Porque a bola chegou lá, a esse espaço, o problema é que tivemos um Trincão que voltou a ligar o complicómetro de 2023, que tudo aferrolhou, agrilhoou, fechou a cadeado. Em suma, foi um trincão, sim. Mas das Chaves do Areeiro. Ainda assim, o Amorim manteve-o 90 minutos em campo. Não por não ter visto o que todos vimos, mas por um "statement": como clube conservador que somos, connosco as tradições são para manter. E se não há uma "ajudazinha" dos árbitros ao rival, então dá-se um retoque do tipo Restaurador Olex, ou seja, uma bola só para o Trincão, para ele pôr os olhos no chão, não a passar a ninguém e acabar inevitavelmente por a perder, e finge-se que se joga naturalmente com 11. No fim, o orgulho: jogámos 90 minutos em inferioridade numérica na casa do rival e ainda assim sacámos um empate que valeu uma qualificação para o Jamor. Haveria melhor "mind game" ou factor mais desmoralizador para o adversário na antecâmara do match-point de Sábado? Claro que não. Mas, atenção: no Sábado temos de jogar com 11. Onze onde se pode incluir o Trincão. O de 2024, bem entendido, não o que ontem foi reviver o passado ao Estádio da Luz.

 

Por cada Trincão que cair, um Bragança se levantará. Foi com este mote, recriado do filósofo António Oliveira, que o Sporting se adaptou ao jogo e graças e ele não ficou apeado no intenso tráfego que se fez sentir ontem à noite na Segunda Circular. Porque foi o Daniel que assegurou os mínimos de circulação que evitaram a nossa morte por asfixia. Fornecendo o oxigénio que permitiu à equipa respirar e até ousar cortar a respiração ao adversário. Como no lance do segundo golo, quando encontrou Geny para o 1x1 contra Aursnes. Bem acompanhado pelo Hjulmand, que marcou um golo de bandeira e soube atrair a pressão nem sempre eficaz do Benfica para libertar companheiros sem oposição. Pelo que o problema surgiu a partir daí e não devido aos nossos meio-campistas. 

Se a solução tantas vezes testada a aprovada é pôr a bola em Gyokeres, não se entende porque deixámos tantas vezes o nosso melhor jogador sem bola. Mas com um interior adaptado como Paulinho, mais eficaz em tabelinhas perto da área, e outro, de espectro mais largo, completamente "fora dela", o sueco só apareceu na sequência de bolas perdidas a meio-campo ou de passes de longa distância como aquele em que St Juste o visou e acabou em golo. Ainda assim, na retina ficou aquela arrancada em que deixou dois pelo caminho e terminou com uma paulada na bola que a esta hora ainda deve estar a abanar o poste da baliza do Trubin. 

Não creio que as alterações ao intervalo tenham tido uma influência significativa na melhoria da nossa exibição ou sequer que a nossa exibição tenha melhorado por aí além. Até porque onde se deveria mexer não se mexeu, talvez por falta de confiança no Edwards actual (o de Bérgamo). E é preciso não esquecer que do outro lado não estavam 11 bidões. Não, havia um Rafa, um Di Maria, um Aursnes e, principalmente, um super João Neves. E o Schmidt, com a corda na garganta, confessou os seus pecados anteriores e desta vez ajudou a sua equipa. Pelo que o resultado do jogo, que não o da eliminatória, acabou por ser lisonjeiro, para tal contribuindo a elasticidade de Israel entre os postes, guarda-redes que curiosamente se sente melhor como um prisioneiro em solitária, enquadrado apenas por dois postes e uma barra, do que em cada saída precária. 


Quanto a Roger Schmidt, a Taça já se acabou, pelo que entre o campeonato e a Liga Europa que seja esta última a dar-lhe o balão de oxigénio de que precisa para ainda respirar. Assim saibamos nós ser competentes.

Tenor "Tudo ao molho...": Daniel Bragança

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30
Mar24

Tudo ao molho e fé em Deus

A (mito)mania de falhar de cabeça


Pedro Azevedo

Se até Aquiles tinha um ponto fraco, não admira que Gyokeres, igualmente um herói da mitologia (neste caso, leonina), também o tenha. O "calcanhar de aquiles" do sueco é o jogo de cabeça. E não se manifesta só na área do adversário, onde porventura dará mais nas vistas, mas igualmente na nossa área: por duas vezes o Estrela colocou a bola na sua zona de acção, por duas vezes criou perigo. Uma deu golo, outra motivou uma boa defesa de Israel. Não é a primeira vez que acontece - assim de memória recordo-me, entre outros, de um golo do Gil Vicente em Alvalade e de outro do Portimonense em sua casa, ambos na sequência de bola parada - e deve ser urgentemente corrigido. Amorim, sem nomear jogadores, chamou a atenção para esse erro na conferência de imprensa e fê-lo bem, até porque de outro modo só ficaria na retina do adepto a saída fora de tempo do guarda-redes do Sporting. (Esclareço que não se trata só da forma como Gyokeres coloca a cabeça à bola, tem mais a ver com a falta de confiança neste gesto que o faz não antecipar os lances e atacar atempadamente a bola.)

Quer este arrazoado em cima pôr em causa o Gyokeres? Não, o sueco está tão ligado à nossa redenção e, quiçá, salvação (após um quarto lugar no campeonato que valeu a não presença na Champions desta temporada) que deve ser visto como um mito soteriológico: os 36 golos e 14 assistências, que o tornam o jogador na Europa com mais participações directas em golos, assim o demonstram. Ontem, Sexta-feira Santa, simplesmente absteve-se de comer de cebolada a carne toda picadinha do costume, mas o mais certo é ter guardado o apetite para a jornada dupla com o Benfica. A avaliar pelo estado em que fica após cada jejum, eu diria que estará em ponto de rebuçado nesse momento. Que então a fera se solte em todo o seu esplendor!...

 

Não é que a estrela de Gyokeres tenha empalidecido, simplesmente não esteve ao seu nível. Ou ao nível altíssimo a que nos habituou (mal, para o nosso bem), fazendo apenas um jogo satisfatório. Pelo que a vedeta de ontem foi o Trincão, uma espécie de Lázaro ressuscitado por contacto com o deus Gyokeres. Explorando inteligentemente tanto o espaço entre-linhas como o existente nas costas dos defesas do Estrela, o Trincão fez um grande jogo. A que só faltou um golo da sua parte, que até poderia ter acontecido num par de ocasiões. E se numa o guarda-redes adiou momentaneamente os seus intentos (Nuno Santos marcou na recarga), na outra teve tudo para facturar quando o Kialonda Gaspar preferiu apostar as fichas todas na sua possibilidade de falhar face à inevitabilidade de golo que resultaria de lhe fechar o espaço interior e permitir-lhe a cedência de bola a um desmarcado Gyokeres - uma questão típica de uma cadeira de cálculo de probabilidades.

Outros jogadores em destaque foram Daniel Bragança e Hidemasa Morita. Muita qualidade de passe têm estes dois, que descobriram inúmeras vezes colegas entre-linhas. Jogando muitas vezes de primeira, não se deixando encurralar pela pressão da linha média do Estrela, sempre uns décimos de segundo atrasada face à velocidade de pensamento e de execução do meio campo do Sporting. Na mesma onda verde, Inácio, entrado para o segundo tempo, foi outro jogador que procurou jogadores soltos no espaço interior, criando perigo para o Estrela. Bem também estiveram os centrais, com a rapidez de St Juste a sobrepor-se a alguns "passes para o hospital" (conhece como ninguém o caminho) que fez e deveria evitar a fim de que males maiores possam emergir como no golo do Estrela. Nuno Santos também esteve ao seu nível, mais regular do que Geny. E Paulinho marcou um golo numa bela execução de cabeça, além de ter procurado sempre que possível ser opção para a ligação de jogo com o ataque. 

Não tínhamos necessidade de sofrer tanto, mas Sporting sem sofrimento seria paradoxal e desafiaria todo o conhecimento que os Sportinguistas foram adquirindo ao longo de seis décadas de estudos epistemológicos baseados na verdade e no nosso sistema de crenças. Por falar em crenças, a de que seremos campeões vai crescendo jogo a jogo. Depois de ontem, ficaram a faltar oito. Mas só precisamos de ganhar sete. Ou seis, desde que vençamos o derby. Bom, mas isso será para depois, porque na terça teremos Taça. Na Luz. Haveria melhor palco para uma equipa tão eminentemente renascentista? Então, que o eminente seja iminente e a nossa fluidez de jogo ilumine o rectângulo de jogo sito em Carnide!

 

Tenor "Tudo ao molho...": Trincão 

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