Tudo ao molho e fé em Ronaldo
Remar, REMAX (aos Chutos&Pontapés)
Pedro Azevedo
Sabemos que o mundo é um lugar estranho quando, em pleno "Century 21", Portugal vai a Split jogar contra a equipa da REMAX (Hrvatska, em croata). É a força da globalização e suas tendências, ainda que paradoxalmente as pessoas andem bastante mais separadas ("Split", na língua global) umas das outras, entretidas a brincar às casinhas.
Portugal entrou com tudo, com João Neves a marcar o ritmo, Vitinha a esconder a bola, Tomás Araújo imperial com e sem bola e Nuno Mendes omnipresente como central pela esquerda, lateral ofensivo e extremo canhoto. Só o Rafael não apareceu no seu melhor, no caso em versão emplastro Leão, o que rima com trapalhão (só na definição). O céu parecia ser o limite, o que até é, curiosamente, um slogan caro aos da REMAX, mas muita parra produziu pouca uva e ao intervalo vencíamos por apenas 1 golo de diferença, cortesia de João Félix e de um daqueles seus detalhes de génio da lâmpada que um dia (sebastianismo puro luso) lhe valeram uma transferência de 120 milhões. O problema do João é que o seu perfume requintado coabita num frasco de 25ml, esgota-se em pouco tempo. (Para quem vê o futebol como arte, o delicado entrelaçar de jogo que nasce no seu cognito e logo floresce nos seus pés capta a atenção como se de uma bela e complexa peça de filigrana se tratasse. Não é só o que se vê, é muito também o que se sente: o som perfeito que a bola emite quando por ele impelida, o perfume requintado derramado no acto, a intenção que quase conseguimos tocar latente em cada sua acção, a água que nos cresce na boca como que a pedir sempre mais. Tudo isto nos acontece porque Félix é um dos raros futebolistas que nos despertam os cinco sentidos. Porém, e apesar de todos os predicados, a carreira de Félix tem ficado aquém. Porque não só de talento se faz um caminho, é preciso trabalho, consistência e atitude mental. E é especialmente nesta última que as coisas falham.)
Depois de uma muito boa primeira parte, na segunda perdemos a objectividade: escondermos a bola passou a ser a meta, ao invés de continuarmos a procurar o golo. Foi assim um tempo de espera: esperámos pela REMAX e esperámos por Godot. É normal em Portugal se esperar por Godot, os portugueses estão habituados a esperar e suspirar até por aquilo que nunca vem. Talvez por isso não reajam bem a quem entrega o que promete, gente como o Cristiano Ronaldo e assim, que como tal nem sempre é bem-vista ou bem-quista. No dia, o nosso Godot chamava-se Quenda, Geovany Quenda, e não havia noticiário prévio ao jogo que não anunciasse a sua estreia oficial pela Selecção, estreia essa que bateria o recorde de precocidade pertencente a Paulo Futre. O problema é que, tal como na peça de Beckett, o Quenda nunca chegou. Na antecâmara do jogo haviam 4 potenciais estreias lusas. Dessas quatro, a do Tomás Araújo logo se confirmou (foi titular). Depois entraram o Tiago Djaló, recém-titular de uma defesa do Porto que mete mais buracos que uma balsa a remos de dissidentes cubanos prestes a naufragar ao largo da Flórida, e o Fábio Silva, que anda de clube em clube a ver se alguém lhe dá a mão (ou, pelo menos, lhe mostrem as palmas das mãos, "Las Palmas"). Já foi "Ranger" e até vestiu a pele de Lobo (Wolves), mas quem lhe deu verdadeiramente a mão veste a pele de cordeiro (Martinez). Pelo que o Quenda foi o único que não saiu do banco, dali ficando a ver todas as expectativas criadas pelo próprio Seleccionador gorarem-se, frustrarem-se, o que já não é a primeira vez. Ainda que vendo o Semedo facilitar no golo da REMAX, um golo muito antecipado como outros no passado que resultam da inação face aos acontecimentos tão comum ao nosso Seleccionador, o homem que desperdiçou a melhor geração belga desde a ínclita dos anos 80 e se prepara para fazer o mesmo, se lhe derem tempo, com Portugal. Como também já é um hábito, o Trincão não saiu do banco, passou de afluente no último jogo a não influente neste, o que ilustra bem a (in)coerência de consistência das decisões do treinador. Tudo isto, porém, obedece a um plano estratégico genial por parte de Roberto Martinez, o melhor aliado do Sporting no presente campeonato: é que os nossos jogadores saem da Selecção com tanta fome de bola que depois comem a relva nos compromissos domésticos. Creio que assim deveremos estar muito agradecidos ao Sr Martinez, rezando para que ele não saia para uma REMAX, que até seria um fato à sua medida visto que exige exclusividade no seu portefólio de activos.
"Mares convulsos, ressacas estranhas
Cruzam-te a alma de verde escuro
As ondas que te empurram
As vagas que te esmagam
Contra tudo lutas
Contra tudo falhas
Todas as tuas explosões
Todas as tuas explosões
Redundam em silêncio
Redundam em silêncio
(2x)
Nada me diz
Berras às bestas
Que te sufocam
Em abraços viscosos
Cheios de pavor
Esse frio surdo
O frio que te envolve
Nasce na fonte
Na fonte da dor
Remar remar
Forçar a corrente
Ao mar, ao mar
Que mata a gente
(2x)
Nada me diz"
Tenor "Tudo ao molho...": Nuno Mendes