Hegel disse um dia que a história se repete sempre. Se dúvidas houvesse sobre esta afirmação do filósofo alemão, o jogo com o Gil tirou-as de uma forma inequívoca. Retratando-o, à semelhança do que havia ocorrido na primeira volta, no relvado mais uma vez o Sporting se viu manietado na ligação entre os médios centro e os interiores, esteve em desvantagem no marcador e só melhorou após recorrer à largura que lhe proporcionou a alternativa do jogo exterior. Cá em casa, o ritual também foi repetido, entre picos de tensão a cada perda de bola nossa, mudanças estratégico/supersticiosas de sofá (o treinador de bancada e seus alhos à Oliveira...) e um desfibrilador sempre por perto não fosse a coisa no fim vir a dar galo.
Se a sensação de "déjà vu" esteve sempre presente como quartinho dos fundos no cognitivo dos Sportinguistas, a atenção imediata virou-se para a diversidade e plasticidade das formas geométricas que evoluiam no relvado, cuja riqueza merece o desenvolvimento que espero não Vos vir a maçar. Assim, se o Sporting iniciava a construção através de um pentágono formado por 3 centrais e 2 médios-centro, o Gil respondia com um triângulo que circunscrevia os nossos médios. E como muitas vezes os leões procuravam conduzir a bola pelo meio, a equipa de Barcelos, ciente de que Antunes dava pouca profundidade pelo lado esquerdo e como tal não era um factor de risco, fazia deslocar interiormente o seu avançado do lado direito para formar então um quadrado de pressão a emparedar a defesa e linha média leoninas. Já o avançado do lado esquerdo tinha uma outra missão: encostar à ala e assim procurar travar a progressão de Porro, de forma a que a linha de 5 defesas gilistas não afundasse no terreno e pudesse apertar por dentro quaisquer espaços entre-linhas que Pote, Paulinho ou Nuno Santos pretendessem explorar. Com tudo isto, a nossa circulação estagnou, reatando-se apenas nos fugazes momentos em que Matheus Nunes quebrava linhas de pressão em posse e combinava com o pivô do ataque ou que Porro conseguia fugir ao estrangulamento imposto no corredor e entrar em diagonais para o centro com o intuito de aplicar o seu forte remate. Para além de curto, este fluxo revelar-se-ia também ineficaz, porque Paulinho era apanhado em fora de jogo ou escorregava no momento da recepção da bola após o desequilíbrio estar criado, ou na medida em que não se pode esperar que pontapés de 30 metros entrem em todos os jogos. Para piorar a situação, se de uma perda de bola de Palhinha resultou um primeiro aviso que se consubstanciou numa dupla-oportunidade no mesmo lance para os gilistas, à segunda o Gil Vicente marcou mesmo depois de Feddal não ter alinhado por Coates e Antunes se ter esquecido de acompanhar a progressão do japonês que literal e lateralmente lhe "fugiu de moto" (Fujimoto). Com tudo isto, o Sporting ia para o descanso em desvantagem. Não porque a equipa não tivesse querido correr, ilusão que admito se tivesse momentaneamente instalado, mas essencialmente porque o bloqueio imposto pelos gilistas impedia que o Aston Martin leonino tivesse auto-estradas para acelerar.
Na etapa complementar tudo mudou. Desde logo porque Rúben Amorim ao intervalo acrescentou largura à equipa, baixando Nuno Santos para fazer todo o corredor. Também na medida em que essa não foi a única alteração estrutural, visto que a substituição de Neto por Inácio não foi apenas uma mera troca de defesas e teve como consequência uma melhor saída de bola pelo lado direito, que criou incerteza e permitiu a Porro libertar-se mais por esse flanco. Coincidentemente, o Gil baixou bastante as linhas, não sei se por falta de ousadia ou cansaço físico (a disponibilidade nesse capítulo da nossa equipa impressiona). Com o seu avançado pela direita a ter de se preocupar em fechar a ala das investidas de Nuno Santos, aos de Barcelos começaram a faltar entreajudas no meio. O Sporting começou então a construir 20 metros à frente. A pressão intensificava-se e Matheus, que conjuntamente com Porro até estava a ser um dos melhores mas já tinha um amarelo, saiu para entrar o Bragança. Com a sua qualidade de fintar e circular em cabines telefónicas, o jovem da nossa Formação ia atraindo gilistas ao centro para depois criar superioridade numérica nas alas ou jogo entre-linhas. Acontece que a desinspiração dos nossos avançados foi adiando o golo: Paulinho (por duas vezes), TT e Pote desperdiçaram 4 soberanas oportunidades. Desesperava-se pela entrada de um jogador como Jovane que trouxesse criatividade e imprevisibilidade na área, mas Rúben optaria por mais progressão na saída de bola pela esquerda (Matheus Reis, com pouco ritmo, por Feddal) e refrescamento do meio-campo (João Mário por Palhinha). E a verdade é que acabaria por ser feliz, empatando após a ressaca de uma pouco ortodoxa bola centrada de uma zona praticamente perpendicular à baliza e ganhando o jogo na sequência de uma bola parada. Na finalização de ambas, um defesa para o efeito investido de avançado-centro, "El Gran Capitán Barba Rossa". Na sua origem, o Porro, o tal jogador que, alternativamente a Paulinho, poderia ter saído para a entrada do cabo-verdiano (nessa circustância encostando-se TT à ala como na recepção aos gilistas, jogo em que terminámos com um WM), sortilégios que expuseram a gloriosa falta de certezas de um jogo de futebol em toda a sua essência.
Com esta vitória, o Sporting alargou para, respectivamente, 8 e 11 pontos a distância para Porto e Benfica. Num mundo normal isto seria um redobrado motivo de satisfação. Acontece porém que o futebol português e as suas polémicas têm um desvio-padrão significativo face à normalidade. Regressemos então à perspectiva hegeliana de que a história se repete e pensemos no caso Palhinha como a espada de Dâmocles outrora usada com êxito sobre Slimani. Aprendamos algo com isso e não nos deixemos desconcentrar. Porque, razão tem o Amorim, o foco tem de estar exclusivamente no "jogo a jogo". E só nisso. Por muito que doa a quem vá procurando semanticamente, semana após semana, novas formas (neste caso não-geométricas, mas cartesianas) de colocar a mesma pergunta: - "Lidera, logo é candidato?". Não, candidatos seremos sempre a ganhar... o próximo jogo. E, já agora, também, em casa, com umas ventosas (eléctrodos) ligadas ao Holter, a desembrulhar o desfibrilador...
Um bom dia para todos os Sportinguistas.
Tenor "Tudo ao molho...": o grande capitão Seba Coates. Já não tenho encómios e sobejam-me as emoções de cada vez que procuro descrever o apreço e gratidão que sinto pela sua conduta enquanto jogador e homem. Também ele me parece replicar os grandes capitães da nossa gloriosa história. A propósito, no fim do jogo gostei de ver o cabo(verdiano) Jovane abraçado ao seu capitão, sinal inequívoco do bom ambiente que se vive na "caserna".
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