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Castigo Máximo

De forma colocada, de paradinha, ou até mesmo à Panenka ou Cruijff, marcaremos aqui a actualidade leonina. Analiticamente ou com recurso ao humor, dentro ou fora da caixa, seremos SPORTING sempre.

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Castigo Máximo

23
Dez24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

O Auto da Barca do Inferno


Pedro Azevedo

Não sei em relação a vocês, mas eu não acredito em coincidências: o Big Bang não aconteceu por acaso, o meteoro que caiu na província de Yucatán, dizimou os dinossauros e criou as condições ideais para o desenvolvimento da espécie humana, idém. E se coisas tão complexas como estas que ocorreram no passado e influenciaram o mundo como o conhecemos hoje não foram coincidência, o Sporting ter encontrado ontem no Gil Vicente a barca dos infernos muito menos o foi. 

O Sporting navegava numa barca comandada por um anjo. O mar era calmo e o sol luzia, a embarcação seguia sem sobressaltos. Mas o anjo permitiu que os seus dons de timoneiro lhe subissem à cabeça e, qual Lúcifer, afrontou a vontade de Deus, logo se achou acima de todos e reclamou uma barca mais luxuosa, deixando a do Sporting à deriva em alto-mar, a naufragar num mar que logo se encrespou. Até que foi abordada por outras duas barcas que imediatamente disputaram as almas em presença, uma tripulada por um anjo não corrompido pela ambição desmedida e outra dirigida pelo diabo. Só que para muitos era tarde demais, a desidratação e falta de alimento já haviam produzido o seu efeito e na barca jaziam vários corpos, só escapando com vida os jogadores. 

Em sequência, os mortos começam a ser distribuídos pelas embarcações. O primeiro chama-se Frederico. É condenado ao inferno por soberba, preguiça e avareza. Arrogante, a sua alma reclama o Paraíso, alegando os muitos êxitos obtidos no seu mandato "fácil, fácil". O anjo recusa-o, com o argumento de que os méritos foram essencialmente de Rúben. Segue-se o próprio Rúben, previamente capturado em Manchester by the Sea pelo diabo e já condenado por ganância. Ainda tenta mudar novamente de barca e convencer o anjo a ir para o céu, mas, apesar dos seus méritos evidentes, não o consegue convencer pelos recentes prejuízos causados ao anterior clube e seus apaniguados. Também pede ao diabo que o deixe voltar a onde tudo começou (Sporting), mas é demasiado tarde para a redenção e acaba na barca do inferno. O terceiro a chegar é um ingénuo. Chama-se João. É tentado pelo diabo a entrar na barca do inferno, mas quando descobre que o seu destino é um presente envenenado vai falar com o anjo. Este, embevecido com a sua humildade e a "brilhante defesa" (do seu caso), fá-lo entrar na barca que vai para o céu. Depois, chega o que é já o fantasma de Viana, que tenta mostrar que não é deste filme. Mas o anjo não o leva, apoiado-se em tudo o que (não) fez quando não teve controlo parental. Os nomes de Bolasie, Jesé e Fernando são ecoados e imediatamente o diabo o puxa para a barca que segue para Inferno City, onde árbitros e VAR também têm lugar cativo. Finalmente, avança o Paulinho, o último a deixar a toalha cair ao chão, uma vítima inocente do despautério de outros. O diabo sente que com este não tem qualquer hipótese e logo o anjo o conforta e encaminha este verdadeiro leão para a barca que vai para o céu. 

 

Entretanto, os jogadores ficam num limbo, isto é, ainda sobrevivem, se bem que estourados física e psicologicamente, mas já não sabem se isso é real ou se estão no purgatório. E aquilo que poderia ter sido Um Cântico de Natal sobre os méritos da redenção e metamorfose do nosso Ebenezer Scrooge, virou um Auto da Barca do Inferno...

 

Tenor "Tudo ao molho...": Hjulmand

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15
Dez24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Regresso ao Passado com falhas de memória


Pedro Azevedo

Quando João Pereira pegou na equipa esta estava na iminência de bater o recorde de melhor início de campeonato, pouco mais de duas semanas depois jogámos para não estabelecer um novo recorde de derrotas consecutivas. Como se percebe, fomos do oitenta a oito, mas, assim como tudo o que sobe um dia inevitavelmente desce nem que seja pelo efeito da força de gravidade (que também bem graves são algumas decisões...), quando se atinge o nível do solo não se pode cair mais. Não só não descemos mais como, ou não jogássemos com uma bola redonda, ressaltámos da valente queda que demos. É verdade, a primeira hora de jogo da nossa parte foi ao nível do melhor de Ruben Amorim, com os interiores a partirem de fora para dentro (nem todas as coisas devem ser geridas de dentro para fora...), Gyokeres a ter espaço na profundidade e o regresso da geometria euclidiana com os inúmeros triângulos desenhados no rectângulo de jogo e abrangendo essencialmente as duas alas. Todavia, faltaram duas coisas para convencer definitivamente os adeptos sobre a retoma: a finalização, que foi desastrosa (Gyokeres só à sua conta perdeu 3 golos cantados, Geny, Maxi e Simões falharam outros tantos), e o comportamento defensivo, com falta de pressão sobre o portador da bola nos lances mais perigosos do Boavista e o erro claro de colocação de Debast como central pelo meio (o belga só olha para a bola, não controla o espaço nem a deslocação do avançado que lhe cabe marcar). E se da má definição final dos lances ofensivos dificilmente se poderão assacar responsabilidades a João Pereira, a insistência em Debast no centro da defesa após o desastre na Supertaça foi o mesmo que pôr-se a jeito para que as coisas não corressem bem (pior é o João Pereira quando fala parecer não ter noção da origem das coisas, como se estas ocorressem por obra e graça do Espírito Santo ou uma conspiração universal contra ele e o Sporting). Não é que o Debast seja mau jogador, que aquela capacidade de passe entrelinhas não engana e é do melhor já visto no futebol mundial, simplesmente não é um bom defesa, ou, melhor, pode defensivamente ser um razoável central pela direita e compensar com o que dá à equipa ofensivamente, mas actualmente não é um fiável central pelo meio. Senão vejamos o lance do primeiro golo dos axadrezados, em que em nenhum momento se preocupa com Bozenik, o tempo todo 1x1 nas suas costas, ou no segundo golo dos boavisteiros, em que não encurta em largura para Quaresma (este aproximou-se correctamente de Geny, que disputou um duelo de cabeça com um adversário em que a bola podia ter ficado por ali), afunda-se em relação à linha e tarda a reagir à movimentação do avançado à sua frente. 

O Sporting perder constantemente as vantagens que detém no marcador é coisa para enervar um monge tibetano, mas, quando cumulativamente temos de levar com o Fábio Veríssimo, então até o mesmo monge tibetano é levado à tentação de cortar os pulsos. E se nenhum adepto merece esta montanha russa em que se tornou o futebol do Spoeting, em relação ao Veríssimo a Liga Portugal tem o que merece (a UEFA é que não tem culpa nenhuma de levar com esta exportação lusa feita a martelo). 

Com um olho negro, um galo na cabeça e um frango entre os postes, o leão estropiado conseguiu os 3 pontos. Do lado do Boavista, uma palavra para Seba Perez, um grande jogador, um polvo cujos tentáculos se estenderam por todo o campo e também as pernas dos jogadores leoninos. Já Debast é o nosso Contreras do Século XXI: óptima saída de bola, mas erros defensivos de um principiante. Um jogador à primeira vista agradável aos olhos, mas que não enche a barriga. Tem de melhorar urgentemente o seu comportamento defensivo (no primeiro golo o Quaresma foi ao meio dissuadir um boavisteiro que seguia frontalmente com a bola e ao regressar teve de enfrentar um bloqueio legal de Reisinho e Matheus Reis deu algum espaço na largura a Agra com medo que este metesse a velocidade, mas é Debast que perde totalmente a sua referência de marcação, o eslovaco Bozenik). 

 

Vencemos o jogo e com isso ganhámos tempo. Só o futuro dirá se esse tempo foi ganho para ser desperdiçado ingloriamente, o que se sabe é que não se deve perder o tempo que custou tanto a ganhar. Ontem, João Pereira provou que até é capaz de entender os comportamentos e nuances ofensivas que Rúben Amorim criou no Sporting, falta perceber se algum dia compreenderá o que é necessário fazer defensivamente. Talvez ajudasse porém que Diomande ou Inácio jogassem como centrais pelo meio, uma lição que Amorim aprendeu com um custo elevado em Aveiro.  

 

Tenor "Tudo ao molho...": Francisco Trincão. Quenda realizou um bom jogo.

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19
Nov24

Tudo ao molho e fé em Ronaldo

Remar, REMAX (aos Chutos&Pontapés)


Pedro Azevedo

IMG_3511.jpegSabemos que o mundo é um lugar estranho quando, em pleno "Century 21",  Portugal vai a Split jogar contra a equipa da REMAX (Hrvatska, em croata). É a força da globalização e suas tendências, ainda que paradoxalmente as pessoas andem bastante mais separadas ("Split", na língua global) umas das outras, entretidas a brincar às casinhas. 

Portugal entrou com tudo, com João Neves a marcar o ritmo, Vitinha a esconder a bola, Tomás Araújo imperial com e sem bola e Nuno Mendes omnipresente como central pela esquerda, lateral ofensivo e extremo canhoto. Só o Rafael não apareceu no seu melhor,  no caso em versão emplastro Leão, o que rima com trapalhão (só na definição). O céu parecia ser o limite, o que até é, curiosamente, um slogan caro aos da REMAX, mas muita parra produziu pouca uva e ao intervalo vencíamos por apenas 1 golo de diferença, cortesia de João Félix e de um daqueles seus detalhes de génio da lâmpada que um dia (sebastianismo puro luso) lhe valeram uma transferência de 120 milhões. O problema do João é que o seu perfume requintado coabita num frasco de 25ml, esgota-se em pouco tempo. (Para quem vê o futebol como arte, o delicado entrelaçar de jogo que nasce no seu cognito e logo floresce nos seus pés capta a atenção como se de uma bela e complexa peça de filigrana se tratasse. Não é só o que se vê, é muito também o que se sente: o som perfeito que a bola emite quando por ele impelida, o perfume requintado derramado no acto, a intenção que quase conseguimos tocar latente em cada sua acção, a água que nos cresce na boca como que a pedir sempre mais. Tudo isto nos acontece porque Félix é um dos raros futebolistas que nos despertam os cinco sentidos. Porém, e apesar de todos os predicados, a carreira de Félix tem ficado aquém. Porque não só de talento se faz um caminho, é preciso trabalho, consistência e atitude mental. E é especialmente nesta última que as coisas falham.)


Depois de uma muito boa primeira parte, na segunda perdemos a objectividade: escondermos a bola passou a ser a meta, ao invés de continuarmos a procurar o golo. Foi assim um tempo de espera: esperámos pela REMAX e esperámos por Godot. É normal em Portugal se esperar por Godot, os portugueses estão habituados a esperar e suspirar até por aquilo que nunca vem. Talvez por isso não reajam bem a quem entrega o que promete, gente como o Cristiano Ronaldo e assim, que como tal nem sempre é bem-vista ou bem-quista. No dia, o nosso Godot chamava-se Quenda, Geovany Quenda, e não havia noticiário prévio ao jogo que não anunciasse a sua estreia oficial pela Selecção, estreia essa que bateria o recorde de precocidade pertencente a Paulo Futre. O problema é que, tal como na peça de Beckett, o Quenda nunca chegou. Na antecâmara do jogo haviam 4 potenciais estreias lusas. Dessas quatro, a do Tomás Araújo logo se confirmou (foi titular). Depois entraram o Tiago Djaló, recém-titular de uma defesa do Porto que mete mais buracos que uma balsa a remos de dissidentes cubanos prestes a naufragar ao largo da Flórida, e o Fábio Silva, que anda de clube em clube a ver se alguém lhe dá a mão (ou, pelo menos, lhe mostrem as palmas das mãos, "Las Palmas"). Já foi "Ranger" e até vestiu a pele de Lobo (Wolves), mas quem lhe deu verdadeiramente a mão veste a pele de cordeiro (Martinez). Pelo que o Quenda foi o único que não saiu do banco, dali ficando a ver todas as expectativas criadas pelo próprio Seleccionador gorarem-se, frustrarem-se, o que já não é a primeira vez. Ainda que vendo o Semedo facilitar no golo da REMAX, um golo muito antecipado como outros no passado que resultam da inação face aos acontecimentos tão comum ao nosso Seleccionador, o homem que desperdiçou a melhor geração belga desde a ínclita dos anos 80 e se prepara para fazer o mesmo, se lhe derem tempo, com Portugal. Como também já é um hábito, o Trincão não saiu do banco, passou de afluente no último jogo a não influente neste, o que ilustra bem a (in)coerência de consistência das decisões do treinador. Tudo isto, porém, obedece a um plano estratégico genial por parte de Roberto Martinez, o melhor aliado do Sporting no presente campeonato: é que os nossos jogadores saem da Selecção com tanta fome de bola que depois comem a relva nos compromissos domésticos. Creio que assim deveremos estar muito agradecidos ao Sr Martinez, rezando para que ele não saia para uma REMAX, que até seria um fato à sua medida visto que exige exclusividade no seu portefólio de activos.

 

"Mares convulsos, ressacas estranhas
Cruzam-te a alma de verde escuro
As ondas que te empurram
As vagas que te esmagam
Contra tudo lutas
Contra tudo falhas

Todas as tuas explosões
Todas as tuas explosões
Redundam em silêncio
Redundam em silêncio
(2x)
Nada me diz

Berras às bestas
Que te sufocam
Em abraços viscosos
Cheios de pavor
Esse frio surdo
O frio que te envolve
Nasce na fonte
Na fonte da dor

Remar remar
Forçar a corrente
Ao mar, ao mar
Que mata a gente
(2x)

Nada me diz"

 

Tenor "Tudo ao molho...": Nuno Mendes 

15
Nov24

Pereira contra Pereira


Pedro Azevedo

Esta coisa em forma de assim de se querer fazer do futebol uma ciência e dos seus treinadores uns Leonardos da Vincis do século XXI é algo que pretende certamente prestigiar uma classe mas não deixa de ser risível na sua aplicação. Desde logo porque, ao contrário da medicina, engenharia, advocacia ou gestão, o conhecimento sobre futebol é transmitido por uma universidade aberta que todas as semanas produz as suas lições. Toda a gente vê futebol, o que não quer dizer que todos tenham a sensibilidade de o perceber. Porque há emoção e esta pode toldar a frieza na análise. Todavia, o conhecimento está disseminado, logo democratizado, como em nenhuma outra área de actividade económica. Pô-lo em prática é outra coisa, que conhecimento é saber que o tomate é um fruto, sabedoria é não misturá-lo numa salada de frutas. Ora, da mesma forma que ninguém sai de uma universidade sabedor (mas apenas conhecedor), também não se pode pensar que serão uns cursinhos de poucos meses (trezentas e tal horas) que elevarão um treinador à sapiência. Vem isto a propósito da obstinação da ANTF e do seu presidente José Pereira em impedir que treinadores sem o nível IV possam dirigir as suas equipas no banco. Veja-se o caso de João Pereira: jogou futebol profissionalmente durante década e meia, nesse período tendo de se adaptar a múltiplos treinadores e múltiplas tácticas, estilos de liderança e de comunicação, gestão física e mental. Não serão preparação e habilitação suficientes para o cargo de treinador? Para José Pereira, não. E quem vem da Faculdade de Motricidade Humana, também necessita dos cursinhos? Pelos vistos, sim, o que faz da actividade de treinador de futebol a mais complexa da era moderna. E eu a pensar que um médico que tem uma vida humana nas mãos, um advogado que tem a inocência de um seu constituinte nos braços ou um gestor que tem o futuro de centenas ou milhares de colaboradores dependente do sucesso das suas decisões estratégicas teriam maiores responsabilidades... Como em tudo, nada como pegar num exemplo radical para ilustrar a falta de senso do que está a ser exigido, na esperança de que José Pereira se confronte com o seu momento Monty Python e refreie caminho: já ouviram falar de Anselmo Fernandez? Era arquitecto e ficou conhecido por ter projectado o antigo Estádio de Alvalade, mas também o Hotel Tivoli, a Reitoria da Universidade de Lisboa e a Faculdade de Letras ou a Clássica. Um dia pediram-lhe para treinar a equipa profissional do Sporting, pós-demissão do brasileiro Gentil Cardoso. Pois, acabou vencedor da Taça das Taças, ainda hoje o único título europeu, em futebol, do meu Sporting. Sem nivel, para o senhor José Pereira, o mesmo que correu Seca e Meca a apreguar a falta de nível de Rúben Amorim enquanto este o desmentia na prática ao liderar folgadamente o campeonato. Há gente que não aprende as lições que a vida lhe vai dando e cumulativamente ainda se julga credor de dar lições a outros. É o caso (perdido) do senhor José Pereira e dos cursos que, espaçadamente no tempo (ao que parece, um tempo médio de 8 anos é necessário para completar os 4 níveis) e sabe-se lá com que justeza de critérios de atribuição de vagas, vai abrindo por aí. Cursos esses que, porém, têm uma virtude: permitem dar trabalho a um sem número de treinadores encartados de nível IV, agora investidos de monitores/professores porque no desemprego. Digam lá se não é irónico?

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11
Nov24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

A Última Ceia


Pedro Azevedo

Desde há duas semanas que sabíamos que o nosso futuro próximo não passaria por Rúben Amorim, mas de alguma maneira a administração do clube conseguiu estender o presente umas semanas, pelo que o Rúben continuou por aqui mais algum tempo e a sensação de orfandade ficou suspensa num tempo entretanto congelado para que o alimento de que todos os Sportinguistas precisam (as vitórias) não ficasse estragado e o novo treinador a anunciar não tivesse prematuramente de meter-se em refogados. Mas tudo tem o seu fim, embora esse fim só seja conhecido quando vem acompanhado de um prazo de validade pré-anunciado. A data escolhida para a cisão teve o seu quê de auto-explicativa, na medida em que foi coincidir com o dia de São Martinho, efeméride religiosa que celebra um soldado romano conhecido pela sua personalidade filantrópica: para nós, que sonhávamos com o título nacional há 19 anos, o Rúben será sempre o homem que nos veio matar a fome. E que, posteriormente, nos reparou o estatuto, nos ensinou a comer de novo e reiteradamente à mesa dos reis, que é algo assim a jeito de na sala do Gambrinus podermos degustar o empadão de perdiz com um bom vinho, enquanto arranjamos espaço para acamar um Crêpe Suzette ("pièce de la résistance"), em vez de nos quedarmos por uns croquetes e uma imperial na barra como um fidalgo falido. Como não há forma de indeterminadamente parar o tempo, ele teve de avançar. Inexoravelmente. De forma que Braga marcaria o fim de uma era. Os últimos dias haviam sido brilhantes, com vitórias sucessivas, a última face ao "mighty" Manchester City. Mas a cauda é sempre o pior de se esfolar, e havia um jogo final em Braga para ser disputado. Um jogo de emoções fortes para adeptos e jogadores, que uma coisa é saber-se que o treinador está de partida, outra é chegar a noite de véspera da data em que ele vai apanhar o avião (e nós bem traumatizados já estávamos com escapadas precárias de avião). Como iríamos todos nós lidar com a nostalgia do momento? 

O primeiro tempo ficou marcado pela saudade de alguém ainda presente, um sentimento de perda que causou angústia e nervosismo à equipa e gerou alguma atrapalhação na definição dos lances. Eficaz, o Braga defensivamente nada nos concedeu e ofensivamente tudo aproveitou: se, lá atrás, os minhotos montaram a barraquinha do tiro ao Gyokeres e foram-se revezando com notável solidariedade nessa especialidade simultaneamente tão promotora quão idiossincrática da cultura de futebol existente em Portugal, mais à frente, o Bruma combinou com o Horta, numa espécie de Horta do Bruma, para nos dar cabo do apetite vegetariano. Resultado: ao intervalo perdíamos por 2-0. 

Com o segundo tempo veio a revolta do pasodoble sobre o fado e "pegámos o touro pelos cornos": a nostalgia ficou no balneário e passámos a "dar ao pedal" em dobro. As substituições também ajudaram a dar maior agressividade e vivacidade ao nosso futebol. Cedo, um dos que entrou (Morita) reduziu a desvantagem no marcador e com isso reentrámos no jogo. Com menos dois dias de descanso, o Braga procurou recorrer a todo o tipo de truques que escondessem o cansaço acumulado dos seus jogadores: cada pontapé de baliza a seu favor era usado pelo Matheus para reflectir sobre a sua própria existência, ao passo que uma queda no relvado do Moutinho exigia a presença simultânea do INEM, de um padre, de um médico legista e de um profissional de seguros com qualificação em avaliação de sinistros, antes do politraumatizado corpo poder ser removido do terreno de jogo para logo reaparecer todo viçoso por artes de magia negra. Tantas perdas de tempo iam quebrando o ritmo de jogo ao Sporting. Mas a vingança serve-se fria, ou não viesse da Dinamarca. E se Hjulmand com um foguete anunciou a revolução, o princípe Harder logo exibiu aquele par de huevos com que se fazem Hamlets.

 

A passagem de Amorim foi uma epopeia que só careceu de um Homero para que fosse fielmente retratada.  Como todas as epopeias poderia ter terminado em tragédia (Aquiles) ou glória (Ulisses), mas reza a lenda que Lisboa foi fundada por Ulisses e isso terá tido uma influência marcante no desempenho do alfacinha Amorim. Sendo para sempre, na mitologia leonina, o profeta e filho de deus que trouxe a boa nova, Amorim por fim reuniu 11 apóstolos naquela que foi a sua Última Ceia. E saiu em merecida glória, deixando para trás inúmeros crentes. 

 

"Sic transit gloria mundi!!!", que a luz ilumine João Pereira!!!

 

Tenor "Tudo ao molho...": Conrad Harder. Hjulmand seria uma óptima opção.

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06
Nov24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Um argumento caído do Céu


Pedro Azevedo

Antes do jogo era sabido o seguinte: o Manchester City não perdia há 26 jogos para a Liga dos Campeões, um recorde da competição. E ainda não havia sofrido qualquer golo na Champions da presente temporada. Adicionalmente, vencera a exigentíssima Premier League na época passada, chegando assim ao tetra-campeonato, totalizando 6 títulos de campeão inglês nas últimas 7 edições. Perante estes factos, escusado será dizer que o City era super favorito. Mas um jogo de futebol não se joga no computador, nas estatísticas, nas previsões das cassandras apressadas nos jornais e teievisoes. Não, um jogo de futebol joga-se no campo, no relvado. E é presente, e não passado, pelo que tudo o que aconteceu lá atrás não é garantido que se repita. Além de que se trata de um jogo, logo inclui variáveis aleatórias como a sorte e o azar que tantas vezes são desprezadas na sua análise posterior. Serve este último arrazoado para introduzir não de supetão o resultado do jogo. Para quem não viu ou não sabe ainda, recomendo que se acomode, que se sente bem - o resultado foi quatro-a-um para o Sporting!!! 

"Como é que tal foi possível?", perguntará, legitimamente, o Leitor.  Foi possível porque é futebol. E também na medida em que os pontos fortes do Sporting colidiram com os poucos pontos fracos do City e daí resultou a hecatombe inglesa. Pode agora parecer paradoxal, tendo-vos dito primeiramente que o passado não garante o presente, mas a história está cheia de exemplos de superação do mais fraco face ao mais forte. Desde David e Golias, passando por Aljubarrota ou pela Armada outrora julgada Invencível. E ontem fez-se história em Alvalade, na despedida do nosso treinador desse palco sagrado para todos os Sportinguistas. Um enredo que desafiaria o guionista mais out-of-the-box de Hollywood, porque alinhavado no Céu, que Amorim é um daqueles que Deus mais ama e assim transporta com ele uma estrelinha que reluz quando dela mais precisa. Como todo o bom argumento, os sinais iniciais foram contraditórios com o resultado final, como se o Dramaturgo desta história quisesse apanhar o espectador de surpresa. Assim, cedo (3 minutos) o City se apanhou em vantagem no marcador. E para que não houvesse dúvidas de que a noite não seria auspiciosa, pouco depois Gyokeres, o nosso Vik Thor, o Viking e filho de Odin que em boa hora aportou a Alvalade, falhou um golo cantado, mostrando assim uma faceta menos própria de um deus e mais próxima de uma condição humana que se lhe desconhecia. Se o nosso deus está num dia mau, e nós, mortais, nem sabíamos que os deuses poderiam ter dias menos bons, então a nossa glória ou ambição acabará na vala (e não em Vahala) - pensou-se. Mas os guiões mais criativos dão muitas voltas e reviravoltas ("remontadas" é no Bernabéu e este enredo vai mais no caminho de re-béu-béu, pardais ao ninho, conforme adiante se verá) e este centrou-se durante largos minutos num actor secundário que roubou o palco aos designados protagonistas. Falo-vos de Franco Israel, que foi adiando o julgado inevitável, e assim mantendo o Sporting no jogo e dando tempo para que um qualquer milagre se operasse. Eram vagas e vagas constantes de ataque do City, calafrios a seguir a calafrios, mas Israel foi mantendo o sonho da "terra prometida". Até que o menino Quenda agigantou-se e serviu Gyokeres no espaço com maestria. Na profundidade, o Vik Thor ganha artes de Neptuno e nada nem ninguém o pode parar. Resultado: 1-1.

 

O intervalo chegou e com ele a sensação de que o resultado era muito melhor do que a exibição. Mas estávamos dentro do jogo, e assim tudo ainda era possível, o sonho continuava presente e à espera de ser vivido. A verdade é que o jogo reatou-se e o nosso Aladino logo soltou o Pote Mágico, libertando o primeiro de 3 desejos que viriam a ser concretizados na íntegra, deixando Kovacic nas covas e isolando Maxi - não um perna-de-pau qualquer, mas um Super Max(i) - na cara de Ederson. O uruguaio, que no primeiro tempo já havia liderado pelo exemplo, nunca se deixando intimidar e mostrando ganas de ser o primeiro a libertar-se do jugo inglês, não perdoou e pôs o Sporting na frente. Ainda não refeitos da pancada, logo os ingleses viram Trincão a isolar-se na direita. Em pânico, sem perceber o que, o como e o porquê do que estava a acontecer, Gvardiol atropelou-o na área. Subitamente, o City via-se em banho-maria no caldeirão do Panoramix Amorim, mais um exemplo de como um "pequeno" pode fincar o pé a um "grande" ou uma "aldeia gaulesa" se manter invicta face ao todo-poderoso "Império Romano".  Chamado a converter a penalidade, o Gyokeres recorreu à antiguidade clássica do engodo do penalty: guarda-redes para um lado, bola para o outro. De engodo se faz um bom argumento e este ainda estava longe de estar terminado. Eis então, no nosso melhor período, que do inferno do VAR cai um penalty desta vez a favor do City. Para marcá-lo o Haaland, o deus deies, aquele que na antecâmara do jogo suscitara nas TVs e redes sociais um condescendente "pois, o Gyokeres e tal, mas o Haaland é outra loiça...". Se o era, partiu-se, desintegrou-se naquela bola que saiu da marca dos 11 metros para malhar no ferro. Nesse momento, o Sporting ganhou o jogo, até São Tomé deixou de acreditar num qualquer outro cenário que não fosse a vitória leonina. Restava porém perceber por quantos. O City estava reduzido a cacos e nesse transe até um dos seus melhores jogadores no dia (Matheus Nunes) perdeu a compostura e não cedeu à tentação de cometer mais um penalty. Era o descalabro, o desgoverno de uma equipa que não entendia o que acontecia no campo, como se tivesse sido atropelada pelo autocarro que em tempos Amorim dispusera no relvado, antes de lhe ligar a ignição e de inerte ganhar vida. Desta vez o Gyokeres quis que o Ederson adivinhasse o lado e conhecesse os limites da sua própria elasticidade, colocando a bola com a força e pontaria necessárias a que os esforços do brasileiro fossem vãos e inglórios - uma maldade. Estava feito o resultado final de um jogo que foi como uma Marioshka, ou seja, teve vários jogos dentro de si. Como o jogo entre o futuro treinador do United e o actual do City. Ou o duelo particular entre Gyokeres e Haaland, que também terminou com 3 golos de diferença. 

O Homem sonha, a obra acontece. Venha o Braga! Depois, se "o rei está morto", "longa vida ao novo rei". Muito obrigado por tudo, mister Amorim, boa sorte, mister João Pereira!!! Deixem-me sonhar...

 

"Aquele que já não consegue sentir espanto nem surpresa está, por assim dizer, morto; os seus olhos estão apagados." - Albert Einstein

 

Tenor "Tudo ao molho...": Vik Thor Gyokeres. Menções honrosas: Israel, Maxi, Pote (para Martinez ver), Trincão, Quenda e todo o sector defensivo (como entrou bem o Quaresma!)  

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30
Out24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

O Aníbal Amorim


Pedro Azevedo

Aníbal ficou conhecido tanto pelos seus brilhantes dotes de estratega quanto pelos seus elefantes. Todavia, com o caminho aberto para o triunfo (entrada em Roma), optou por mudar de ares, decisão que ainda hoje é considerada como controversa. Em consequência, acabou derrotado. Aquilo que Amorim se propõe fazer agora é semelhante, não deixando de ser figurativamente paradigmático da sua acção que tenha afirmado o seu desejo de retirar o elefante da sala. O problema é que o elefante foi para as bancadas, e agora os Sportinguistas estão de trombas. O ambiente sombrio que se viveu ontem em Alvalade assim o demonstra. A vida de um Sportinguista é do car(t)ago!!!...

A primeira parte do jogo evidenciou um conjunto de hesitações e de desligamentos de ficha que há muito não se viam numa equipa do Sporting. O choque está a ser grande e isso reflectiu-se em menores alegria e concentração. Foi então necessário recorrer a Gyokeres. O sueco não tem estados de alma. Na sua essência, ele é um elefante que, espera-se, não venha a ser retirado das salas de espectáculo onde actue o Sporting. E logo começou a causar estragos na porcelana nacionalista. Primeiro sacando um penalty, depois destruindo "à bomba" a última resistência insular, de forma livre e directa.

 

Os próximos dias dirão se Amorim vai apanhar o avião. A fazê-lo, talvez mais tarde (Janeiro) chegue um outro avião, esse de carga, para a viagem do elefante para o mesmo destino do seu treinador/adestrador, um enredo saramaguiano que permanecerá no sub-consciente de cada Sportinguista até ao início do novo ano. 

E nós? A gente vai continuar. Que remédio !...

 

Tenor "Tudo ao molho...": Vik Thor Gyokeres

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29
Out24

Amorim deve continuar


Pedro Azevedo

A ida de Ruben Amorim para o Manchester United, a concretizar-se neste momento, será um "loose-loose" para ele e Sporting. Primeiro, porque o Man Utd é presentemente um cemitério de treinadores, um clube sem uma estratégia de longo prazo e cujas vagas de contratações são como espuma de ondas que prometem muito até rebentarem com estrondo e assim morrerem na praia. Nesse sentido, é impossível não ver um nexo de causalidade entre o recrutamento de Cristiano Ronaldo e agora a preferência por Ruben Amorim, como se o objectivo fosse apenas o de antecipação ao rival da cidade, o Manchester City, agora que Viana já está certo em Maine Road e Guardiola não é seguro que continue. Ora, todos sabemos como acabou o folhetim Ronaldo em Old Trafford...

 

Para o Sporting, a saída prematura de Amorim, agora que ultrapassámos apenas o primeiro quarto do campeonato, também não seria nada boa. A equipa está muito mecanizada no sistema de jogo que o treinador aportou a Alvalade e embora tal pudesse ser replicado com João Pereira, por exemplo, o carisma e a facilidade de comunicação demonstrados por Amorim dificilmente seriam clonados, assim como os graus de liberdade para a formação do plantel de acordo com as ideias exclusivas do treinador seriam necessariamente diferentes. Acresce que Ruben assumiu no Marquês perante os Sportinguistas o desafio de ganhar o bicampeonato e posteriormente zelou pela manutenção dos principais activos, pelo que a sua saída prematura soaria como uma traição face a um objectivo/compromisso com que Amorim quis propositadamente marcar a agenda leonina para 2024/25.

 

Não sendo de desprezar, obviamente, a ambição do treinador de treinar na Premier League, algo que ficou bem claro e patente aquando do interesse de Liverpool e West Ham, o timing para ele não será o melhor. Desde logo porque terá de esperar por Janeiro para adequar o plantel do United às suas ideias, depois também porque esse reforço poderá passar pelo desfalque do clube que o catapultou para o estrelato. Por todos os motivos, seria mais lógico e prudente que Amorim fizesse essa opção no verão, saindo de Alvalade pela porta grande e dando tempo ao clube para organizar o seu mercado. Mesmo o atractivo de pegar num clube na mó de baixo, correntemente décimo quarto classificado na Premier, não me parece ser sedutor o suficiente. Porque dificilmente Amorim terá a autonomia, poder de decisão e respaldo da administração que tem em Alvalade e ainda terá de contar com alguma desmotivação dos jogadores do United agora que o objectivo principal da época parece perdido e mesmo a qualificação para a Champions se afigura muito complicada. E isso será um risco muito sério, passado o efeito positivo que uma chicotada psicológica sempre tem nos primeiros tempos. 

Claro que Amorim estará agora a pensar que há comboios que não param duas vezes, mas também deverá reflectir se para a sua carreira será melhor apanhá-lo na gare de origem ou num qualquer apeadeiro. Especialmente num clube com tantas estações em que há sempre alguém com vontade de entrar, o que suscita um arranca-e-para cíclico que não permite que se anda à velocidade de um TGV. 

 

P.S. O ciclo vicioso do United pós-Ferguson não é novo: após a saída de outra figura marcante do clube (Sir Matt Busby), o Man U esteve 26 anos sem ganhar o campeonato inglês. E mesmo Ferguson necessitou de 7 anos para vencer, manutenção no cargo que só foi possível porque tinha créditos acumulados pela conquista da Taça dos Vencedores das Taças no Aberdeen (final contra o sempre poderoso Real Madrid). Ora, o último título de campeão do United data de 2013 e desde aí já por lá passaram 7 treinadores...

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27
Out24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

La vie en rose


Pedro Azevedo

De um Evangelista espera-se que proclame a boa nova. Assim foi com Mateus, João, Lucas ou Marcos. O Armando quis seguir-lhes os passos, mas o Gyokeres ditou-lhe um novo testamento.

 

Em Tractatus Logico-Philosophicus, Wittgenstein descreve que uma proposição é tão figurativa da realidade quanto uma maquete o é de um edifício. Ora, se o Leitor se recorda, na minha última crónica eu já havia anunciado ser impossível parar Gyokeres dentro da legalidade. Ontem voltou a provar-se que tal proposição é representativa da realidade: assim como um pai que faz girar o filho numa roda de um parque infantil, empurrando ora num sentido, ora noutro, o Gyokeres deixou um defesa fanalicense almariado. De seguida, não deu hipótese ao guarda-redes. Para o Gyokeres, é tão fácil como brincar com meninos. Estava aberto o marcador em Famalicão. Depois, o miúdo Quenda fez-se grande e tornou-se o mais jovem jogador da história do Sporting a marcar na Primeira Liga. Não querendo ficar atrás, outro produto da nossa Formação (Inácio) fechou a conta.  

Se o verde original do nosso equipamento representa a esperança, ontem em Famalicão vimos "La vie en rose": 9 jogos, 9 vitórias, primeiro lugar isolados no campeonato. E a águia nem pia(f)...

 

Tenor "Tudo ao molho...": Gyokeres

 

23
Out24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Não negar uma ciência que se desconhece


Pedro Azevedo

Com as atenções mais recentes viradas para o Ministério das Infraestruturas - a questão dos autocarros estacionados e assim... - , pouco relevo vinha sendo dado ultimamente às baixas no nosso Ministério da Defesa. Todavia, elas existem, como se comprovou ontem quando o nazareno (Esgaio) realizou o milagre de jogar a central pela direita. E não o fez nada mal, se exceptuarmos aquela ocasião, na primeira parte, em que se viu ultrapassado por um Boving 737 com o número 15 no dorso e a voar baixinho. 

 

Muita gente ignora que os seres vivos presentes num rectângulo de jogo não se circunscrevem a jogadores e árbitros. Há mais, e não estou a falar da bola, por muito que ela às vezes pareça ganhar vontade própria. Refiro-me, obviamente, à relva. Ora, se, aquando da visita a Eindhoven (PSV), a relva quis avidamente engolir os jogadores do Sporting, em Klagenfurt (casa emprestada do Sturm Graz), provavelmente devido a uma qualquer má digestão (de adubos), regurgitou. Em consequência, os tufos que se soltaram da sua superfície foram durante a maior parte do tempo o maior obstáculo às intenções de mister Amorim, porque de resto os austríacos não pressionaram alto, limitaram-se a esperar a chegada do Sporting e assim não constituíram propriamente um grande óbice aos avanços do leão também no marcador:  se no primeiro golo (Nuno Santos, assistido por Geny), o Gyokeres "limitou-se" a servir um daqueles apoios frontais que sempre executa na perfeição a um só toque, no segundo brindou-nos com um número à Ronaldo "Fenómeno" dos tempos de Barcelona, conciliando agilidade e jogo de cintura com força e velocidade, num mix de características que começam num lutador de capoeira, passam por um primeiro centro de rugby e acabam inevitavelmente num grande jogador de futebol. 

 

Os últimos meses têm trazido para cima da mesa o debate sobre como parar Gyokeres. Treinadores no activo ou no desemprego, jornalistas com ou sem carteira, analistas de mais ou menos laboratório, todos vêm expressando o seu douto parecer. E é cómico, porque na verdade pouco ou nada há a fazer: se esperas por ele, a tua inércia é vencida pela sua potência; se tentas antecipar, ele roda o corpo e logo dispara no sentido da tua baliza. Pelo que a única forma de o parar é a tiro de caçadeira, mas isso duvido que possa ser publicamente tolerado, ministrado nos cursos do senhor José Pereira ou advogado em programas televisivos daqueles que fazem a Alcina Lameiras, com o lenço na cabeça e a bola de cristal, parecer uma inocente imberbe na arte da cartomância. Eu estou como a Alcina e não nego à partida uma ciência que não conheço: a robótica sueca que desenvolveu este Exterminador Implacável. Fim de emissão!

 

Tenor "Tudo ao molho...": Gyokeres (pelo golaço!!!). Menções honrosas para Israel, Debast, Inácio e Hjulmand

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22
Out24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

We try Harder


Pedro Azevedo

O jogo de Portimão provou que o staff técnico do Sporting precisa de ser urgentemente reforçado. Não, não se trata da necessidade de contratar mais um adjunto, médico ou fisioterapeuta, o que Amorim precisa mesmo é de um perito em linha de montagem/desmontagem de autocarros, de um operário da Auto-Europa ou assim. 

Em rodagem para tentar compreender este novo requisito do futebol português, na sexta-feira o Sporting foi visitar a Empresa de Viação do Algarve (EVA), cujos autocarros se encontravam estacionados em Portimão. Ou não se tratasse da Eva, a falta do tal operário qualificado fez-se sentir qual pecado original, o que inviabilizou a desmontagem dos referidos autocarros. Como último recurso, recorreu-se então a uma "grua" oriunda da Dinamarca, que a custo lá removeu os autocarros. Já se sabe, não se fazem Hamlets sem ovos e este príncipe nórdico (Harder) foi chocado para vir a ser o delfim do rei Gyokeres. No fim, chocados ficarão os nossos adversários, que, com o Conrad, "We Try Harder". 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Conrad Harder

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13
Out24

Tudo ao molho e fé em Ronaldo

Pacto de Varsóvia


Pedro Azevedo

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O palco era Warsaw, capital polaca e tema de uma conhecida canção dos Joy Division em que a letra versa sobre Rudolf Hess, um oficial nazi que chegou a ser adjunto de Hitler antes de cair nas mãos dos britânicos dois anos após a infâme invasão alemã à Polónia. Sombria na sua atmosfera, a música que a acompanha bem que poderia reflectir o estado de espírito dos jogadores e adeptos polacos no final do jogo... A razão: o "Pacto de Varsóvia", onde Portugal fez aprovar todos os 3 pontos propostos à "mesa de negociações". 

Numa jogada a três toques, mais própria do voleibol do que do futebol, Ruben Neves serviu Bruno Fernandes, e este, qual distribuidor de costas para a rede, amorteceu para o "smash" triunfante de Bernardo.  Estava destruída a velha conhecida Solidariedade polaca, movimento de resistência que vem do final dos anos 80, precedeu o "Glasnost" e a "Perestroika" e teve Lech Walesa como grande impulsionador. Porque, antes, futebolisticamente falando, a Polónia não precisou de solidariedade nenhuma, teve jogadores de alto gabarito como Lato, Deyna, Boniek ou Szarmach e chegou a duas semi-finais de Mundiais (74 e 82), competições em que aliás fechou o pódio. Mas isso foram outros tempos, à Polónia actual falta qualidade além do óbvio Lewandowski e de Zielinski. Mas se o barcelonista é um goleador, o que dizer do nosso Cristiano Ronaldo, que após um slalom gigante de Rafael Leão que fez a bola estrelar no poste como se de um ovo se tratasse, mostrou às claras que tem um tempo de reacção de um jovem de 19 anos e continua a ser a gema mais preciosa do futebol mundial? Os polacos aplaudiram-no de pé, por cá há quem insista em dar-lhe umas caneladas para ver se com o traumatismo ele se vai embora... Bom, com o golo fomos para o intervalo a ganhar por 2-0, um resultado escasso para a melhor exibição da era de "Bob, O Construtor" e que apenas se justificou pelo sortilégio do ferro (desvio de Ronaldo para a barra) e por uma parada do outro mundo de Skorupski que não carimbou um remate de Bruno que levava o selo de golo. Na nossa baliza, só um recorrente mau cálculo de Diogo Costa na saída dos postes a um cruzamento por alto constituiu um momento de calafrio. 

No segundo tempo a toada de jogo manteve-se e Ronaldo teve nos pés o terceiro, mas num momento de raro altruísmo preferiu servir Bruno para um desperdício inglório. CR7 foi poupado para a Escócia e foi já do banco que assistiu ao golo polaco, nascido de um toque infeliz na bola por parte de Ruben Neves. Portugal tremeu um pouco, mas Jota acelerou e logo os polacos tiveram dificuldade em o acompanhar. Até que Nuno Mendes, o melhor em campo, subiu pela esquerda e pretendeu oferecer o golo à moto Jota. Na ânsia de acompanhar o movimento, o polaco Bednarek despistou-se e introduziu a bola na sua própria baliza. 

Mais 3 pontos para Portugal, que poderá já na Escócia carimbar matematicamente o passaporte para os quartos de final da Liga das Nações, assim vença o seu desafio e a Polónia não ganhe à Croácia. Perder em Glasgow é que seria uma gaita (de foles)...


Tenor "Tudo ao molho...": Nuno Mendes 

23
Set24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

It's getting Harder


Pedro Azevedo

Havia várias hipóteses para o título desta crónica. Por exemplo, "O amor é fogo que Harder sem se ver", além do trocadilho armado ao chico-esperto, dar-lhe-ia o elo emocional da paixão que caracteriza a ligação dos adeptos ao clube. Porém, Camões e os seus contemporâneos desconheciam que o metanol também arde sem se ver, o que poderia ser redundante. Além de que em tempo de calamidade provocada pelos incêndios, de homenagem aos bombeiros e de solidariedade com todos os que perderam a vida ou bens materiais (neste último caso, como a D. Maria Elvira, ontem pela primeira vez no José Alvalade), qualquer referência associada a fogo, ainda que puramente metafórica, poderia ser visto como de mau gosto. Depois, pensei em "We try Harder", um toque internacional num clube com nome próprio inglês e apelido Portugal. Mas é um slogan bem conseguido da Avis e eu não quis confundir entradas de carrinho com alugueres de automóveis. Foi então que me surgiu o "It's getting Harder" (para os futuros adversários, claro, já consumidos pelo "pesadelo" Gyokeres e na iminência de levarem com um clone). Sem prejuízo de que a Pfizer possa ter encontrado aqui um reclame e um rosto para aquele produto que dilata o fluxo sanguíneo de um certo órgão que não o da igreja, embora já se tenha ouvido o órgão e o sino a rebate de igreja por causas relacionadas com mortes em que o falecido utilizador se apresenta de coração cheio e um sorriso na boca. 


Ontem, o Sporting jogou contra um clube que ninguém sabe exactamente como se chama e poucos têm a noção de onde mora. É verdade, nas televisões oscilam entre chamar AVS ou AFS a este clube com nome de empresa feita no hora (nomes como "Universo Lúdico", "Vibrante e Radiante" ou "Transverso Litoral" não deveriam estar disponíveis). "It's sad!" - diria algum inglês com disposição para a ironia... Mas há mais!!! É que esta SAD liderava um clube de Vila Franca e agora migrou para Aves, a 320 Km de distância. Será que os seus adeptos vilafranquenses são basculantes e gastam 6 horas (ida e volta), duas vezes por mês, para acompanhar a equipa? Ou pensam que isto assim é uma tourada, e para tourada toda a gente sabe que não vale a pena sair de Vila Franca? 

Sem Pote e sem Edwards que o substituísse, Ruben Amorim optou por "lançar Conrad Harder às feras". Quer dizer, fera é o Harder e por ser leão mais ainda, mas isso ainda estava no segredo dos deuses (do Scouting). Não tardou porém a não ser segredo para ninguém, nomeadamente para os jogadores daquela coisa (com nome) em forma de assim (ou assado) - obrigado, O'Neill -, que doravante não pararam de suar as estopinhas. Pelo que não tardou a sentir-se a influência do dinamarquês: primeiro, num remate de pé esquerdo que inaugurou o marcador; segundo, numa assistência para Gyokeres que dilataria o resultado, após um inicial desarme de Hjulmand (uma verdadeira invasão Viking à área do... "coiso"). 

Se o Harder deu o mote, logo o Gyokeres não quis ficar atrás. Marcou o segundo golo da noite e desatou a correr como se não houvesse amanhã e eternos fossem o seu coração e alvéolos pulmonares. Ora, quando o sueco está nesse modo, o que acontece dia sim, dia sim, o melhor é saírem da frente. A sorte do... "coiso" foi que o árbitro também pareceu ser feito na hora, primeiro não assinalando um penalty por braço na bola na sequência de um cabeceamento de Harder, depois negando duas faltas perigosas cometidas sobre o nosso Vik Thor. Ainda assim, pelo meio, o Gyokeres teve tempo para amortecer a bola no peito para o Trincão e depois fazer um sprint para agradecer a recepção e disparar um tiro indefensável até para o mítico Ochoa que defendia a baliza da "instituição", algo que motivou um comentário bem-humorado ao excelente comentador que é o Pedro Henriques, que afirmou que "qualquer dia o Gyokeres marca um canto e finaliza ao primeiro poste". Porque o homem é omnipresente, um deus dos estádios. Tanto que pode não valer o preço de 100 milhões para o mercado, mas, para nós, o seu valor intrínseco é certamente muito maior. Quanto valem 3-4 temporadas na Champions e uma possível qualificação para o Campeonato do Mundo de clubes? E quanto ajuda o Gyokeres a valorizar o restante plantel? Ah, pois é !!! E já nem falo da valorização da marca Sporting como um todo...

 

Tempo ainda houve para Fresneda e Esgaio jogarem uns minutos e para Maxi mostrar ser um bom jogador. No fundo, houve tempo para tudo, menos para o... "coiso" chutar à baliza, cortesia da pressão dos jogadores do Sporting que tanto gosto deu certamente a Amorim (e a este adepto) ver. 

Mais uma vitória, liderança reiterada do campeonato, venha o próximo. Que será o Estoril... É para ganhar, com certeza, que não queremos "canarinhos na mina de carvão" que a imprensa logo trataria de criar para dizer que a este leão lhe faltou o oxigénio. 

Tenor "Tudo ao molho...": Gyokeres (Harder seria uma excelente alternativa). 

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18
Set24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Euclides, Higgs, Thor e o Cisne juntos numa rapsódia verde


Pedro Azevedo

O professor Manuel Sérgio, primeiro, e José Mourinho, mais tarde, defenderam em tempos a ideia de que quem só percebe de futebol, nada sabe de futebol. Pensei ontem nisso enquanto observava as movimentações do trio de ataque do Sporting: a  riqueza do futebol do Sporting deve muito à diversidade da sua linha avançada, que harmoniosamente mistura rectas e curvas, balanceando os ângulos rectos inscritos a alta velocidade por Gyokeres com as hipérboles e parábolas descritas por Pote e as espirais verticais desenhadas por Trincão. Não é só futebol, é também geometria euclidiana pensada e potenciada pelo professor Amorim na Academia de Alcochete e depois aplicada ao futebol. Porque o Rúben não percebe só de futebol, e por isso, ainda que aqui e ali errando como qualquer um de nós mas aprendendo com os erros mais depressa do que a maioria, sabe tanto de futebol. 

Para se entender como chegámos a este "estado de arte" é preciso primeiro perceber que temos um génio entre nós. Porque, se agora há um Gyokeres, que nos facilita bastante o cumprimento de multiplas tarefas, é forçoso não esquecer que tudo começou com Sporar. E, ainda assim, fomos igualmente campeões, conseguindo desse modo gerar os primeiros recursos financeiros que estiveram na origem de um crescimento futebolístico que nos trouxe aqui. Tê-lo feito com Sporar como ponta de lança, um homem tão avesso ao golo que simultaneamente capaz de desafiar o princípio da impenetrabilidade da matéria e de criar uma crise de ansiedade num monge tibetano, foi um perfeito milagre. Como milagre é o ser humano, quase 100% de vazio que submetido a um campo magnético liberta uma partícula dita de Deus (Bosão de Higgs) que faz com que o seu corpo se adere como uma tela esponjosa e ganhe uma massa. O nosso corpo sim, o de Sporar ("O Gozão de Higgs") não, daí a bola sempre ter insistido em lhe perpassar o corpo como se do vazio se tratasse e ele fosse somente um holograma. Pelo que para se entender o salto quântico que o nosso futebol deu, basta comparar esse Sporar com o actual Gyokeres... (Agora que tanto se fala virtuosamente sobre os nossos trios, de centrais, avançados ou mesmo Vikings, convém não esquecer que imediatamente antes de Amorim os trios eram tão mal vistos que um deles até passou à história como "Os Três Tristes Trincos".)

 

Ontem recebemos o Lille, o clube mais emblemático da cidade com o mesmo nome que era a capital da antiga região administrativa de Nord-Pas-de-Calais, a mesma que ostentava um leão rampante como símbolo. Havia portanto algum irmandade, ainda que remota, entre Sporting e Lille, e não apenas no que concernava ao idêntico sistema táctico usado por ambas as equipas. 

O Sporting entrou no jogo como um caloiro no primeiro dia de aulas, reservado e assim procurando não dar muito nas vistas. Mas é impossível disfarçar um "elefante numa loja de porcelana", pelo que cedo Gyokeres deu sinais de não estar cómodo com o status-quo. Daí até ao intervalo, Vik Thor Gyokeres não parou de fazer estragos: primeiro assistindo Pote na cara do golo, depois com um passe de chicuelina que tirou 3 adversários do caminho e culminou com um tiro indefensável que inaugurou o marcador, finalmente provocando a expulsão de Angel Gomes, filho do Gil que foi campeão do mundo de juniores por Portugal, em Lisboa. 

Em vantagem no marcador e a jogar em superioridade numérica, o Sporting foi trocando a desconfiança pela crença, paulatinamente regressando ao tipo de jogo que vem caracterizando o início desta época. A pressão a meio campo finalmente tornou-se efectiva e houve então espaço para as arrancadas fenomenais de Gyokeres. Numa delas, a bola sobrou para Bragança, que ao intervalo substituíra o amarelado Morita (um amarelo num amarelado nipónico só por si já seria redundante, pelo que o Amorim assustou-se e evitou vermelho ficar... de raiva). O Daniel então tocou para o lado e o que aconteceu a seguir mereceria uma crónica à parte: Debast, patinho feio na Supertaça, foi o cisne que cantou o fim dos franceses, para tal recorrendo a uma raquetada na bola, qual Passing-Shot, que deixou Chevalier pregado no chão enquanto a bola se anichava no ângulo superior esquerdo da sua baliza. 

Até ao fim do jogo, Quenda e Gyokeres poderiam ter ampliado o marcador, ambas as tentativas goradas por "péquenos" pormenores: o pé trocado do jovem da nossa Formação e o pé milagroso de um francês que milimetricamente desviou o remate do sueco do alvo. Tempo ainda para Israel brilhar, cortesia do seu compatriota Maxi que ainda não teve tempo para ler o guião completo que dita as linhas com que se cose o fio de jogo do leão. 

Sem ser brilhante, o Sporting entrou com o pé direito nesta edição da Champions. Seguem-se 2 jogos fora que é imperioso ganhar, no Phillips Stadium (Eindhoven) e em Graz. Depois, a confirmarem-se essas vitórias, todos seremos José Torres a reclamar que nos deixam sonhar. Sim, sonhar, a forma natural de contornar a velha máxima de Ortega y Gasset, de que "O Homem é o Homem e as suas circunstâncias". 

Tenor "Tudo ao molho...": Vik THOR Gyokeres

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16
Set24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

O Limão-Mecânico


Pedro Azevedo

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Após o interregno necessário para o senhor Martinez (e todos os outros "senhores Martinez" das diversas selecções, ainda que na sua grande maioria muito menos bem renunerados) amortizar em trabalho de campo, e, no caso particular, na recuperação de salvados, uma pequena parte da bagatela dos 4 milhões de euros brutos anuais que a imprensa dá conta de ser o seu salário, regressou a Primeira Liga. O Sporting, líder do campeonato, visitava Arouca, pelo que o tema da semana andou à volta de como se poderia parar Gyokeres e, por conseguinte, o Sporting. O assunto logo à partida não mereceria o ruído que se fez à sua volta, pelo simples facto de que a única forma de evitar que Gyokeres faça estragos ser assegurar que ele fique em casa (e, ainda assim, acorrentado, pelo sim, pelo não...). Além de que levantava um problema: se todos os recursos tivessem de ser alocados ao sueco, que estragos poderiam fazer Pote ou Trincão? No fundo, a velha história da manta curta que ao cobrir os pés destapa a cabeça.  E foi exactamente da cabeça de Pote que nasceu o primeiro golo dos leões, em lance principiado por Gyokeres e continuado por Trincão. Confúcio um dia disse-nos que se um problema tem solução, então devemos concentrarmo-nos na solução, mas, se o problema não tiver solução, nesse caso não haverá razão para nos preocuparmos. Como o problema não tinha solução, os arouquenses iam trocando a bola desde trás, à espera que depois um milagre colocasse a bola num local promissor para um dos seus avançados facturar, mas Cristo foi ser profeta para outra freguesia (Arábia Saudita) e sem ele não houve o milagre da multiplicação dos lances ofensivos arouquenses. Nesse transe, o Sporting foi pressionando cada vez mais o Arouca, asfixiando o seu adversário: um auto-golo a nosso favor foi anulado pelo VAR por uma margem que seria desprezível para o John Holmes. Mas o que o VAR tirou com uma mão deu com a outra, mais uma vez na sequência de uma cabeçada de Pote que embateu num dos membros superiores do japonês Fukui. Chamado a converter, o Vik Thor Gyokeres mandou o guarda-redes para o vazio e a bola na direcção dos 3 pontos. Para o trabalho dos 3 Mosqueteiros ficar completo, só faltava Trincão molhar o bico: eis então que Gyokeres serviu um apoio frontal a Bragança e este logo meteu a bola em Trincão. O que aconteceu a seguir foi um momento de pura magia, em que dois arouquenses procuraram fechar o espaço e o ex-culé não lhes deu tempo, concluindo de forma indefensável. 

A mecanização do futebol do Sporting tem sido insustentável para os nossos adversários. Qual Limão-Mecânico, as rotinas de jogo do leão são altamente aromatizadas e vêm--se revelando amargas para os nossos sucessivos opositores, que têm sentido que a nova pele do leão tem casca dura e é bem difícil de roer. Segue-se o Lille, e com ele a possibilidade de internacionalizar este limão português que em boa hora Amorim desenvolveu num limoeiro mágico sito em Alcochete, local onde não se anda (ainda) propriamente a ver passar os aviões. 

Tenor "Tudo ao molho...": Francisco Trincão 

01
Set24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

São Gyokeres contra o Dragão


Pedro Azevedo

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A percepção muitas vezes não corresponde à realidade. Umas vezes porque está errada, outras porque a própria realidade está prestes a mudar (e a percepção só reage após o facto consumado): na antecâmara do jogo, o Sporting ia defrontar um treinador invicto de um clube da cidade invicta, uma espécie assim de invicto ao quadrado, que de sinergias se espera um efeito multiplicativo e não só a soma das partes - Essa era a realidade. Depois, entrava a percepção: a de que o Porto seria imbatível, que "Não há duas sem três" e os últimos 2 jogos haviam pendido por sortilégio para eles, o último de forma particularmente insólita e, pensava-se, traumatizante. Tal alimentava a lenda, o mito do dragão. Só que a essa percepção faltou um elemento: São Gyokeres. Igualmente lenda, no caso da mitologia leonina, este Gyokeres não veio da Capadócia e logo demonstrou não ser súbdito romano pela forma como desmontou um adversário com nome de imperador (Otávio). Mas foi ele que primeiro apontou a lança ao pescoço do dragão e depois matou as suas aspirações, criando assim uma nova realidade. 

 

O Porto começou forte, confiante no seu tiki-taka a meio campo, seguro da sua superioridade numérica nessa zona nevrálgica do campo. Mas depois o Sporting foi apertando as marcações, reduzindo os espaços, enlaçando o Porto num torniquete que só estrategicamente em alguns momentos se aliviava. Morita comandou essa revolta leonina, bem secundado pelo estratega militar de Ruben Amorim, o Pedro Gonçalves, o popular Pote, um mártir ou Santo Contestável (às mãos de Roberto Martinez), um rapaz proveniente da República do Alto Tâmega e recém-naturalizado (desde Sexta-feira) português. Com o decorrer do tempo, contida a aventureira epopeia portista, os dois, com o imprescindível apoio de Gyokeres, foram também encontrando os espaços no ataque e criando oportunidades para os colegas. Trincão, o jogador que para ser compreendido não dispensa a consulta do almanaque Borda d'Água, desperdiçou a sementeira e nada colheu. E fomos para o intervalo empatados, num jogo de futebol que bastas vezes imitou outros desportos: houve jogadas em cabines telefónicas que replicaram o futsal e a placagem de Varela sobre Trincão teve resquícios de rugby, vela (Trincão ia à bolina quando levou com a retranca portista) e bowling (no fim, três pinos no chão). 

O Gyokeres ameaçou no início do segundo tempo: o argentino Varela negou-lhe o golo em cima da cal que divide o sucesso do inêxito. O sueco voltaria à carga num lance em tudo idêntico ao duelo com Otamendi da época transacta: Otávio não se conteve, quis igualmente adivinhar a charada antes do tempo, falhou e ficou de fora. A emenda subsequente foi pior que o soneto: penalty, cartão amarelo e 1-0 para o Sporting. [O Gyokeres parece que voa baixinho sempre que perto de si há um(a) OTA.]

 

A partir daí o Porto só poderia voltar ao jogo através de uma bola perdida na área ou cabeceamento mortal. Consciente disso, o Vitor Bruno ainda lançou o Fran Navarro e o gigante Samu, mas a defesa de anti-aérea dos leões mostrou-se impenetrável à medida que o jogo caminhava para o fim. Com o tempo a escoar-se, espaços nas costas portistas apareceram com mais frequência. Bola então para o Geny bolinar a partir da direita e rematar com a canhota: o Diogo Costa lançou-se, esticou-se, cresceu em envergadura mas não o suficiente para parar o que não tinha defesa. O Estádio quase veio abaixo, a vitória seria nossa e já nada a poderia impedir. Agora será tempo de seleções. Entretanto, a liderança (do campeonato) assenta-nos muito bem, real e percepcionadamente. 

Tenor "Tudo ao molho...": Gyokeres (o "Vitór")

25
Ago24

Tudo ao molho e fé em Gyökeres

Entre o neo-realismo de Gyokeres e o existencialismo de Edwards


Pedro Azevedo

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Por motivos logísticos, essencialmente relacionados com a capacidade de armazenamento de golos, o Farense trocou o acanhado São Luís, em Faro, pelo mais amplo Estádio do Algarve, em Loulé. E o que se pode dizer é que as previsões farenses bateram certo porque Gyokeres e companhia só por uma ocasião (auto-golo) deixaram os seus créditos por mãos alheias (no caso, uma cabeça). 

Cedo a vertigem de passe e repasse Sportinguista, em progressão constante, deixou os algarvios almareados. E foi com esse enjoo que viram Gyokeres, uma e outra e ainda outra vez, abanar as redes de Ricardo Velho, que por acaso até é jovem, qual espécie de Plínio dois-em-um, ou não tivesse ele revelado a sabedoria para ser eleito o melhor guarda-redes da Primeira Liga da temporada 2023/24 ou sido suficientemente crítico da extravagância a ponto de evitar que os números finais tivessem de ser representados em potência de base igual a 2 e expoente igual a 3. 


Como em qualquer bolo bem confecionado, faltava a cereja no topo. Eis então que surgiu Edwards, O Existencialista. E lá pegou na bola a meio campo, naquele seu estilo sisudo, de quem se questiona sobre de onde veio e para onde vai, o que faz aqui, e nesse jeito vai procurando respostas pelo caminho. No fundo, alguém que no seu existencialismo se opõe a um Camus, que escolheu a solidão de dois paus e de uma barra para melhor chegar a conclusões (foi guarda-redes de uma equipa argelina). Bom, a verdade é que o Edwards deve ter encontrado respostas e com isso formulado uma tese. E como, para seu conforto, do lado dos algarvios não apareceu nenhum discípulo de Hegel capaz de apresentar uma antítese, foi andando e tirando adversários do caminho até marcar o golo. Uma jogada Maradoniana na sua forma, à qual não faltou conceptualmente a mão de Deus que despertou Edwards da sua letargia e lhe iluminou o caminho. 

3 jogos, 3 vitórias, 14 golos marcados e finalmente uma "clean sheet ", haveria melhor maneira de com confiança preparar o Clássico que aí vem? 

Tenor "Tudo ao molho...": Gyokeres. Menções honrosas para Morita, o maestro, e Quaresma, um outrora obscuro subsecretário de estado que se propõe para Ministro da Defesa. 

02
Jul24

Tudo ao molho e fé em Deus

O Anjo de Guarda(-redes)


Pedro Azevedo

Não estou a gostar muito deste Europeu de andebol de 11 que se está a disputar na Alemanha. Na televisão só oiço falar em basculação e pontas invertidos. E não vejo profundidade, se calhar para evitar violações da área dos 6 metros ou ainda mais crateras na relva do que aquelas que ontem foram bem visíveis em Frankfurt (este termo da "profundidade" irrita-me e deveria também irritar o Júlio Verne nas suas 20.000 Léguas Submarinas). Como é regra, o pivô (Ronaldo) é quem tem levado mais pancada. Não se estranha. O que surpreende é que a maior carga de pancada venha dos estúdios (comentadores) e não dos estádios (jogadores adversários), mais uma originalidade lusa...

 

Depois de uma fase de grupos dada largamente à experimentação, hoje começou o mata-mata. Do outro lado estava a Eslovénia, pátria de Pogacar e Roglic, o que só por si era sinal de que teríamos de dar muito ao pedal. E demos, durante 120 minutos (mais penáltis). É certo que poderíamos ter abreviado o sofrimento quando Jota ligou a moto e 4 eslovenos já não tiveram pedalada que lhes valesse, optando então por o deixar apeado, mas Oblak e o poste negaram o golo de penálti a Ronaldo. Mas também não é mentira nenhuma que quando Pepe atingiu o seu ponto de saturação, Sesko seguiu isolado para a nossa baliza e só Diogo Costa manteve-nos no jogo. Na altura ainda não sabíamos, mas o Diogo estava só a aquecer para o que viria a seguir...

 

O que veio a seguir foi a marcação de grandes penalidades. O acto em si foi precedido por um protocolo: Ronaldo escolheu a baliza, que se encontrava à frente do sector onde se concentravam os adeptos portugueses, e Oblak determinou que seria a Eslovénia a primeira a bater. Durante a semana ouvimos várias análises que procuravam desmontar o jogo esloveno. Não foram análises quaisquer ou centradas unicamente na questão táctica. Nada disso, tanto foi dito que o Oblak era o melhor guarda-redes do mundo como que o Ilicic havia recuperado recentemente de uma depressão. Pensei nisso quando o vi partir para a bola. Mais sensível aos problemas de saúde mental dos portugueses, o Diogo voou para a bola e nesse vôo foi acrescentando centímetros aos seus braços até conseguir conectar com a bola. Agora caberia a Ronaldo tentar de novo adiantar-nos no marcador. O facto de Ronaldo ter assumido a marcação do nosso primeiro penálti revela bem o campeão que é. Poderia ter-se guardado para a quinta penalidade, que nem necessária poderia vir a ser, mas não. E então vimo-lo a inspirar fundo, o que não fizera aquando do penálti que bateu no prolongamento, e a desferir um remate perfeito, na força e colocação, que só parou na malha lateral da baliza de Oblak. Seguiu-se um esloveno, de novo um canhoto. Pensei que o Diogo se atirasse para o mesmo lado da penalidade de Ilicic, mas por instinto ou estudo prévio optou por mudar. E defendeu, novamente em grande estilo. Pelo que Bruno Fernandes, o senhor que se seguiu, tinha nos pés a possibilidade de dilatar a nossa vantagem. O Bruno partiu para a bola e o Oblak pareceu ter ficado com os pés colados à relva: 2-0 para Portugal !!! Veio então um destro esloveno, certamente para variar. Só que o Diogo voltou à primeira forma e acreditou no remate cruzado, acabando por sair-lhe o bilhete premiado. Apos 3 defesas do nosso guarda-redes a 3 remates eslovenos, Bernardo Silva tinha a possibilidade de acabar com o nosso sofrimento. E não a desperdiçou, mandando Oblak para a sua direita enquanto a bola seguia no sentido oposto. Portugal qualificava-se para os quartos.

 

Portugal foi melhor durante o tempo regulamentar mas teve sempre difiuldade em entrar no bloco esloveno. As excepções foram uns raids de Leão e de Nuno Mendes, este último um sério candidato a melhor em campo não fora Diogo Costa ter aberto o livro, perdão, as asas. Por isso estranhou-se a substituição de Leão por Conceição e a verdade é que a equipa caiu. Todavia, a velocidade e classe de Jota - será necessário um manifesto popular para que Martinez lhe dê a titularidade? - acabariam por proporcionar a Cristiano Ronaldo duas soberanas oportunidades não concretizadas. E lá fomos para os penáltis. Uma palavra para a Eslovénia, uma equipa sempre muito agressiva em cima da bola, contrariando a ideia de ser orientada por um treinador queque (ou Kek).

 

Numa noite de grande suor e muitas lágrimas, a emoção começou ainda antes do apito do árbitro para o início da partida quando a UEFA permitiu que fosse concedido 1 minuto de silêncio pela morte de Manuel Fernandes. E que estreia no Céu teve o nosso Manel(!), qual anjo de guarda(-redes) que acredito tenha encantado o nosso Diogo. É o que se chama entrar pela porta grande de São Pedro, que nenhuma outra além da 10A estaria de acordo com o jogador e Homem que foi. Ou é, que pessoas assim não morrem efectivamente, são eternas. Simplesmente, ascendem para verem ainda melhor e assim zelarem altruísticamente por nós (mas não abusem). 

 

Tenor "Tudo ao molho..." Diogo Costa, "O Homem Alado". Nuno Mendes, Palhinha (excelente segunda parte), João Cancelo, Rúben Dias, Vitinha, Jota e Leão estiveram em bom plano. Curiosamente, Bernardo, Bruno e Ronaldo, pouco inspirados durante o jogo, foram decisivos nas penalidades finais. 

Portugal ainda procura o rumo mas pelo menos sabe que está em mãos seguras (crónica)

27
Jun24

Tudo ao molho e fé em Deus

Georgia on my mind


Pedro Azevedo

A primeira vez que ouvi falar na Geórgia foi pela voz de Ray Charles, que cantava que o estado americano, de que aliás era nativo, lhe tinha ficado para sempre na memória. Afinal, vim a descobrir mais tarde, havia outra, produto da desagregação da antiga União Soviética, com cidadãos com nomes como K V A R A T S K H E L I A, e outros do mesmo género, que só estava habituado a ler aquando das visitas ao oftalmologista. Essa "nova" Geórgia tornar-se-ia posteriormente uma minha velha conhecida através do rugby, ainda que tal conhecimento dificilmente pudesse ser caracterizado como agradável face às sucessivas derrotas impostas pelos georgianos aos nossos "Lobos". Pelo que o jogo de ontem se afigurava como de vingança por anos de provações que me deixaram com um "melão", que é metáfora que se aplica perfeitamente a uma modalidade em que a bola tem uma forma oval. 

Na antecâmara do jogo entrevistaram o melhor comentador das televisões portuguesas, o Professor Marcelo. Este logo considerou como muito inteligente a escolha do Onze titular e eu fiquei imediatamente de pé atrás. É que há um certo paralelismo entre Roberto Martinez e o Professor Marcelo, na medida em que ambos partilham o enorme desejo de afirmar ao mundo a sua imensa inteligência, nem que para tal seja necessário recorrer à... invenção (a vichyssoise do senhor Martinez chama-se "flexibilidade táctica"). E assim lá regressou a Geringonça (3-4-3) com os problemas do costume, ou seja, menos centro (só Palhinha e João Neves) em função de uma redobrada influência da extrema esquerda (Pedro Neto). A coisa já havia dado maus indicadores no passado, por pouco não nos levando a um checo-mate, mas o experimentalismo, tentação pelo abismo e a procura de afirmação de genialidade por parte do nosso seleccionador conduziram-nos de novo para esse buraco negro. Mudando-se novamente de sistema, quando a anunciada entrada de muitos jogadores até aí pouco ou nada utilizados recomendaria uma estrutura sólida em campo à qual se pudessem agarrar. Não havendo um sistema sustentado, Martinez pensou no individual. E lançou Diogo Costa, Palhinha e Ronaldo como tábuas de salvação. Só que não chegou: Diogo nada pôde fazer nos remates que deram os golos, Palhinha estava a ser o nosso melhor em campo mas foi substituído ao intervalo e Ronaldo teria dado o tempo por mais bem empregue com a Georgina do que com os georgianos. Pelo que a estratégia (?) redundou em fiasco absoluto. 

 

O sistema não era bom, havia muitos jogadores novos, mas Portugal tinha um trunfo: a Geórgia precisava de atacar para tentar vencer e assim garantir o apuramento para os oitavos de final. Pensava-se, por isso, que Portugal entraria no jogo de forma prudente, esperando pela iniciativa georgiana para melhor apanhar o adversário no contra-ataque. Mas António Silva fez um passe para trás sem olhar, Danilo viu Inácio acompanhar o jogador da Geórgia portador da bola e não endireitou a sua trajectória na direcção de Kvaratshkelia, António Silva perdeu em velocidade com este e a bola terminou dentro da baliza de Diogo. A perder, Portugal viu-se obrigado a ir atrás do prejuízo. Só que a velocidade de circulação de bola foi lenta e a ideia de pôr Felix entre-linhas não funcionou de todo, pelo que Ronaldo quase não teve bola, destacando-se apenas num livre directo, em dois remates bloqueados miraculosamente por defesas georgianos e numa tentativa de cabeceamento que António Silva (sempre ele) antecipou e se perdeu sem glória. 

Para o segundo tempo o Palhinha foi poupado a um amarelo, entrando Rúben Neves para apanhar o... amarelo. O resto foi mais do mesmo, com um golo saído dos desenhos animados a condenar definitivamente os portugueses: Diogo Costa colocou a bola num georgiano a fim de evitar um canto, João Neves cortou mas passou curto para António Silva e este chegou mais cedo ao pé de um adversário do que à bola e cometeu penálti. Até ao fim ainda entrou Gonçalo Ramos para o lugar de Ronaldo, mas o problema estava a montante e não a jusante e assim continuou. 

 

Portugal perdeu e bem e agora urge recuperar psicologicamente o jovem António Silva. O melhor do jogo foi a poupança de jogadores nucleares como Rúben Dias, Pepe, Nuno Mendes, Bernardo ou Bruno Fernandes, o pior foi a insistência num sistema táctico que no espaço da Selecção tem muito pouco tempo para ser aprimorado. Claro, o seleccionador poderia ter obviado esse problema recorrendo a jogadores do Sporting (actuais e antigos) que estão perfeitamente identificados com esse sistema e dinâmicas inerentes, mas Pote, Nuno Santos e Trincão não foram convocados, Matheus teve pouco tempo de jogo e isso diz muito sobre a consistência (ou falta dela) das ideias e escolhas do senhor Martinez. Venha então a Eslovénia e com ela uma nova revolução. É a flexibilidade táctica, senhores. Vai mais uma voltinha na montanha russa ??? Atenção que pode ser a última...

 

Tenor "Tudo ao molho...": João Palhinha

georg.jpg

22
Jun24

Tudo ao molho e fé em Deus

Experiência superada


Pedro Azevedo

Cada jogo de Portugal é uma nova experiência para Roberto Martinez, uma oportunidade de (re)inventar o futebol. O problema é que se inventar o futebol fosse sinónimo de ganhar, a Inglaterra teria vencido todos os Campeonatos do Mundo e da Europa em que participou e não apenas o Mundial de 66 que organizou e onde, quiçá em nome da Aliança celebrada em 1386 (Tratado de Windsor), contou à última hora com o beneplácito português de passar a meia-final de Liverpool (Goodison Park, nosso Quartel-General) para Londres (Wembley). Toda a gente sabe que no futebol a componente física é importante, mas a química que se estabelece entre os jogadores também o é. Vai daí, o Roberto Martinez mete a equipa toda num tubo de ensaio dentro de um laboratório e depois vai combinando aleatoriamente, 11 a 11, diversos reagentes à espera que dessa mistura saia o produto da solução ideal. Depois, a fim de sinalizar que a reacção se está a produzir, usa muito o azul (de tornassol) como indicador. Só que às vezes no aquecimento, não necessáriamente com o Bico de Bunsen, já se vê que a coisa vai correr mal, libertado-se gases tóxicos que após exposição prolongada podem conduzir a alucinações intermitentes e até a um lacrimejar pungente. Foi até certo ponto o caso do ocorrido contra a Chéquia, embora as lágrimas tenham sido contidas num ultimo momento. No fundo, no fundo, o senhor Martinez é o Panoramix dos tempos modernos, com a diferença que onde o druida gaulês apostava na melhoria do rendimento individual (poção mágica), o espanhol procura a reacção em cadeia, nem que para isso tenha primeiro de fazer explodir o laboratório e depois ver-se obrigado a levar os jogadores à vez para dentro de um caldeirão a ferver até encontrar os 11 reagentes que combinem idealmente entre si. Era porém sabido que, tal como os ponteiros de um relógio parado, que num determinado jogo a hora iria bater certo. A interrogação que se colocava era se essa hora viria ainda a tempo. Nesse impasse, chegou o jogo com a Turquia... 

 

Para o jogo com a Turquia, Bob Martinez recorreu a Palhinha. Ora, Palhinha é como diz o anúncio da Savora: com ele, toda a comida melhora. Depois, trocou a geringonça táctica do jogo com a Chéquia por um onze mais próximo do que uma maioria absoluta de adeptos recomendaria, disposto em 4-3-3. Com os reagentes próximos do ideal (continua a ser incompreensível a exclusão de Jota) e na posição correcta, Portugal rebentou com a Turquia: Bernardo inaugurou o marcador no aproveitamento de uma bola perdida na área. Depois. o Autogolo, o melhor marcador de Portugal no Euro, fez o segundo. E, já no segundo tempo, uma desmarcação circular de Ronaldo foi acompanhada por um passe açucarado do capitão português para Bruno empurrar para o golo. Portugal venceu assim o jogo e o grupo, garantindo a qualificação para os oitavos-de-final. Com isso ganhámos tempo: de recuperação física dos mais utilizados, que deverão ser poupados com a Geórgia, e de rodagem de outros jogadores. Um tempo que no entanto não aquecerá nem arrefecerá a Pepe, cuja carreira não se rege pelo calendário gregoriano que todos nós seguimos, o que é o mesmo que dizer que o tempo não passa por ele. Pepe foi o eucalipto que faltou aos pupilos de Montella para submeterem os portugueses ao banho turco, acabando eles por entrar em burnout tantas foram as vezes que o central português lhes negou o caminho para o golo. 

E Martinez? William Blake dizia: "Como saberes o que é suficiente, se não souberes o que é demais?". Com a Chéquia, as suas opções foram demais, hoje, com o caldeirão a ferver, misturou muito melhor os ingredientes e regressou ao suficiente. Não foi demais, foi de mais. Muito mais. Portugal, olé , Portugal, olé!!!

 

Tenor "Tudo ao molho..": Pepe

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