O amor é... por Joana Marques(*)
Pedro Azevedo
Há um Sporting que reside dentro de cada um. O último bastião do sportinguismo são as nossas memórias individuais. Elas são intemporais (ao ganharem vida deixam de estar datadas), incorruptíveis, inalienáveis. É a elas que recorro frequentemente perante conjunturas adversas, nomeadamente ao tempo em que era menino e como menino que era não tinha filtros nem preconceitos e absorvia como uma esponja tudo o que dissesse respeito ao Sporting que para mim era relevante: aquele que entrava em campo aos Domingos, não o dos gabinetes. Foi a pensar nessas memórias (e não na conjuntura) que pedi a autores consagrados da blogosfera que escrevessem sobre o seu Sporting.
Hoje convido uma senhora, ou melhor (para que não fiquem dúvidas sobre a sua idade e jovialidade), uma menina, mulher, menina mulher, casada, mãe de 2 filhas e com outra a caminho, a Joana Marques. Há alguns meses atrás, mão amiga trouxe ao meu conhecimento a Joana. No seu blogue escrevera algo sobre o Sporting que eu deveria lêr, dizia o meu amigo. Li. E aquilo tocou-me. Tocou-me pelo estilo de escrita de cunho muito próprio e intimista, pela forma como os seus textos ganhavam vida com a sintaxe por via de uma invulgar e ousada disposição das frases (a indicar uma personalidade muito vincada), mas também (principalmente) pela forma como conseguira traduzir a sua paixão pelo nosso clube. Foi a primeira vez que li o "Feita de Sporting", que mais tarde vi traduzido pelo nosso marketing em "Feito de Sporting", que adicionava as conquistas aos sentimentos. Reli o texto e não esqueci. Não conhecendo a Joana, guardei em ficheiro na minha cabeça para memória futura. E a oportunidade de contacto surgiu com esta série "O amor é...". Assim, sem mais delongas, esperando ter-lhe feito justiça (há sempre algum pudor e dá sempre um bocadinho de medo apresentar quem acabamos de "conhecer"), aqui fica o texto que a Joana nos escreveu por amor ao Sporting:
"Tenho 3 filhas.
Quando penso naquilo que quero para elas peço: saúde, felicidade..
…e que sejam do Sporting.
É por isso que nas noites de mais inspiração, em vez de lhes ler “a Branca de Neve e os 7 anões” lhes conto episódios vividos por mim. Com o Sporting.
Com a Alice e a Mariana ao meu colo e a Luísa dentro da minha barriga, começo devagarinho….
Era uma vez….
…há muito, muito tempo.
- No Alentejo.
Tinha 6 anos e passava as férias grandes em casa dos meus avós.
Eu, o meu irmão e uma carrada de primos rapazes.
Era levada da breca e tirava a paciência a tudo e a todos.
Era a mais nova.
Hiperactiva. Mimada.
Precisava de atenção e entretenimento constante.
Passávamos os dias a correr atrás do sol e regressávamos a casa ao anoitecer. Lanchávamos a fruta das árvores, bebíamos a água dos fontanários públicos e fazíamos amigos improváveis.
Não havia telemóveis. Toda a gente confiava em nós. Brincávamos como queríamos e onde queríamos.
Os meus pais e os meus tios visitavam-nos ao fim-de-semana. Ao sábado à noite passava um bom par de horas dentro da banheira. No dia seguinte a minha mãe levava-me à missa e não podia ir com aquelas pernas todas encardidas.
Os meus pais e os meus tios iam-se embora ao Domingo depois de almoço.
Um desses domingos. Saíram mais cedo.
Para grande alívio do meu avô.
O campeonato ia começar. O Sporting ia jogar.
Quando o Sporting jogava o mundo parava.
O meu avô, exigia silêncio e atenção.
Sentava-se no sofá da sala com a minha avó ao lado.
Nós sentávamo-nos “à chinês” ao redor do sofá.
Calados que nem ratos. À espera de novidades.
Mas…
….a minha fama era qualquer coisa!
O meu avô confiava no silêncio de todos excepto no meu. Vá se lá saber porquê… ;)
Enquanto sintonizava o rádio chamava-me!
- Joana!
Ficava direitinha e caladinha! Em sentido…
Também eu queria participar do momento.
O meu irmão dizia-me baixinho ao ouvido:
- Se te sentires aborrecida vai por aí tocar às campainhas!
Não fui!
O jogo começou.
Fiquei ali a alimentar o meu Sportinguismo.
O meu avô tinha o rádio ao ouvido.
Nervoso.
Pediu à minha avó ajuda divina.
A minha avó levantou-se e tirou a tampa de uma terrina que tinha em cima da mesa.
Tirou um terço e começou a rezar.
O meu irmão disse-me baixinho ao ouvido...
- A avó está a rezar a Deus para o Sporting ganhar!
O Sporting ganhou o jogo!
O meu avô levantou-se.
Nós fomos atrás dele.
Entrou na adega.
Saiu de lá com 4 foguetes.
Lançou-os.
Para que toda a gente soubesse que o Sporting tinha ganho.
No fim de semana seguinte os meus pais voltaram para nos ver e eu tinha uma coisa muito importante para lhes contar.
Mal saíram do carro! Gritei...
- Deus é do Sporting! Deus é do Sporting!
A minha mãe quase enfartou.
O meu pai riu desalmadamente.
Eu, acrescentei:
- O Sporting jogou, a avó rezou a Deus e o Sporting ganhou!!
Feliz da vida, acreditei que o Sporting ia ganhar para sempre.
Deus era do Sporting! Deus era do Sporting!
O Sporting foi desde o meu primeiro dia de vida o prolongamento da minha família, Alvalade o prolongamento da minha casa.
Actualmente, não sou crente mas tenho uma fé inabalável no meu Sporting.
Tudo pode falhar...
...menos o meu Sportinguismo!
Continuo a acreditar que o Sporting vai ganhar os jogos todos!
Nos ombros, tenho a responsabilidade de transmitir toda esta fé e esta memória às minhas filhas, para que daqui a 20 anos, sejam elas as convidadas a escrever um texto sobre o grande amor das nossas vidas!
Obrigada, Pedro!
Tão bom estar por aqui. 💚"
(*) Joana Marques, autora de "Kiosk da Joana"