O Sporting e as reformas inadiáveis
Pedro Azevedo
A jurisprudência resultante do caso Bosman, e concomitante fim de normas internas da UEFA e das suas respectivas federações nacionais de futebol, teve um impacto negativo bastante significativo a nível da competitividade internacional das equipas portuguesas. É certo que depois disso o FC Porto ainda venceu a Champions e a Liga Europa (duas vezes), alicerçado numa base de bons jogadores portugueses (a realidade com Mourinho) complementada por jogadores estrangeiros de inegável categoria (mais predominante com Villas-Boas) como Deco, McCarthy, Derley, Hulk, Otamendi, James Rodriguez ou Falcão, mas isso deve ser entendido como a excepção que confirma a regra.
De uma forma geral os planteis mais fortes existentes em Portugal ocorreram entre a segunda metade dos anos 80 e a primeira metade dos anos 90. No caso particular do Sporting é claro e inequívoco que o clube não se soube adaptar à nova realidade. Se hoje em dia seria muito difícil termos um meio campo de luxo constituído por Paulo Sousa, Cherbakov, Figo e Balakov cujos suplentes eram da estirpe de um Peixe, Filipe, Capucho ou Pacheco, isso decorre essencialmente do facto de seis desses oito jogadores terem sido comprados no mercado e de ser cada vez mais complicado manter por um período razoável de tempo os jogadores por nós formados.
É exactamente no que diz respeito à nossa Formação e sua utilidade na equipa principal que se pode fazer mais qualquer coisa. Mesmo levando em linha de conta o novo paradigma (duas, três décadas) da crescente influência dos empresários e concomitante pressão sobre esses activos, a verdade é que uma gestão eficiente dos nossos recursos deveria permitir que o núcleo central da equipa proveniente da Formação se mantivesse mais tempo connosco. O problema é que à medida em que a sua influência na equipa vai aumentando, também a sua visibilidade para o mercado cresce. Começa aí a pressão no sentido da saída, pressão essa que advém maioritariamente da promessa de salários muito mais elevados de clubes com outro potencial económico. Acontece que muitas vezes o Sporting não consegue ir ajustando a valorização do jovem atleta e sua crescente importância na equipa porque na sua folha salarial tem demasiados jogadores que não fazem a diferença e que pesam muitíssimo no total dos custos com pessoal, não deixando grande margem para ajustes salariais que premeiem a meritocracia. Se calhar, devíamos começar por aí, eliminando um significativo conjunto de redundâncias que só acrescentam na folha de pagamentos.
O futuro do Sporting passará indubitavelmente por uma base sustentável de jogadores made-in Alcochete, base essa que necessariamente deve ser complementada por qualidade importada. Por isso digo muitas vezes que mais vale comprar 2-3 jogadores de indiscutível categoria, que provoquem um impacto imediato na equipa, do que apostar em quantidade numa classe média/baixa de jogadores que manifestamente não acrescentam. Se entre Janeiro de 2019 e Janeiro de 2020 comprámos (ou recebemos emprestados) 15 jogadores, só nesta janela de transferências já adquirimos mais 6. Ora, é relação a este tipo de política que eu estou em absoluto contra, e os factos que se consubstanciam em resultados vêm provando em abundância o porquê. Há um problema conceptual de definição de plantéis e a pressa em reunir rapidamente um conjunto de jogadores acaba por ser a némesis de qualquer aspiração ao título. Pensava eu que após uma temporada em que terminámos a 22 pontos do primeiro colocado algo de fundo se alteraria, mas a recente investida ao mercado prova o contrário. É certo que deposito fundadas esperanças em Pote, mas não vejo o enquadramento em termos de competência (capacidade, qualidade e experiência temperadas) importada ideal para que esse jogador possa ser útil à equipa sem que daí advenha uma pressão desmesurada para a sua juventude.
Na verdade, tudo poderia ser diferente. É até uma realidade que recentemente tivemos connosco uma espécie de Balakov, de seu nome Bruno Fernandes, o que prova que esses jogadores não são impossíveis de obter. Infelizmente, o excesso de aposta na classe média/baixa acabou por motivar a venda de toda a qualidade que fazia a diferença, de Nani a Bas Dost, passando por Raphinha ou o próprio Bruno, sem esquecer Mathieu que terminou a carreira. O que nos resta hoje é uma belíssima base proveniente da Formação. Jogadores como Jovane Cabral, Matheus Nunes, Nuno Mendes, Daniel Bragança, Eduardo Quaresma ou Gonçalo Inácio são o futuro. Mas esse futuro só se materializará se houver um plano de carreiras para eles, o que passa antes de mais por uma gestão racional dos recursos existentes e sua não dispersão à toa. Caso isso continue a não existir, o mais certo é continuarmos no paradigma errado de formar para vender, quando o que deveríamos tentar fazer era formar para ganhar. Nesse sentido, não precisamos de jogadores a mais e que não façam a diferença. Do que precisamos, isso sim, é de qualidade que enquadre esses jovens e os faça elevar o seu patamar competitivo. Mas isso presentemente não temos. E continuaremos a não ter à razão de mais de 10 jogadores comprados por época, muitos deles prontamente na porta de saída. É urgente mudar este paradigma, da mesma forma que é premente dizer-se esta verdade aos sócios: se não souberem esperar 2 anos pela construção eficiente de uma equipa com pretensões ao título ficaremos cada vez mais arredados de qualquer palavra significativa no que diga respeito ao rendimento desportivo. Por muito que a cada janela de mercado se queira sonhar com Feddal e companhia, a realidade está aí ao virar da esquina e dá pelo nome de Rosier, Camacho, Eduardo, Ilori, Jesé, Fernando, etc. E é nesse sentido, não deixando de amar este clube para sempre, que digo que não se pode ser súbdito do "feddalismo" que invadiu o Sporting Clube de Portugal. Não só não se pode ser cúmplice do caminho da desesperança como é preciso que se dê voz aos reformistas, que querem essencialmente alterar as coisas por dentro. Até porque a história nos mostra que quanto mais se tenta calar os reformistas (moderados), mais azo se dá aos revolucionários. O problema das revoluções é que no dia seguinte há a necessidade de criar tudo de novo. Entre o caos.