O tempo
Pedro Azevedo
O conceito de tempo no Sporting é diferente do que no Benfica e Porto. Enquanto em Alvalade nunca falta quem diga que "há que dar tempo ao tempo", nos nossos rivais há uma urgência mais compaginável com o provérbio "não deixes para amanhã o que podes fazer hoje". A consequência de tudo isto é no Sporting pedir-se tempo para depois o desperdiçar ingloriamente. O pior é que isto vem acontecendo desde o final dos anos 50 do século passado. E com uma progressão de razão geométrica. Senão vejamos: se nos anos 60, o clube desperdiçava 3 em cada 4 anos, a partir de meados dos anos 80 passou a queimar 18 ou 19 anos num total de 19 ou 20, descendo de um aproveitamento de 25% para um à volta de 5%, ou seja, cerca de 5 vezes inferior. E nem a sempre tão falada rotação de presidentes, ao contrário da maior estabilidade dos rivais, explica este facto, na medida em que o Sporting teve exactamente o mesmo número de presidentes quando a seca foi de 4 anos (espaço temporal entre 58 e 70) que no período superior de 19 anos: seis. Mais estranha ainda que a falta de urgência no Sporting é a ausência de endeusamento do presidente mais vezes campeão de sempre, Ribeiro Ferreira, 6 vezes ganhador em 7 anos de mandato. Fala-se muito de João Rocha - 3 campeonatos em 14 - e com muita justiça dada a sua visão de ecletismo para o clube - , mas muito pouco do presidente mais laureado de sempre no futebol. Mas, como "há que dar tempo ao tempo", um dia essa obra ainda merecerá o devido relevo. Sem urgência, claro, que, como o senhor já não está entre nós, um ano a mais ou menos no seu esquecimento não alterará o seu estado civil. E assim o tempo vai passando e o Sporting contemporizando. Contemporizar é aliás a nossa característica predilecta, só comparável à procrastinação. Singular, pois, sendo cada vez mais um "outsider", seria de pedir a um clube de semelhante dimensão histórica que ousasse, inovasse e tivesse uma atitude disruptiva face a um sistema que o comprime. Mas não. No Sporting as elites, a vanguarda, estão na retaguarda e a retaguarda está no Miguel Bombarda, à beira de um ataque de nervos, entre a auto-exclusão da sociedade e o estertor após umas passas de cannabis. Sobra assim a classe média, que deveria pegar no leão pela juba, mas esta divide-se entre o sebastianismo mais ou menos disfarçado e o mero conformismo. Assim, tudo fica para amanhã, que variações (Variações?) não poderia(m) ser para hoje. A boa notícia é que, adiando tudo, só podemos ter futuro, que presente não temos nenhum. Mas amanhã, quem sabe... [Se bem que as coisas hoje não são mais o que propunha o passado (há 2 anos) para o presente.]