Até um dia
Pedro Azevedo
O Sporting é o meu grande amor fora da esfera familiar, mas, tal como alguns amores que são tóxicos, chega a altura em que o afastamento é a melhor solução. O amor continuará a estar lá, mas não poderei mais pactuar com quem não partilha dos mesmos valores.
A decisão da administração da SAD de aumentar os seus salários, quando sabemos que Matheus foi vendido para "pagar coisas básicas" (Amorim dixit), não é só uma decisão economicamente (e desportivamente) contestável. Ela, principalmente, enferma de um flagrante conflito de interesses, na medida em que os seus proponentes são também os seus principais beneficiários. Proponentes que pegaram no voto do Sporting Clube de Portugal e tomaram-no a favor da sua proposta, sem prévia consulta aos associados. Errado do ponto de vista da higiene democrática e atentatório das regras de boa governance, nomeadamente no que concerne à prevenção de conflito de interesses.
O Sporting entrou-me pelo ouvido, numa onda média (rádio), em criança, mas rapidamente virou um tsunami aquando da minha aparição em Alvalade. Tinha oito anos de idade. Todavia, nunca esquecendo a origem das coisas, foi mais tarde, com outra consciência, já adolescente, que me revi totalmente no clube, nos seus princípios e valores. E é a presente ausência de correspondência entre estes e os meus que me leva a dizer até já a este compagnon de route de uma vida (fiz-me sócio em 1980, com o dinheiro das minhas mesadas), algo que aliás já se vinha progressivamente materializando.
O amor nunca acabará e o Sporting estará sempre no meu coração. Mas será sempre o meu Sporting, uma ilha na lua como diria o Rimbaud. Não este, que vende gato em palavras por lebre em acções e já não compagina com a diferenciação que eu tanto estimava. Tanto que pouco ou nada me interessa o que outros clubes façam nesta matéria, porque nós sempre nos afirmámos como diferentes. E, se não somos, não contem comigo para bater palmas. Como não quero contribuir para a verborreia que sinto irá crescer nos próximos tempos, permanecerei em silêncio. Voltarei no dia em que o Sporting coincida de novo com o meu Sporting. Até lá!
PS1: Em 2018, com as listas de candidaturas ao Sporting já entregues, elaborei um plano estratégico para o clube, definindo aí 3 pilares fundamentais. Ofereci-o a todos os candidatos e a todos os Sportinguistas que se quisessem rever nele. Cheguei até, em tempo de calamidade, a pensar em ter um papel mais actuante, naquilo que pode ser considerado um momentâneo lapso de razão do qual muito me penetencio,. Esse documento dava particular ênfase a regras de boa governação, que continuam arredias ao clube. Assim sendo, entendo não haver interesse do mesmo em se tornar mais transparente e em conformidade com as melhores práticas de gestão. Deste modo, o meu afastamento fica plenamente justificado.
PS2: Pedindo desde já desculpa pela omissão inicial que justifica esta tardia adenda, gostaria de deixar aqui o meu profundo agradecimento aos Sportinguistas e adeptos do desporto em geral que ao longo destes anos por aqui passaram, com o meu reconhecimento por sempre terem respeitado este espaço, concordando ou discordando das opiniões expressas pelo autor, enobrecendo-o pela riqueza de argumentos e urbanidade usada nos seus comentários. A todos desejo as maiores realizações no plano pessoal e profissional. Bem-hajam!
PS3: A confirmar-se a presença massiva de benfiquistas em lugares de bancada de exclusiva atribuição a sócios e adeptos Sportinguistas, mesmo considerando questões ponderosas de constrangimento financeiro dos seus habituais titulares, tal terá de ser encarado como muito triste e preocupante. O que nos deveria remeter para a origem ("Genesis") do nosso amor ao clube. Por falar nisso, os Genesis tiveram um álbum chamado Selling England by the Pound. Estaremos nós na iminência de vender a alma por um punhado de euros?
P.S.4. Para lerem sobre futebol puro e duro, podem consultar o meu novo blogue "A Poesia do Drible": apoesiadodrible.blogs.sapo.pt