O Jorge Jesus é que tinha razão: o futebol é uma ciência cuja compreensão não é para todos. Por exemplo, para um comum mortal, o "tackle" de Ristovski - chegou à bola bem antes do adversário e não poderia ter cortado as pernas no processo, nem sido mais resistente ao movimento de deslizamento - é um lance absolutamente normal, mas para o perito de arbitragem da SportTV, ex-árbitro mediano (para ser simpático) e "especialista" em física com doutoramento em inércia do movimento, Sérgio Piscarreta, é um vermelho inequívoco. O mesmo senhor que consegue ver, numa entrada de Jefferson ao pé de Bruno Fernandes, "pernas encolhidas", razão para só ser mostrado o cartão amarelo, e que acha que Manuel Mota "geriu muito bem" o jogo ao desrespeitar as regras (digo eu) quando Niltinho agrediu ao pontapé o mesmo Bruno Fernandes. Realmente, JJ estava certo, o futebol, o português bem entendido, é uma ciência. Oculta, diria eu, cujo conhecimento só está ao alcance de certas pessoas, iluminadas por certo. Há que ser humilde e entender tudo isto no âmbito do esoterismo, caso contrário ainda poderíamos ser levados a pensar que o Estaline era um menino no que respeita a reescrever a história quando comparado a Piscarreta&friends.
A equipa leonina mais uma vez apresentou-se em campo em inferioridade numérica. Apesar disso, adiantou-se no marcador quando Bruno Fernandes encontrou Ristovski sózinho na área e este assistiu o Filipe das Consoantes para o seu primeiro golo de leão rampante. Uma espécie de Kramer contra Kramer, mas na versão Filipe contra Filipe. (Houve também Mota árbitro e Mota treinador, mas nada os movia um contra o outro.) O Sporting dominava e criava boas oportunidades em remates à entrada da área, mas a incapacidade de Wendel em enquadrar um pontapé com a baliza (ele e outros com a mira descalibrada devem estar a precisar de mais umas folgas...) ia adiando a tranquilidade no marcador. Outras jogadas promissoras seriam interrompidas pelo árbitro, num claro benefício do infractor que deverá ser enquadrado numa qualquer teoria do senhor Piscarreta que deve ter escapado à UEFA e à FIFA aquando da elaboração dos regulamentos ou recomendações dos respectivos comités de arbitragem. (Depois queixem-se de que não há árbitros portugueses nas fases finais das grandes competições internacionais de selecções.)
O segundo tempo seguia no mesmo tom, com os leões agora a beneficiarem da paridade numérica em campo, após novo amarelo a Jefferson por outro entrada dura. Até que o Gallo cantou e despertou os de Chaves: o passe do Bruno flaviense encontrou a desmarcação de André Luis, Coates ficou para trás e Renan acabou batido sem apelo nem agravo. Estava decorrida uma hora de jogo. Eis então que Marcel Keizer decide ter um momento de génio ao fazer entrar Doumbia, passando o Sporting a jogar com 11. É que o treinador leonino recentemente assegurou-nos que com ele jogam sempre os melhores, mas eu já ficaria contente se ele garantisse que entramos sempre com 11...
A entrada do marfinense praticamente coincidiu com uma paragem de 7 minutos para assistência ao guardião flaviense. Quando este finalmente foi substituido, o jovem Cabral também foi a jogo, naquela substituição clássica em que Borja - mais uns malabarismos inconsequentes - sai e recua Acuña. O Sporting intensificou a pressão e, na sequência de um canto, o argentino vislumbrou Bruno Fernandes, de braços abertos, a pedir a bola desmarcado à entrada da área. A bola chegou ao maiato e este, de primeira, fez um golo de bandeira. Com vantagem no marcador e mais um homem em campo, o Sporting começou a controlar o jogo, termo futebolístico que consiste em jogar para trás e para o lado, semelhante ao encanar a perna à rã, expressão provavelmente mais apropriada a quem escreve num espaço SAPO. Depois aconteceu o tal lance de Ristovski, a bola viajou até Raphinha, este encarou um último defesa e foi derrubado. O árbitro sancionou a falta e expulsou um flaviense. Seriam 11 contra 9, mas o vídeo-árbitro Vasco Santos alertou Manuel Mota para a tal suposta infracção inicial do macedónio. Eis então que Mota volta atrás na sua decisão, retira o vermelho ao jogador do Chaves e expulsa Ristovski. Sobre isto, só me oferece dizer que dúvido que depois deste episódio mais alguém vá comprar uns bifes ao talho de Manuel Mota: é que o homem não sabe o que é um corte limpo...
Em poucos segundos, um 11 contra 9 transformava-se num 10 contra 10: a emoção do futebol português não merece ser exportada para o mundo? Pobre Ristovski, há uns meses atrás teve galo ao ser expulso, agora foi de carrinho (ou de Mota?).
Faltavam dois minutos para o final do tempo regulamentar, mas Manuel Mota deu mais 11 minutos de compensação. O Sporting tentava esconder a bola e os flavienses, na ânsia de a recuperarem, batiam em tudo o que mexia à sua frente. A reacção do árbitro, segundo Piscarreta, era a de gerir o jogo, a dos comentadores da SportTV uma coisa em forma de assim, ou nim, ou coisa nenhuma. Até que, numa das poucas vezes em que conseguiu manter a integridade dos seus tornozelos, Bruno Fernandes fez um passe frontal para Jovane e este, com um toque subtil, deixou Luíz Phellype na cara de Ricardo, o guardião que entrara para o lugar de António Filipe. O brasileiro não perdoou e coroou a sua estreia a marcar com um bis. E assim saímos de Chaves com os 3 pontos e à espera da despenalização de Ristovski para o jogo de quarta-feira. Só espero que o Conselho de Disciplina não reúna na quinta...
"This sh*t is a joke". Oh, yeah!
Tenor "Tudo ao molho": Bruno Fernandes (destaques para Mathieu, Acuña e Phellype).
(Imagem: A Bola)