O meu receio
Pedro Azevedo
O meu receio é que, depois de ver o que o Paulo Gonçalves e o César Boaventura estão dispostos a fazer pelo Benfica, o engenheiro Sócrates pense que o Santos Silva não é tão amigo assim...
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Pedro Azevedo
O meu receio é que, depois de ver o que o Paulo Gonçalves e o César Boaventura estão dispostos a fazer pelo Benfica, o engenheiro Sócrates pense que o Santos Silva não é tão amigo assim...
Pedro Azevedo
Vivemos na era do homem que mordeu o cão. Numa época destas, o acessório ganha prioridade sobre o essencial, o que traduzido para a Selecção significa que o debate sobre a qualidade e forma como sopra o ar torna-se de maior relevância que os 198 jogos e 122 golos de Cristiano Ronaldo, ambos recordes mundiais. Por isso discute-se epistemologicamente o que é uma lufada de ar fresco (tese) em contraposição a uma aragem de transição (antítese), dialética hegeliana logo rematada com a conclusão (síntese) de que o Ronaldo está a mais e os colegas estão fartos dele, o melhor mesmo é estarmos eternamente gratos ao Engenheiro pelo único título de relevo conquistado por Portugal. Ora, eu penso que se calhar também deveríamos estar um pouco reconhecidos ao Ronaldo, não sei. É que não me lembro do Bernardo, do Bruno ou do Felix em França, mas posso estar enganado. Do que eu me recordo é de Portugal ter obtido os seus melhores resultados internacionais (1º e 2º lugares em Campeonatos da Europa) com Ronaldo na equipa, além de igualmente com ele termos repetido uma meia-final e atingido uns quartos e dois oitavos-de-final no Campeonato do Mundo. Com vários treinadores diferentes. Para quem sofre com o labéu posto por alguns portugueses de que só se preocupa com os seus feitos individuais, não me parece que o que atingiu colectivamente seja pouco. E já nem falo das 5 Champions que ajudou o Real e o United a conquistar. Apesar dele, segundo os detractores, ainda que sem ele ambos os clubes tivessem curiosamente passado a ganhar muito menos. (Comigo, os detractores "vão de carrinho"; ou de tractores, se assim o preferirem.)
Quem conhece minimamente o Ronaldo sabe que o seu forte nunca foram as palavras. Como bom português, ele vai aguentando as provocações, uma após outra, até que explode na pior altura e da pior forma, com uma arrogância que disfarça a frustração de periodicamente ser posto em causa. E quando a isso junta o reconhecimento do prazer que lhe dá regressar a uma certa casa, então o caldo está entornado com uma certa intelligentsia escarlate invejosa e orfã de um menino prodígio que pulula em jornais e televisões. Sim, porque são esses que não conseguem despir a camisola e permanentemente confundem a prima do mestre de obras com a Obra-prima do Mestre, levando alguns incautos, politicamente correctos e sedentos de mostrar imparcialidade, por arrasto. Vimos isso durante o Mundial. Não é que Ronaldo não se tenha posto a jeito ou estivesse isento de culpas no cartório, mas não merecia ter sido o bombo da festa e vítima da maior tentativa de assassinato mediático de que um futebolista foi alvo em mais de 100 anos de futebol em Portugal. Após uma perseguição pidesca, inédita em 48 anos de democracia, em que cada seu esgar facial foi analisado até à exaustão, recorrendo-se até à leitura labial. E é isto, tão isto, o que fazemos a um dos nossos maiores de todos os tempos, o português mais conhecido no mundo. A quem exigimos fora do campo a perfeição que nenhum de nós tem, como se das suas imperfeições - e não das suas virtudes - bebessemos o nectar essencial para seguirmos em frente e assim justificarmos o nosso próprio congénito inconseguimento.
Posto isto, Portugal foi ontem a campo contra o Luxemburgo. Já se sabe que nestes jogos marcar cedo é fundamental. E o Ronaldo adiantou-nos no marcador. Parece fácil, não é(?), mas o nosso craque fez o mais difícil. A partir daí abriu-se o ketchup, para ele e para os outros. E foi bonito de ver o Bernardo marcar e assistir, o Felix concluir, o Palhinha nada deixar florir à sua volta e ainda ter tempo para meter um passe de 30 metros com GPS cujo destino final foi o golo. Depois, com espaço, entrou o Leão e pintou a manta, como se de uma palanca se tratasse, a todos envolvendo num turbilhão de velocidade e porte altivo. No final, foram meia-dúzia, que somados aos quatro com o Liechtenstein dão dez. Deixemos por isso o ar fresco para outras bandas - em Varsóvia as temperaturas são tão frias que um Czech-mate a mais ou a menos nem faz diferença - e constatemos o óbvio: após dois jogos disputados, Portugal já lidera isolado o seu grupo de qualificação para o Europeu. Ainda e sempre com Ronaldo.
Podium - Ouro: João Palhinha; Prata: Ronaldo; Bronze: Bernardo.
Pedro Azevedo
O Liechtenstein é um país minúsculo, tão mínimo que, se e a sua população inteira comprasse uma gamebox no José Alvalade ainda sobrariam 11.000 lugares de lotação do estádio para venda ao público em geral. Se o número de habitantes do Liechtenstein é pequeno para Alvalade, Ronaldo ainda é suficientemente grande para caber no Onze de Portugal. Como ontem ficou amplamente demonstrado, marcando dois golos e falhando outros tantos onde ainda assim o seu domínio nas alturas ou recepção imaculada da bola se destacaram dos demais. Nada mau, aos 38 anos de idade, para este Lawrence das Arábias português que aproveitou a oportunidade para bater o recorde mundial de internacionalizações por selecções (197) e reforçar o já por si detido máximo de golos (agora 120, 830 em toda a carreira). Portugal estreava Roberto Martinez, e este inaugurava a linha de 3 defesas. Com Inácio a ter a sua primeira internacionalização a jogar (e bem, com muita personalidade!) nessa linha pela esquerda, os laterais Cancelo e Guerreiro foram mais extremos no primeiro tempo e mais interiores no segundo. João Palhinha foi o polvo que tudo compensou no meio, Félix e Bernardo partiam das alas, com o jogador do Chelsea a frequentemente procurar espaços entre-linhas mais interiores e assim transformando o nosso bem conhecido (dos Sportinguistas) 3-4-3 num 3-5-2. Bruno Fernandes procurava a ligação com os jogadores do ataque. Apesar de ter marcado cedo, num remate às 3 tabelas de Cancelo cuja última carambola envolveu Ronaldo, Portugal deparou-se com um Liechtenstein somente interessado em perder por poucos. Por isso continuou fechado lá atrás, procurando não deixar espaços para que Portugal ligasse por dentro, obrigando-nos a circular em "U". Mas isso aconteceu na primeira parte, porque após o reatamento viu-se o dedo do treinador, com Guerreiro e, principalmente, Cancelo a jogarem por dentro e Félix e Bernardo a dissuadirem pelas alas. Não tardaria assim que Portugal voltasse a marcar, com Ronaldo a dar nova vida à metáfora do ketchup (agora dos golos de livre directo). Foram 15 minutos de futebol avassalador, com 3 golos (1 de Bernardo e 2 de Cristiano), muitas oportunidades desperdiçadas e Cancelo (mas também Palhinha) frequentemente envolvido na construção.
No final foram só quatro. Mas poderia ter sido uma dúzia, o que até viabilizaria um bom trocadilho - "va douze" - aplicado ao regresso dos jogadores do Liechtenstein à sua capital. Quanto a Roberto Martinez, Bob, para os ingleses, e Construtor de uma nova filosofia de jogo, para os portugueses, os primeiros sinais foram encorajadores, aproximando-o das opções do homem comum não-contaminado e assim escalonando de início o Inácio e o Palhinha, dois jogadores que pouca ou nenhuma atenção mereceram do pretérito (e mais galardoado de sempre) treinador nacional. Com Portugal entre a nobreza europeia, a um Principado seguir-se-á um Grão-Ducado (Luxemburgo), provavelmente já com Nuno Mendes no Onze.
Podium - Ouro: Cancelo; Prata: Palhinha; Bronze: Ronaldo.
P.S. Tenho algumas dúvidas sobre a eficácia da aposta de Danilo (mais tarde, também Palhinha) como central pela direita, afastando-o do centro do jogo, mais parecendo um peixe fora de água. Se por um lado a ideia parece ser não colidir o defesa com o espaço de intervenção do médio mais defensivo, dando a oportunidade de com bola e adversários fracos termos um duplo-pivô no meio, por outro seria mais natural que Danilo ocupasse um lugar central na defesa. Mas, provavelmente, com a entrada de Pepe, tal questão não se colocará no futuro, jogando Martinez com Rúben e Inácio como complemento ao central portista.
(O amarelo e o vermelho espanhóis presentes na indumentária de Bob)
Pedro Azevedo
Pote voltou a ficar de fora das opções de um seleccionador nacional. Diz-nos Roberto Martinez que a concorrência é muito forte e há um excesso de muito bons jogadores para as posições que Pote pode ocupar no relvado. Mas depois olhamos para o Vitinha, com zero golos e duas assistências na época, e não compreendemos o que levou Martinez a preferi-lo a Pote. Bem sei, a produção invisível em termos de números de Vitinha há muito que se tornou distintiva para uma nouvelle vague de comentadores e paineleiros que vê no jogador uma oportunidade de afirmar uma superioridade intelectual assente num seu pretenso olho clínico não alcançável pelo comum dos mortais. Em contraposição, eu, que sobre estas coisas tenho um olho mais cínico do que clínico, não escondo que o actual jogador do PSG cose bem o jogo e tem um tricotado interessante. Mas com ele a esta hora ainda estariam os marroquinos a bocejar à espera que Portugal lhes fizesse cócegas. Porque para um médio atacante de nível elevado a Vitinha falta assertividade no remate e mais aproximações à área, qualidades que não são dispiciendas na hora de enfrentar adversários muito mais fracos e que se prevê irem-se enclausurar em bunkers. Ora, facilidade de remate e chegada são exactamente algumas das qualidades de Pote, aliadas a uma apurada visão de jogo, aproveitamento do espaço livre entre-linhas e suprema inteligência. Todavia, é raro vê-lo dar um petardo. Pelo contrário, privilegia a colocação de bola. A força da técnica contra a técnica da força. Exactamente como Vitinha, mas com números (17 golos e 8 assistências esta temporada). Poder-se-á contudo argumentar que Vitinha pode jogar a 8. Mas também Bruno Fernandes o pode fazer, e tem golo. E, com outra intensidade, o Matheus Nunes e o Otávio o farão. Assim sendo, não se compreende o argumento de Roberto Martinez, a quem porém ainda dou o benefício da dúvida (e desejo sucesso). Não deixando também de notar que para os jogos com o Liechtenstein e Luxemburgo foram convocados poucos pontas de lança, perdendo-se a oportunidade de juntar ao grupo jogadores que nos podiam trazer coisas diferentes, como o outro Vitinha (Marselha) ou Beto (Udinese). E se o ex-Braga ainda está em fase de ambientação a novo clube e nova realidade, o que pode explicar a sua agora não inclusão, não se entende tão bem o motivo pelo qual um dos melhores marcadores da Serie A continua afastado dos trabalhos da Selecção. Voltando a Pote, o seu mal é não ser Cântaro. Se o fosse, tantas vezes iria à fonte até que lá deixaria uma asa. E ter asas, mostra-nos o histórico das convocatórias, é meio caminho andado para chegar lá. (Já outros, como o Bruno Fernandes, precisaram de realizar os 12 trabalhos de Hércules e ter uma indomável força mental, que a sucessiva rejeição deixa marcas, para finalmente a porta se abrir.)
Força, Pote!
Pedro Azevedo
Um Capote ("Cap"+Pote) = chapelada de Pedro Gonçalves em Inglaterra.
Pedro Azevedo
Desde que o Arsenal nos coube em sorteio que alguma coisa me dizia que iríamos passar. À primeira vista, tal pensamento seria puramente emocional, de um emocional nada confundível com o conceito de inteligência relacionado que Goleman, Boyatzis e McKee anunciaram ao mundo e, portanto, potencialmente néscio. Mas, à medida que ia descascando as camadas epidérmicas dessa emoção, ia descobrindo razões além da não-razão evidente, e assim acalentando o sonho. Que o Arsenal liderava (e lidera) o melhor campeonato do mundo era um facto conhecido de todos e razão suficiente para ponto final, parágrafo, a eliminação do Sporting estar entregue ao Criador. Mas depois havia o histórico favorável do Sporting contra equipas inglesas e a sensação de que tendo uma grande equipa - só uma máquina bem oleada poderia dominar uma Liga onde coexistem os gigantes do noroeste de Inglaterra (United, City e Liverpool) - e muito bons jogadores, não possuía aquele tipo de craques à escala planetária, ditos fora de série, capazes de só por si desequilibrarem um jogo renhido. Ou seja, via mais o Arsenal como uma equipa consistente do que de galácticos, e assim mais de Campeonato do que de Taça(s). Ainda assim, tudo teria de correr extraordinariamente bem para que tivessemos uma hipótese de discutir a eliminatória. E correu! Quer dizer, uma pessoa vive mais de 50 anos na esperança de que aquele chapéu do Pelé ao Viktor (Mundial de 70) finalmente entre na baliza checa e de repente vê o Pote de Ouro a fazê-lo com aquela inconsciência típica dos predestinados e fica sem fôlego. Aquilo foi o pináculo da perfeição, a Capela Sistina transposta para um campo de futebol, um traço de sagrado em algo que é iminentemente pagão. E, por isso, rimo-nos, esse sorriso reproduzindo uma faculdade só concedida entre todas as espécies aos humanos, quiçá também esse um rabisco de sagrado atribuído por Deus aos mortais e assim oferecido a nós, Sportinguistas, naquele preciso momento. A um golo que mais pareceu ter sido gerado no Céu teria de corresponder um Adán de nome bíblico e actuação imaculada, sem pecado original porque é de Redenção que aqui falamos. Dele e do Sporting, novamente a brilhar na Europa numa época em que domesticamente as coisas não têm estado a correr nada bem. Mas não foram só Pote e Adán a iluminar a noite londrina: St Juste, o nosso Flying Dutchman, tirou bilhete de primeiríssima classe e voou baixinho no Emirates, muitas vezes escapando aos radares ingleses; Diomande, qual veterano, fez soar os carrilhões de Mafra sobre os britânicos de cada vez que estes se abeiravam da nossa linha defensiva (a ele competiu o papel habitualmente desempenhado pelo capitão Coates) e Ugarte, bem, Ugarte foi o Atlas que transportou o mundo leonino às costas nos bons e maus momentos, organizando e procurando sempre jogar pelo chão, que não é por acaso que não há relva no Céu. Havendo justiça no futebol, o Sporting deveria ter ganho a eliminatória no tempo regulamentar. Mas tivemos de ir a prolongamento, onde a falta de profundidade e traquejo do nosso plantel se fez sentir um bocadinho. Sobrevivemos e fomos para penáltis. Aí ajudou bastante termos um guarda-redes que também é craque a jogar à moeda, primeiro escolhendo a baliza e depois a bola, pelo que seria perante os nossos adeptos que haveria de negar o golo a Martinelli, garantindo uma vitória entretanto alicerçada na destreza de 5 jogadores que apontaram certeiramente às redes. No fim, tudo acabou em bem. Foi um dia de glória para o Sporting e para a "leoninidade", neologismo à medida de um tempo em que é preciso agregar (o "aggiornamento") e empolgar a enorme maioria silenciosa de adeptos. Agora, há que aproveitar os ecos desta retumbante vitória e construir um edifício sólido europeu assente nesta primeira pedra. É essa a responsabilidade que herdamos, mostrando que a eliminação do Arsenal não foi um fogacho mas sim um meio para atingirmos um fim só por uma vez alcançado há 59 anos. Eu acredito!
Contra os Canhões (Gunners) marchar, marchar...
P.S. Enquanto não ganhamos a Liga Europa, vamos coleccionando candidatos ao Prémio Puskas. Depois de Nuno Santos e de Pote, no espaço de 4 dias, já só falta a FIFA escolher o terceiro golo a concurso. Fica então o hat-trick marcado para 2 de Abril, data em que receberemos o Santa Clara.
Tenor "Tudo ao molho...": Antonio Adán
Pedro Azevedo
Por vezes o futebol desafia a lógica, e é para esses momentos que vivemos enquanto adeptos. A nossa história já foi de hegemonia, mas num dado momento perdemo-nos no caminho. Tivemos de aceitar a derrota e procurar vencer novamente, insistir e perseverar. Não tem sido fácil, mas após cada soco atordoante temo-nos conseguido levantar e procurar o golpe vitorioso. Já ganhámos aos pontos, como em 20/21, hoje necessitamos de um KO. Não resolverá todo o futuro, mas dar-nos-á um suplemento de alma e crença no que está para vir. Força, Sporting!
Pedro Azevedo
Eu não entendo por que pessoas que escrevem sobre futebol procuram tanto repudiar a opinião dos outros sobre o jogo. A não ser que o seu interesse não seja escrever sobre futebol mas apenas usar o jogo como uma forma de aparecerem e assim parecerem relevantes. Ou para procurarem colectivizar o pensamento, e assim servir um qualquer interesse obscuro ou oculto. Porque, na verdade, no futebol não há verdades absolutas. Por isso é fascinante trocar opiniões com pessoas de diferentes faixas etárias ou condição social e daí retirar mais perspectiva e conhecimento. Antes de mais, o futebol é um jogo repetido muitas vezes. Daí a sensação de angústia que por vezes nos perpassa a ver um jogo, como se subitamente fôssemos invadidos por um sentimento de "dejá vue". No fundo, um jogo é a continuação de muitos jogos anteriores, uma representação do passado com cambiantes do presente introduzidas por actores que frequentemente fogem ao guião. (Se o futebol pertencesse só aos treinadores, os jogos repetir-se-iam de uma forma totalmente monótona, é a auto-determinação, o grito de liberdade dos futebolistas e por vezes o acaso que o projecta para algo mais do que o teatro clássico.) Sendo o futebol um espectáculo, ele só faz sentido com uma multidão a enquadrá-lo. É o público que justifica o jogador profissional e o sublima, não o seu contrário. E esse público é geralmente bastante inteligente, conhecedor e informado acerca do jogo, especialmente se liberto do fanatismo que por vezes lhe tolda as ideias. Essa inteligência à volta do jogo não deixa de ser intrigante, ainda que real e bem intuitiva, na medida em que indivíduos que fora dos estádios não revelam uma capacidade intelectual elevada são capazes de mostrar sabedoria ao analisar as tácticas, a disposição das equipas em campo e do que uma equipa está a precisar num dado momento do tempo. Por isso, ao mesmo tempo que fico entusiasmado com essa inteligência, fico aborrecido com a ignorância daqueles que desprezam essa inteligência e a remetem para o pejorativo "treinadores de bancada", como se as convicções de alguém abalassem as certezas de outrém e isso lhes causasse medo. (A inteligência deve ser vivida e partilhada, não reprimida.) Eu gosto muito de futebol. Mas não me esqueço de que é um jogo, um jogo onde a bola é uma marionete, ou talvez o boneco do ventríloquo, e o jogador, se for bom e mostrar perícia, é o Master Puppeteer, a puxar os cordelinhos. Não espero nem mais nem menos do jogo. No fim, voltaremos para os nossos trabalhos, as nossas famílias, os nossos amigos, mas teremos sempre uma próxima repetição desse teatro de identidade a que chamamos futebol, onde encontraremos, uma e outra vez, a nossa tribo e aqueles por quem o nosso coração bate, numa osmose que se pretende perfeita entre o apolíneo e o dionísico, entre a perfeição que pedimos aos jogadores e os cânticos e murmúrios que emanam das bancadas. Por que razão deveria o jogo ser um espaço de confronto entre os nossos, se em tudo ele é essencialmente uma comunhão?
(*) Inspirado por textos de Galeano e Critchley
Pedro Azevedo
A infeliz polémica que estalou entre Nelson Évora e Pablo Pichardo dá-nos conta de um país pequenino. Tão pequenino que não consegue albergar em simultâneo dois grandes campeões. O ouro, tão brilhantemente conquistado em duras competições que empolgaram uma Nação, constará do espólio de medalhas de cada um. Mas há um outro ouro que infelizmente ambos insistem em alienar, o que equivale ao valor do silêncio, assim se vulgarizando num bate-boca que é objectivamente um loose-loose. Porque quem vive no Olimpo dos deuses tem de estar acima de questiúnculas mundanas, caso contrário arrisca-se a (triplo-)saltar de lá como o Hefesto.
Pedro Azevedo
Uma letra vale mais do que mil palavras...
Nos últimos anos surgiu uma corrente de pensadores universitários, logo seguida por um movimento de treinadores, que pretendeu afirmar o futebol como uma ciência. Quem não se lembra, por exemplo, do Mestre da Táctica e das suas jactantes elucubrações baseadas no denodado trabalho de investigação do Professor Manuel Sérgio? Mas é indubitavelmente como arte que o futebol se reconcilia com o espectador e este com o jogo. Porque mesmo numa era em que ao marketing é requerido que envelope a assistência a um jogo como uma experiência, ninguém que se desloque a um estádio está à espera que essa experiência envolva pipetas, tubos de ensaio ou o azul de tornassol. [Exceptuando o Luis Filipe Vieira, que acusou azul no papel tornassol quando exposto a condições básicas (Alverca) e depois mudou para vermelho (Benfica) e ficou com uma certa acidez.] E até os incendiários, que também os há infelizmente nos campos de futebol, optam pelo very-light ou petardo antes de se comoverem com a chamazinha que emana do Bico de Bunsen.
Se é o futebol-arte que nos anima a alma, ninguém que tenha visto a recepção do Sporting ao Boavista pode ter dado o seu tempo como mal-empregue. E a razão principal tem um nome: Nuno Santos. O destaque dado ao Nuno é curioso, porque aqui e noutros fora tanto lhe tem sido gabado o empenho e concentração competitiva como reclamada a falta de criatividade. Mas uma coisa é a técnica, que o Nuno tem de sobra, outra a habilidade específica no 1x1 (o drible), que não é a especialidade do nosso jogador. Embora a base de um bom jogador seja a recepção, o passe e o remate, por vezes a revienga, o engano, salta mais à vista. Mas são mais olhos que barriga. A verdade é que a técnica também pode ser criativa, e o Nuno ontem provou-o abundantemente. Candidato ao Prémio Puskas, o seu remate de letra foi arte pura, pelo que de uma certa forma o jogo terminou aí, as suas restantes ocorrências, do mesmo modo que a hora ou o local onde foi disputado, apenas servindo para enquadrar esse glorioso momento que tanto prestigiou (justificou?) o futebol. E como a esmerada expressão artística é também uma sublime forma de inteligência, a execução do Nuno mostrou uma inteligência prática. Porque, se o futebol é tempo e espaço, o nosso ala esquerdo poupou o tempo que demoraria a puxar a bola para a sua canhota e aproveitou o pouco espaço disponível com aquele toque de magia. Depois de há uns tempos atrás já nos ter deliciado com uma assistência para golo executada com igual perícia. Inspirado, ainda lhe saiu uma trivela na direcção da baliza, mas os deuses devem ter achado que já era de mais - além do golo épico, adicione-se uma assistência para... autogolo - e fizeram subir ligeiramente a bola.
Gostei bastante da atitude do Sporting durante todo o tempo. O resultado só não foi superior porque continuamos a falhar nos detalhes, especialmente na precisão dos cruzamentos e no timing de soltar a bola por parte dos médios, que por vezes engasgam desnecessariamente o jogo. Apesar de algumas limitações técnicas, estou convencido de que temos um grande ponta de lança em construção em Alvalade. O Chermiti dá apoios frontais, como no lance do primeiro golo, procura a profundidade, desloca-se lateralmente, pressiona alto, nunca está parado. E arrasa uma defesa com as suas movimentações, abrindo espaços para os colegas. O nosso jogo torna-se muito mais fluido, alegre e produtivo. Só lhe faltam mais golos para ser o "Cherminator". Ah, e o Paulinho marcou. Pelo terceiro jogo consecutivo, provando-se que a concorrência é um bem em qualquer actividade. E quem o serviu, quem foi? O Esgaio. Terá sido a revolta dos "patinhos feios"? Ainda vamos a tempo de os ver como cisnes? Que continuem, que por mim está bem assim!
Tal como o Herman, parodiando o Baptista Bastos a propósito do 25 de Abril, no futuro muitos Sportinguistas entre si perguntar-se-ão onde estavam no dia em que o Nuno Santos fez "aquela" obra de arte.
Tenor "Tudo ao molho...": Nuno Santos. Who else? Edwards e Ugarte continuam em grande nível. Coates está a subir de forma. Diomande impressiona no passe e condução de bola. Israel revelou atenção entre os postes e bom jogo de pés.
P.S. No dia da obra prima do Mestre, a prima do mestre-de-obras que é a "apitagem" portuguesa voltou a pintar... a manta. De negro. Penálti claro por marcar sobre Trincão.
Pedro Azevedo
O Record dá hoje à estampa que Saint Juste atingiu a velocidade máxima de 37,7 Km/h durante o longo sprint que lhe permitiu tirar o pão da boca a Gabriel Martinelli. Para terem uma ideia de valor, se convertermos os 37,7 Km/h em metros por segundo, obteremos 10,472 m/s. Ou seja, se o Saint Juste corresse os 100 metros à velocidade constante de 37,7 Km/h, tal significaria que completaria a distância em 9,55 segundos, abaixo do actual recorde mundial (Usain Bolt; 9,58s). Bem sei, neste cálculo adoptámos a velocidade máxima atingida como uma constante e não incluímos o tempo de inércia de reacção nos blocos (os sprinters geralmente só atingem o pico de velocidade entre os 50m e os 60m), mas já dá para ficarem com uma ideia da rapidez d'O Expresso de Groningen. A fazer lembrar o nosso Francis Obikwelu, medalhado olímpico.
PS: Aquando do seu recorde mundial, Bolt atingiu uma velocidade máxima de cerca de 44 Km/h. Considerando um tempo de reacção ao tiro de partida proporcionalmente superior ao de Bolt, e o jamaicano era particularmente lento nesse item, Saint Juste faria no mínimo um tempo de 11,18s nos 100 metros (em relva e não tartan, e com chuteiras), ainda assim uma marca da qual só a elite do hectómetro se pode orgulhar (p.e. um amador praticante regular de corrida atinge uma velocidade máxima de 24 Km/h).
Pedro Azevedo
O Johan Cruijff, que sabia uma coisa ou outra sobre o jogo e não consta que tivesse uma doença oftalmológica, costumava dizer que nunca tinha visto um saco de dinheiro ganhar uma partida de futebol. Produto das escolas do Ajax, ele havia visto crescer uma equipa da formação do clube que para os obcecados do Transfermarket não teria qualquer hipótese na Europa. Porque o país não tinha história no futebol mundial, e assim a cotação dos miúdos era perto de zero. Até que a equipa se mostrou ao continente, marcando desportivamente a década de 70 e influenciando as décadas futuras. Ora, por falar em décadas, é "décadente" tanto se ouvir falar de orçamentos. Na antevisão do jogo, na televisão ou rádio, todo o papagaio falava que o plantel do Arsenal valia 3 ou 4 vezes mais do que o do Sporting. Evidentemente, isso não levava em linha de conta que no futebol inglês as cotações estão muito inflacionadas, daí a progressão geometrica que se verifica na cotação dos nossos quando se começa a falar em transferências para Inglaterra. Em todo o caso, o assunto era dado como encerrado: o Sporting estava condenado, faltando saber por quantos golos perderia. Custa a crer como nos demos ao trabalho de ir a jogo...
Bom, mas isto aconteceu antes do jogo. Ou foi o pré-jogo, o jogo falado, aquele que precede o jogo propriamente dito e serve como barómetro da mentalidade do nosso clube e dos nossos adeptos. Porque, depois, olhos nos olhos e equipa adversária bem estudada, o Sporting teve tudo para ganhar. Bastaria para tal que o Paulinho tivesse marcado o terceiro e o Morita não fosse alvo de uma carambola provavelmente concebida nas trevas. Sim, esse minuto 62 marcou a transição entre a ilusão de tocar no céu e a ameaça de descida ao inferno. Ficámos então pelo purgatório, o que é um meio termo. Até à próxima quinta-feira, o que apesar de tudo é um prazo razoável para uma vida estar em suspenso.
Quanto ao jogo jogado, o elevador de St Juste esteve sempre lá em cima, foi o melhor em campo. O meio campo aguentou-se como pôde, e se não pôde mais foi porque o plantel não tem jogadores que ofereçam garantias ao treinador nesse sector do campo para poderem entrar a substituir os titulares. Edwards impressionou enquanto teve pilhas, constando na ficha dos nossos dois golos, e o Trincão voltou à sua irrelevância. O Paulinho marcou um golo de oportunidade, mas falhou outro cantado, isolado perante o guarda-redes. Tive pena de não ver o Chermiti mais cedo em campo, mas, como o Transfermarket só lhe atribui 3 milhões de euros de valor, os nosso adeptos devem ter ficado aliviados por lhes terem poupado a humilhação de o mostrar muito tempo àqueles colossos bem-valorizados que o Arsenal aqui mostrou. Uma palavra para o Matheus Reis, que condicionou bem o Saka. E outra para o Inácio, com os cumprimentos ao Fernando Santos (parece que já o estou a ver a marcar por Portugal à Polónia...).
O Arteta não ponha o Odegaard e o Trossard, não, e vamos ver a surpresa que a segunda mão lhe reservará. Enquanto houver vida, haverá esperança. E Transfermarket, respirem fundo os negacionistas (da história do clube) do costume. (Os nossos jogadores acreditam, e serão eles que irão a jogo.)
P.S.1: O Diomande jogou com a mesma naturalidade com o Arsenal e o Portimonense, não se intimidou com nomes. Aí está o exemplo de alguém que não é puxa-saco (de dinheiro)...
P.S.2: O Maguire custou quase 100 milhões de euros ao Manchester United e eu não trocaria uma perna do Gonçalo Inácio por ele.
Tenor "Tudo ao molho...": St Juste
Pedro Azevedo
Hoje há jogo grande em Alvalade, um daqueles desafios que fazem justiça à história do nosso clube. O Sporting nasceu para isto, para os grandes palcos, os duelos de suster a respiração, o medir forças com os maiores da Europa. Não será fácil, obviamente, mas a ambição expressa no lema do nosso fundador tem de estar lá, razão pela qual nada devemos temer.
Este Arsenal faz muito lembrar o nosso Sporting de 2020/21. Na Premier League é o "underdog", mas não se tem dado nada mal. Assim, lidera um campeonato onde tem como contendores os 2 gigantes do noroeste inglês, Manchester United e Liverpool, um dos principais novos-ricos do futebol mundial, o Manchester City, e os rivais londrinos, Chelsea e Tottenham. O segredo do seu sucesso está na sociedade das nações que se estabeleceu a meio campo entre o músculo de Partey, o cérebro de Xhaka e a criatividade de Odegaard, uma parceria em que o ganês faz com que todos à sua volta sejam melhores, o suiço traz intensidade e caixa de rirmos e o norueguês encontrou o habitat certo para quem é um mestre em descobrir espaço entre-linhas por onde solta o génio da sua lâmpada. Um caso paradigmático da máxima de que o todo é superior à soma das individualidades, três jogadores que estavam a ficar aquém do talento que cedo lhes apontaram mas ligaram instantaneamente nos "Gunners" (canhões). Não se pense, porém, que o Arsenal se fica por aí. Não, a equipa torna-se especialmente perigosa quando a bola chega aos pés de Saka, um ala imprevisível, veloz, habilidoso e com golo. Também as movimentações radiais de Trossard são temíveis, assim como o vai-vem constante de Martinelli no corredor. (Do meio campo para a frente, esta é a melhor equipa do Arsenal, mas com a luta na Premier ao rubro é possível que haja alguma gestão do plantel.)
Para vencer o Arsenal, o Sporting tem de ter bola. Apesar de fazer falta no ataque, a eventual inclusão de Pote no meio campo permitir-lhe-á estabelecer um dueto central de jogadores cerebrais com Morita, reforçando a inteligência do nosso jogo. A chave estará aí, na conjugação da leitura de jogo dos nossos médios com a fogosidade dos alas Nuno Santos e Bellerin. A forma como se conseguirem articular, com e sem bola, será determinante no desfecho da partida, num jogo onde os interiores terão necessariamente de fechar os flancos. Assim, não podendo deixar de contar com os desequilíbrios de Edwards, é possível que Rúben Amorim venha a incluir Arthur no Onze devido ao seu maior compromisso defensivo. E, num jogo onde teremos de estar permanentemente ligados à electricidade e dar tudo, a energia contagiante de Chermiti poderá ser determinante, pelo que talvez Amorim aposte na sua titularidade.
Força, Sporting!!!
Pedro Azevedo
Estreio esta nova rúbrica para Vos falar de uma história de encantar que está a ocorrer em França. E o protagonista não é o novo-rico Paris Saint Germain mas sim o velho nobre Stade de Reims, finalista da Taça dos Campeões Europeus em 1956 e 1959 (3-4 e 0-2, respectivamente, sempre contra o Real Madrid) e seis vezes vencedor do campeonato gaulês entre 1949 e 1962. Pelo clube fundado por Melchior de Polignac, um marquês que financiou a construção do edifício-sede, outrora passaram grandes jogadores como Jean Vincent, Roger Piantoni ou Just Fontaine (recordista de golos numa fase final de um campeonato do mundo, Suécia 58). Mas o jogador mais emblemático da história do clube ainda é Raymond Kopa, que jogou as duas referidas finais europeias, curiosamente uma por cada clube (Reims em 56, Real em 59). Desde os anos 60 afastado dos grandes títulos, o Reims tem protagonizado esta temporada um ressurgimento espectacular. Depois de um início titubeante em que o espectro de despromoção esteve mesmo em cima da mesa, o clube decidiu trocar o espanhol Oscar Garcia por um inexperiente belga, Will Still, de 30 anos, que nunca havia sido treinador principal na sua ainda curta carreira. E a realidade é que, 16 jogos depois, o Reims continua invicto para o campeonato, fruto de 8 vitórias e 8 empates, prolongando uma série de 18 jogos sem perder iniciada ainda pelo antigo treinador (2 empates antes de Still ter pegado na equipa), forma recente que lhe daria o terceiro lugar, a apenas 1 ponto do Marselha e a 3 do PSG, se considerassemos só a última quinzena de jogos disputados já com Still ao leme. Uma história para continuar a seguir com interesse, não só pelo regresso do Stade Reims à ribalta como também pela ascensão meteórica do Nagelsmann belga que o dirige no campo.
Pedro Azevedo
Hoje cumprem-se 10 anos desde a morte de João Rocha, o meu Presidente, o visionário que encontrou no ecletismo a forma de o Sporting não perder relevância no panorama nacional. A ele devemos equipas magníficas em diversas modalidades colectivas, do andebol ao basquetebol, com especial destaque para o Cinco de Ouro do hóquei em patins português e mundial. Foi também com ele que o Sporting cresceu exponencialmente em número de sócios, facto umbilicalmente ligado às apostas na prática de ginástica e natação no clube. Sob a sua liderança, e com a ajuda do trabalho de ourives de Mário Moniz Pereira, o desporto nacional viu nascer duas gerações magníficas no atletismo, com especial destaque para o primeiro medalhado de ouro olímpico, Carlos Lopes, e para o recordista mundial, Fernando Mamede, sem esquecer os olímpicos Jose Carvalho, Domingos e Dionísio Castro, Ezequiel Canário e Aniceto Simoes, ou históricos muiti-campeões nacionais como Raposo Borges, Adilia Silvério ou Conceição Alves, entre muitos outros. Também com ele o Sporting esteve presente no mítico Tour de France, que infelizmente já não contou com Joaquim Agostinho como chefe de fila devido ao trágico acidente ocorrido nesse mesmo ano no Algarve. A sua presidência coincide com o melhor período de diversas modalidades, mas também no futebol a sua presença foi relevante, tendo conquistado 3 campeonatos nacionais, 3 Taças de Portugal e 1 Supertaça, além de ter impulsionado a aposta na formação de novos talentos. Aliás, no futebol, o seu palmares só é superado por outro presidente, Ribeiro Ferreira, ele sim o mais titulado, de sempre, com 6 campeonatos nacionais, 2 Taças de Portugal e 2 então relevantes Campeonatos de Lisboa, tudo isto em apenas 7 anos (ainda não havia sido criada a Supertaça e a Taça nesse período não foi disputada em 2 anos). Aqui fica a minha eterna saudade. Do presidente e do homem muito à frente do seu tempo. Mas também do ambiente que se vivia em Alvalade e nas deslocações aos campos dos nossos adversários. Obrigado, João Rocha. E que falta faz a sua voz assertiva e informada, ele que até à data da sua morte foi um senador sempre avidamente escutado por todos os Sportinguistas nas poucas ocasiões em que tomou a decisão de interromper os seus prolongados silêncios.
Pedro Azevedo
O estado de crispação e de desesperança a que chegou a nossa sociedade é intolerável. E a responsabilidade é toda nossa, cada um contribuindo com o seu quinhão para esta triste realidade. Uns por vocação maniqueísta, outros por inacção e um silêncio tolhido de medo, alguns pela irresponsabilidade, muitos movidos pelo interesse. É por isso difícil nomear uma única razão que justifique o status-quo. Nas sociedades sempre conviveram situacionistas, reformistas e revolucionários. Se dependesemos dos primeiros, ainda viveríamos em ditadura. Mas se entregassemos o nosso destino aos terceiros, passaríamos o tempo a reconstruir, com todos os danos colaterais que a sociedade saída de Abril abundantemente ilustra. Pelo que o barómetro de um país se mede pela capacidade dos reformistas de alterar o sistema por dentro. E onde estão esses reformistas, presentemente? Provavelmente submersos por um aparelho judicial que não funciona bem e não protege devidamente as pessoas do bem, por oportunidades que são cirurgicamente entregues a yes-men que não se afastem de uma determinada linha condutora, por uma audiência que os ignora, privilegiando os soundbites inflamados para os telejornais, nos facebooks e demais redes sociais em detrimento da opinião razoável, moderada e construtiva. Isto que se aplica para o país, repassa também para o nosso Sporting.
No Sporting actual, e quando digo actual refiro-me às últimas décadas, abundam os maniqueístas, gente que vê o mundo a preto e branco e não observa prioritariamente o que deveria ser o predominante verde. Há também os interesses que se movem de forma mais ou menos óbvia, desde o director do jornal que acredita que terá melhor fontes de informação que ajudem a vender se alinhar a sua opinião com a de quem dirige o clube até aos marginais infiltrados nas claques que não querem perder os seus negócios mais ou menos clandestinos. Depois, existem também os irresponsáveis, os pirómanos e fomentadores de ódio, cuja vaidade os faz despudoradamente procurar escaranfunchar a ferida em busca de uma maior audiência da opinião publicada. Finalmente, há uma enorme maioria silenciosa que se afastou do estádio e do clube, perdeu paixão e compromisso. São pessoas a quem a histeria agride, que têm a paz como um bem inalienável e a sua segurança como prioridade e movem-se pelo amor e não pelo ódio às coisas. Ninguém actualmente comunica para estas pessoas, e não há presentemente soluções para as suas necessidades. Porque se a comunicação não vem de dentro, do coração, não cria um eleo identificador entre os homens e as mulheres de boa-vontade. Se a comunicação apenas visa defender o poder, só um estranho alinhamento de estrelas faria com que tal fosse conjugável com o interesse colectivo, o superior interesse do Sporting. Que deveria ser também o dos Sportinguistas, mas infelizmente não é, desde logo por haver Sportinguistas a achar que o Sporting muito lhes deve e, por conseguinte, a sobreporem-se ao clube, ou a justapor o seu interesse pessoal e agenda mais ou menos oculta ao interesse colectivo.
Como referi em cima, não há uma só razão que justifique termos chegado aqui, a esta encruzilhada. Assim, não tenho um diagnóstico preciso para a situação presente. Mas sei que se quisermos sair daqui só poderá haver uma solução. E essa solução será passarmos a mover-nos pelo amor às coisas, no caso o amor à causa, ao Sportinguismo, que crie uma cultura corporativa que isole comportamentos nocivos em sociedade e nos una em prol de um bem comum. Por isso, exorto o actual Conselho Directivo a preocupar-se com a próxima geração e não com a próxima eleição. Dando o exemplo e encorajando a enorme massa silenciosa a segui-lo. As pessoas precisam de bons exemplos, e necessitam de quem as lidere por esse caminho. Só assim teremos a nossa causa, só assim não perderemos a nossa relevância desportiva e social.
Pedro Azevedo
Já Vos tinha dito aqui que o futebol não é uma ciência exacta como a matemática. Ainda assim, a matemática pode ajudar-nos a explicar o futebol e, mais concretamente, o que aconteceu ontem ao fim da tarde em Portimão. Imaginem uma distribuição normal como uma função probabilística caracterizada por uma média e um desvio-padrão. Essa distribuição representa uma amostra, a qual é composta por n observações. Se tivermos muitas observações concentradas no mesmo valor, a média andará muito perto desse valor e as caudas da distribuição serão muito finas ou quase inexistentes. A esse achatamento da distribuição normal dá-se o nome de curtose platicúrtica. Agora peguemos no caso concreto de Paulinho. Antes desta jornada, para o campeonato, o Paulinho tinha apenas dois golos marcados, o que se traduzia matematicamente numa esmagadora quantidade de observações em branco. Assim, a probabilidade de marcar em Portimão era muito baixa, porque o desvio-padrão, a medida de dispersão de dados das observações face à média, era também muito baixo. Mesmo que em cada Sportinguista não exista um Pedro Nunes e que o conceito de distribuição normal possa não estar interiorizado por todos, há um senso comum nos seres humanos que deriva do conhecimento das suas experiências passadas. Ainda que superficial, esse pensamento tem o seu quê de probabilístico, logo matemático. Só que, como iniciei esta crónica, o futebol não é uma ciência exacta. E Portimão foi o cenário ideal para o provar. Com esmero, ou o nosso melhor goleador não tivesse falhado golos em barda e o seu recúo para o meio campo coincidido com o momento do nosso golo. Mais, esse golo - e que golo! - foi apontado por Paulinho. Ou seja, o Sporting ganhou com Pote no meio campo (e foi ele a assistir para o momento do jogo) e Paulinho a marcar um golo à ponta de lança na única oportunidade que teve para o fazer, tudo ao contrário das observações que os adeptos leoninos tinham em mente. Enfim, poder-se-á tão somente dizer que aconteceu futebol, sendo aqui futebol algo comparável à magia, a um sortilégio que nos transporta para lá da racionalidade e/ou compreensão. O que não quer dizer que no futuro não possa ser explicado matematicamente. Nesse sentido, o desafio de Paulinho será tornar a distribuição dos seus golos menos achatada em torno do zero de média e, por conseguinte, menos chata. Para ele e para nós.
Tenor "Tudo ao molho...": Paulinho
P.S.1. Uma palavra para Rúben Amorim, que foi um senhor em todas as intervenções que teve depois do jogo, nunca procurando o revanchismo após as criticas de que foi alvo pela utilização recente de Pote no meio campo e de Paulinho como ponta de lança. Ele sabe que as razões do Sporting são mais importantes do que as suas pontuais razões. Chapeau!
P.S.2. O Chermiti traz ao jogo do Sporting uma capacidade de luta extraordinária. Ontem foi quase sempre mal servido, mas nunca desistiu de uma bola.
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