Como tantas vezes na nossa história, após uma gloriosa época culminada com uma dobradinha nas provas nacionais e presença nas meias-finais da Taça dos Vencedores das Taças, a instabilidade regressa ao clube. Mário Lino e João Rocha têm opiniões distintas sobre a preparação da pré-época seguinte, a corda estica e acaba por partir pelo elo mais fraco. Lino ja nem está no banco na final da Taça, demitido na manhã desse jogo no hotel onde a equipa estagia. Osvaldo Silva, velha glória do clube, assume interinamente.
João Rocha tinha uma ideia para garantir a independência financeira do clube. Lança o projecto da SCP - Sociedade de Construções e Planeamento, o qual é aprovado em Março de 1974 pelo governo de então. Surge a Revolução e João Rocha vê-se obrigado a abrir mão do projecto. O PREC está aí e a convulsão política não ajuda à confiança na economia. Em contra-ciclo, Yazalde está em alta. Faz um bom Mundial, o Real Madrid pressente as dificuldades financeiras vividas em Portugal, de que o Sporting não é excepção, e faz uma proposta pelo avançado. São 27.000 contos (135.000 euros). Rocha hesita, mas decide fazer um esforço para manter o seu ponta de lança. Por isso quer ir no final da época aos EUA, onde pretende arrecadar algum dinheiro para o clube. Lino não está de acordo por pesar mais a fadiga dos jogadores e o efeito que isso terá no atraso de preparação da nova época. O treinador sai, o Sporting realiza 3 jogos nos EUA, 2 com o Porto, 1 com o Benfica de Newark, entre 30 de Junho e 7 de Julho de 74.
Sem treinador, o Sporting procura-o no estrangeiro. Curiosamente, é uma lenda do Real Madrid o escolhido. Trata-se de Alfredo Di Stefano, a "sieta rúbia", um antigo jogador que está para o Real Madrid e sua correlação de forças com o Barcelona como Eusébio está para o Benfica na sua disputa pela primazia no futebol com o Sporting. Yazalde é quem estabelece o primeiro contacto e apresenta João Rocha a Don Alfredo. Ao longos dos poucos dias em que o argentino naturalizado espanhol está em Portugal são vistos a jantar no Gambrinus, a relação entre eles é muito boa. Tanto assim é que quando Rocha e Di Stefano se incompatibilizam, Yazalde tenta pôr água na fervura e sai em defesa do treinador. Dinis e Dé são os primeiros a não gostar dos métodos do treinador, a derrota em Faro (o Estádio Padinha estava interditado) com o Olhanense, para a primeira jornada do campenato, é a gota de água que faz transbordar o copo. Di Stefano, que nesse jogo nem vai para o banco, acaba demitido por entre a acusação presidencial de ser um "turista mal-educado". O facto de insolitamente ainda não ter o contrato assinado ajuda ao desenlace. Osvaldo Silva volta a assumir, mas apesar de 1 golo de Yazalde o Sporting acaba eliminado das provas europeias pelo Saint Étienne, na primeira eliminatória da Taça dos Campeões (Champions).
Se as coisas não começam bem, tardam a endireitar-se. Apesar de um empate encorajador nas Antas, à quinta jornada a equipa tem apenas 1 vitória. O resto são empates (2) e derrotas (após Olhanense, o Sporting perde em casa com o Guimarães). O Sporting consegue então alinhavar 3 vitórias consecutivas perante Atlético, União de Tomar e Farense. São 11-2 em golos, Yazalde marca 8, com direito a póquer aos alcantarenses e dois bis, um no Nabão, outro na recepção aos algarvios. No total, já leva 10 golos no campeonato (+1 na Europa), a fúria goleadora mantém-se. Vai-se destacando também socialmente: anda sempre com os bolsos cheios de moedas para dar aos meninos que o esperam na Porta 10A, sorteia os carros que lhe oferecem entre os colegas, chega até a comprar de volta um auto-rádio que lhe haviam roubado, a todos vai tocando com a sua humanidade. Voltando ao futebol, as coisas voltam a complicar-se no campeonato. Primeiro é um empate no Estádio do Mar, depois outro, em casa, com a CUF, finalmente nova divisão de pontos em Marvila. Pelo meio, duas vitórias tangenciais contra Espinho e Boavista, este último agora treinado por Pedroto que terminara o seu excelente ciclo em Setúbal. A insatisfação é geral, de forma que a 22 de Dezembro, quando o Sporting se desloca à Luz, é já Fernando Riera que está no banco. Riera começara por se destacar como jogador, tendo actuado pelo Chile na World Cup 50 disputada no Brasil. Como treinador, incia-se no Belenenses e quase é campeão. É o tal campeonato do golo de Martins, nas Salésias, que acaba por dar o título ao Benfica. Depois orienta o Chile no Campeonato do Mundo de 62. Leva a sua selecção até às meias-finais, pela frente tem o Brasil. Quer dizer, o Brasil sem Pelé, que se havia lesionado no 2º jogo da fase de grupos. Mas, se não há Pelé, está lá Garrincha. O "anjo das pernas tortas" marca 2, Vavá outros dois e o Chile (derrota por 4-2) tem de se contentar com o 3º lugar (vitória sobre a Jugoslávia). É depois campeão 3 vezes pelo Benfica, a última já depois de despedido. E vai a uma final dos Campeões perdida para o Milan. Treina também o Porto, em 72/73. É, portanto, um treinador com cartel aquele que acaba de chegar. O embate na Luz termina empatado e renasce a esperança de um futuro melhor. Yazalde, como não podia deixar de ser, aponta o nosso golo, o seu 12º na competição. Confirmando a retoma, o Sporting vence o Belenenses em novo dérbi lisboeta e a 1ª volta termina com melhores auspícios.
O Sporting entra forte na 2ª volta e vinga-se com uma cabazada ao Olhanense. São sete-a-zero e o Chirola faz uma "manita". De seguida, visita a Coimbra onde a Académica mudara de sexo, e nova vitória (3-1). Mais um para a conta de Yazalde. A recuperação é depois testada contra o Porto. A expectativa é grande e os leões mostram estar no bom caminho: triunfo por 2-1 com golo decisivo de Yazalde e tudo. Mas, em Guimarães há empate sem golos e a margem de erro reduz-se para zero. O Sporting consegue então a sua melhor sequência de vitórias nesse campeonato, alinhando 5 triunfos consecutivos. Yazalde marca por 6 vezes, quatro delas aos "bebés" de Matosinhos. Estamos a meio de Março e o Sporting tem uma saída difícil ao Bessa. Os boavisteiros já estão a sentir o efeito Pedroto e lutam com o Guimarães pelo quarto lugar. Têm muito bons jogadores, como Alves, Salvador, Celso ou Mário João. O jogo corre-nos mal (derrota por 2-0) e é o adeus definitivo ao título. Restam-nos 5 jogos, 1 deles com o Benfica (novo empate 1-1). Yazalde marca por 5 vezes e volta a ganhar a Bola de Ouro para o melhor marcador do campeonato.
Os leões terminam o campeonato sob o signo do bronze. O Sporting é 3º e é ainda eliminado pelo Boavista no prolongamento das meias-finais da Taça. Pedroto a ser Pedroto e a aplicar dois xeque-mates aos leões. Yazalde acaba a época com uns muito bons 37 golos (34 jogos). No campeonato marca 30 (26 jogos) e ganha a Bota de Prata europeia da France Football. O romeno Georgescu (33 golos) é o vencedor, Geels, holandês do Ajax, e Onnis, também argentino do Mónaco, dividem com Yazalde o prémio. Infelizmente, há um outro alinhamento de bronze no horizonte: a situação em Portugal deteriora-se, João Rocha não consegue aguentar por mais tempo o seu avançado e vende-o por 11 mil contos ao Marselha. Do bronze no campeonato para o bronze ao sol da Riviera Francesa, Yazalde transfere-se para o Marselha. São 126 golos em 131 jogos, 104 golos em 104 jogos de campeonato. Para o substituir em Alvalade, Manuel Fernandes, proveniente da CUF, outro ídolo leonino.
Em Marselha, a vida não corre mal a Yazalde. Socialmente, convive com Alan Delon e Jean Paul Belmondo, astros do cinema francês. Também com Carlos Monzón, seu compatriota e campeão do mundo de pesos médios (boxe). Vive num apartamento de 300m2 com uma vista impressionante, 3 piscinas, 2 courts de ténis, numa hora está na praia em Saint-Tropez ou viaja até Aix-en-Provence. O Mónaco é também um dos seus destinos favoritos. Em França, Yazalde dá largas à sua joie-de-vivre. Desportivamente a primeira época é salva pela conquista da Taça de França. No campeonato o Marselha é 9º classificado devido a uma série final terrível de 6 derrotas em 7 jogos. O treinador é Jules Zvunka e a equipa não tem grandes valores, exceptuando Trésor (defesa) e Yazalde. Coincidência, ou talvez não, a queda do Marselha acontece quando Yazalde se lesiona e perde 6 dos últimos 7 jogos. Nos 10 primeiros jogos do Olympique, 10 golos de Yazalde. Business as usual! Termina o campeonato com 19 golos em 30 jogos disputados (o campeonato tem 38) e é o 6º melhor marcador, o 1º entre os marselheses. Se é influente no campeonato, na Taça torna-se providencial. Marca 3 golos, um dos quais na meia-final contra o Nancy, de Michel Platini. Na final, é eleito o "L'Homme du Match". No total, a época para Yazalde fica-se pelos 22 golos. Nada mal, considerando o nível da equipa e a lesão. A segunda temporada corre-lhe pior. Começa a época e rapidamente se lesiona. Regressa á equipa e marca os dois golos que garantem uma vitória em Sochaux (2-1) mas já estamos na 9ª jornada do campeonato. De seguida, bisa de novo com o Lille e é o canto do cisne. Yazalde só faz 12 jogos na Ligue 1, a sua cabeça está na Argentina e na promessa que alegadamente Júlio Grondona lhe terá feito - Carmen afirma-o parentoriamente, mas, embora muito influente no meio (o que em parte o justifica), Grondona só será presidente da AFA a partir de 79 - de que se regressasse à Argentina estaria entre os seleccionados para o Mundial de 78. É tempo de terminar a aventura europeia de Yazalde, a sua terra natal espera-o de volta. Destino: o Newell's Old Boys.
(*) Publicado originalmente pelo autor neste blogue em 23 de Fevereiro de 2021