A ideia de que só a vitória interessa é um pensamento que se enraizou no futebol a partir do momento em que o romantismo do futebol espectáculo cedeu o lugar ao pragmatismo do futebol negócio. A história porém mostra-nos que há mais do que uma forma de vencer, e vencer o coração dos adeptos nem sempre passa obrigatoriamente pela vitória dentro do campo de jogo. Por isso incomparavelmente mais páginas foram escritas sobre a Hungria de Puskas, Kocsis e Hidegkuti do que acerca da Alemanha de Walter, Rahn e Morlock. O mesmo se passou com os teutónicos Meier, Beckenbauer e Müller, subjugados pela história e no coração dos adeptos pela sumarenta Laranja Mecânica de Cruijff, Rensenbrink e Neeskens, ou com a Itália de Conti, Tardelli e um inspirado Rossi, trucidada mediaticsmenre ao longo dos anos pelo perfume do futebol sambado de Zico, Falcão e Sócrates (ocorre-me que quem achar esta ideia metaforicamente platónica pode ligá-la literalmente a este jogador com o nome do antigo mestre de Platão). Vem este arrazoado a propósito do melhor meio campo que vi jogar no nosso Sporting, que apesar disso não foi campeão. Tomem lá nota, por favor: a titulares tínhamos o Paulo Sousa, o Euclides do futebol mundial, um homem com imensa noção do seno e do co-seno que chegou a Alvalade à tangente mas nunca foi secante; depois, havia o Balakov, o magneto, que em progressão colava a bola aos pés como se tivesse um íman nas botas; seguidamente, apresento-vos o Cherbakov, um tipo que invulgarmente conciliava uma força quase sobre-humana com uma técnica apuradíssima, um elefante com patas (pés) de bailarina, que um dia, qual Atlas, vi carregar o mundo de dois austríacos do Casino sobre os ombros e costas até desferir um imparável remate ainda de fora da área; e, claro, havia também o Figo, o mago do drible, mestre da arte do engodo, tango ou tanga da cabeça aos pés; sem esquecer o Peixe, eleito melhor jogador do Mundial junior de 91, o Capucho, também coroado em Lisboa, o Filipe, campeão do mundo em Riade, e o Pacheco, que com o Sousa roubámos ao Benfica. Bem, foi o mais perto que tivemos de ter opera em Alvalade, mas, como quem Scala consente, não tivemos alternativa que não fosse aceitar que o Robson fosse substituído pelo Queiroz e tudo terminou em opera-bufa. Mas que foi bom, lá isso foi, pelo menos enquanto durou (o Sousa saiu logo no ano seguinte para a Juventus, o Cherba perdeu-se na noite de Lisboa, o Figo assinou por 2 italianos e acabou em Espanha e o Bala foi fazer história no Estugarda). Por isso, com todo o respeito pelos Sporting de Fraguito, Dinis e Yazalde, do Manél, Jordão e Oliveira, ou do Mario Jardel, André Cruz e João Vieira Pinto, aqui fica a minha vénia a esses artistas.