Tudo ao molho e fé em Deus
Levantados do chão (com molas)
Pedro Azevedo
Quem me lê há algum tempo sabe que a minha primeira recordação do Sporting é de um jogo no José Alvalade contra o Oriental que ganhámos por 8-0 (5-0 ao intervalo), em que o Yazalde (meu primeiro ídolo) marcou 5 golos a um guarda-redes da equipa de Marvila chamado Azevedo (sim, por coincidências da vida, houve um homónimo a encaixar oito bolas associado à minha primeira memória futebolística e do Sporting). Esse jogo vivi-o pela telefonia, que ainda não tinha idade para ir ao futebol, pelo que o que começou numa onda média (da rádio) só se transformou verdadeiramente num tsunami (de emoções) quando entrei no nosso estádio pela primeira vez (5-1 ao Porto, época de 75/76). Pois bem, quis o sortilégio que ontem, data do meu aniversário, o Sporting me brindasse com um presente de dimensão em tudo igual à do supracitado jogo de 73/74, evocando-me, 50 anos depois, a memória dessa onda (verde) em crescendo. Uma obra também do Gyokerismo, a doutrina que o sueco trouxe para Portugal e que a todos no Sporting parece estar a tomar de encantamento.
Se existe o paradigma de um novo normal em Alvalade que se pode associar a Gyokeres, outras coisas há que são cíclicas. Como o central de lança Coates, o nosso capitão, que ontem reapareceu para desbloquear o marcador e tornar fácil aquilo que de outro modo poderia ter-se complicado. Aberta a rolha do champagne, no refluxo o Pote recebeu um passe de ruptura (magnífico) do Inácio, isolou-se na meia esquerda e serviu em bandeja de prata o Gyokeres para o segundo. Depois, o Hjulmand desmarcou o Pote e este deu uma raquetada na bola que passou o guarda-redes. Seguiu-se um momento de Gyokeres que fez lembrar uma jogada do Eusébio contra a Coreia do Norte, tal a demonstração de técnica, força e velocidade. Como no Mundial de 66, a coisa acabou em penálti, que convertido (pois claro!) pelo próprio daria o quarto da noite. Destaque para o túnel prévio escavado por Nuno Santos que fez desabar por completo as pretensões dos Gansos. E antes do intervalo ainda houve mais um golo, com o Trincão a mostrar que estes são como o ketchup e a chutar com o pé mais à mão (o direito), depois do Edwards ter fintado dois dentro de uma cabine telefónica antes de chocar com a porta de saída.
Com cinco golos de vantagem, terá havido quem pensasse que no segundo tempo o Sporting tiraria o pé do acelerador. Mas não, a equipa queria vingar a derrota na Taça da Liga e emitir um "statement" destinado à concorrência, pelo que não abrandou. (Não sei se o Amorim será milagreiro, mas não se via uma recuperação assim desde que Jesus ordenou a Lázaro que se levantasse e andasse.)
Levantado do chão, com molas, o Sporting continuou a procurar a baliza do Casa Pia. Nesse sentido, o Geny entrou para alargar a margem. Sábio, o Rúben lançou também o Paulinho. Mas aí o motivo foi a contenção dos danos infligidos aos casapianos, que o Coates e o Trincão estavam imparáveis e era preciso evitar a todo o custo que o Sporting atingisse o duplo digito e com isso ficasse na lua e pudesse não voltar a assentar os pés em terra firme. A missão era difícil, desde logo porque o Gyokeres fumegava que nem um touro enraivecido e não parava de correr. A solução foi começar a lançar o Paulinho em profundidade ou solicitar a sua comparência ao primeiro poste para encostar, tudo coisas que no fundo não favorecem o seu associativismo. Pelo que a custo lá ficámos nos 8, o número da sorte para os chineses, o infinito ali de lado, que de infinitas possibilidades se fazem os sonhos em que tudo é possível.
Tenor "Tudo ao molho...": Viktor Gyokeres