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Castigo Máximo

De forma colocada, de paradinha, ou até mesmo à Panenka ou Cruijff, marcaremos aqui a actualidade leonina. Analiticamente ou com recurso ao humor, dentro ou fora da caixa, seremos SPORTING sempre.

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Castigo Máximo

19
Nov24

Tudo ao molho e fé em Ronaldo

Remar, REMAX (aos Chutos&Pontapés)


Pedro Azevedo

IMG_3511.jpegSabemos que o mundo é um lugar estranho quando, em pleno "Century 21",  Portugal vai a Split jogar contra a equipa da REMAX (Hrvatska, em croata). É a força da globalização e suas tendências, ainda que paradoxalmente as pessoas andem bastante mais separadas ("Split", na língua global) umas das outras, entretidas a brincar às casinhas. 

Portugal entrou com tudo, com João Neves a marcar o ritmo, Vitinha a esconder a bola, Tomás Araújo imperial com e sem bola e Nuno Mendes omnipresente como central pela esquerda, lateral ofensivo e extremo canhoto. Só o Rafael não apareceu no seu melhor,  no caso em versão emplastro Leão, o que rima com trapalhão (só na definição). O céu parecia ser o limite, o que até é, curiosamente, um slogan caro aos da REMAX, mas muita parra produziu pouca uva e ao intervalo vencíamos por apenas 1 golo de diferença, cortesia de João Félix e de um daqueles seus detalhes de génio da lâmpada que um dia (sebastianismo puro luso) lhe valeram uma transferência de 120 milhões. O problema do João é que o seu perfume requintado coabita num frasco de 25ml, esgota-se em pouco tempo. (Para quem vê o futebol como arte, o delicado entrelaçar de jogo que nasce no seu cognito e logo floresce nos seus pés capta a atenção como se de uma bela e complexa peça de filigrana se tratasse. Não é só o que se vê, é muito também o que se sente: o som perfeito que a bola emite quando por ele impelida, o perfume requintado derramado no acto, a intenção que quase conseguimos tocar latente em cada sua acção, a água que nos cresce na boca como que a pedir sempre mais. Tudo isto nos acontece porque Félix é um dos raros futebolistas que nos despertam os cinco sentidos. Porém, e apesar de todos os predicados, a carreira de Félix tem ficado aquém. Porque não só de talento se faz um caminho, é preciso trabalho, consistência e atitude mental. E é especialmente nesta última que as coisas falham.)


Depois de uma muito boa primeira parte, na segunda perdemos a objectividade: escondermos a bola passou a ser a meta, ao invés de continuarmos a procurar o golo. Foi assim um tempo de espera: esperámos pela REMAX e esperámos por Godot. É normal em Portugal se esperar por Godot, os portugueses estão habituados a esperar e suspirar até por aquilo que nunca vem. Talvez por isso não reajam bem a quem entrega o que promete, gente como o Cristiano Ronaldo e assim, que como tal nem sempre é bem-vista ou bem-quista. No dia, o nosso Godot chamava-se Quenda, Geovany Quenda, e não havia noticiário prévio ao jogo que não anunciasse a sua estreia oficial pela Selecção, estreia essa que bateria o recorde de precocidade pertencente a Paulo Futre. O problema é que, tal como na peça de Beckett, o Quenda nunca chegou. Na antecâmara do jogo haviam 4 potenciais estreias lusas. Dessas quatro, a do Tomás Araújo logo se confirmou (foi titular). Depois entraram o Tiago Djaló, recém-titular de uma defesa do Porto que mete mais buracos que uma balsa a remos de dissidentes cubanos prestes a naufragar ao largo da Flórida, e o Fábio Silva, que anda de clube em clube a ver se alguém lhe dá a mão (ou, pelo menos, lhe mostrem as palmas das mãos, "Las Palmas"). Já foi "Ranger" e até vestiu a pele de Lobo (Wolves), mas quem lhe deu verdadeiramente a mão veste a pele de cordeiro (Martinez). Pelo que o Quenda foi o único que não saiu do banco, dali ficando a ver todas as expectativas criadas pelo próprio Seleccionador gorarem-se, frustrarem-se, o que já não é a primeira vez. Ainda que vendo o Semedo facilitar no golo da REMAX, um golo muito antecipado como outros no passado que resultam da inação face aos acontecimentos tão comum ao nosso Seleccionador, o homem que desperdiçou a melhor geração belga desde a ínclita dos anos 80 e se prepara para fazer o mesmo, se lhe derem tempo, com Portugal. Como também já é um hábito, o Trincão não saiu do banco, passou de afluente no último jogo a não influente neste, o que ilustra bem a (in)coerência de consistência das decisões do treinador. Tudo isto, porém, obedece a um plano estratégico genial por parte de Roberto Martinez, o melhor aliado do Sporting no presente campeonato: é que os nossos jogadores saem da Selecção com tanta fome de bola que depois comem a relva nos compromissos domésticos. Creio que assim deveremos estar muito agradecidos ao Sr Martinez, rezando para que ele não saia para uma REMAX, que até seria um fato à sua medida visto que exige exclusividade no seu portefólio de activos.

 

"Mares convulsos, ressacas estranhas
Cruzam-te a alma de verde escuro
As ondas que te empurram
As vagas que te esmagam
Contra tudo lutas
Contra tudo falhas

Todas as tuas explosões
Todas as tuas explosões
Redundam em silêncio
Redundam em silêncio
(2x)
Nada me diz

Berras às bestas
Que te sufocam
Em abraços viscosos
Cheios de pavor
Esse frio surdo
O frio que te envolve
Nasce na fonte
Na fonte da dor

Remar remar
Forçar a corrente
Ao mar, ao mar
Que mata a gente
(2x)

Nada me diz"

 

Tenor "Tudo ao molho...": Nuno Mendes 

13
Out24

Tudo ao molho e fé em Ronaldo

Pacto de Varsóvia


Pedro Azevedo

IMG_3484.jpeg

O palco era Warsaw, capital polaca e tema de uma conhecida canção dos Joy Division em que a letra versa sobre Rudolf Hess, um oficial nazi que chegou a ser adjunto de Hitler antes de cair nas mãos dos britânicos dois anos após a infâme invasão alemã à Polónia. Sombria na sua atmosfera, a música que a acompanha bem que poderia reflectir o estado de espírito dos jogadores e adeptos polacos no final do jogo... A razão: o "Pacto de Varsóvia", onde Portugal fez aprovar todos os 3 pontos propostos à "mesa de negociações". 

Numa jogada a três toques, mais própria do voleibol do que do futebol, Ruben Neves serviu Bruno Fernandes, e este, qual distribuidor de costas para a rede, amorteceu para o "smash" triunfante de Bernardo.  Estava destruída a velha conhecida Solidariedade polaca, movimento de resistência que vem do final dos anos 80, precedeu o "Glasnost" e a "Perestroika" e teve Lech Walesa como grande impulsionador. Porque, antes, futebolisticamente falando, a Polónia não precisou de solidariedade nenhuma, teve jogadores de alto gabarito como Lato, Deyna, Boniek ou Szarmach e chegou a duas semi-finais de Mundiais (74 e 82), competições em que aliás fechou o pódio. Mas isso foram outros tempos, à Polónia actual falta qualidade além do óbvio Lewandowski e de Zielinski. Mas se o barcelonista é um goleador, o que dizer do nosso Cristiano Ronaldo, que após um slalom gigante de Rafael Leão que fez a bola estrelar no poste como se de um ovo se tratasse, mostrou às claras que tem um tempo de reacção de um jovem de 19 anos e continua a ser a gema mais preciosa do futebol mundial? Os polacos aplaudiram-no de pé, por cá há quem insista em dar-lhe umas caneladas para ver se com o traumatismo ele se vai embora... Bom, com o golo fomos para o intervalo a ganhar por 2-0, um resultado escasso para a melhor exibição da era de "Bob, O Construtor" e que apenas se justificou pelo sortilégio do ferro (desvio de Ronaldo para a barra) e por uma parada do outro mundo de Skorupski que não carimbou um remate de Bruno que levava o selo de golo. Na nossa baliza, só um recorrente mau cálculo de Diogo Costa na saída dos postes a um cruzamento por alto constituiu um momento de calafrio. 

No segundo tempo a toada de jogo manteve-se e Ronaldo teve nos pés o terceiro, mas num momento de raro altruísmo preferiu servir Bruno para um desperdício inglório. CR7 foi poupado para a Escócia e foi já do banco que assistiu ao golo polaco, nascido de um toque infeliz na bola por parte de Ruben Neves. Portugal tremeu um pouco, mas Jota acelerou e logo os polacos tiveram dificuldade em o acompanhar. Até que Nuno Mendes, o melhor em campo, subiu pela esquerda e pretendeu oferecer o golo à moto Jota. Na ânsia de acompanhar o movimento, o polaco Bednarek despistou-se e introduziu a bola na sua própria baliza. 

Mais 3 pontos para Portugal, que poderá já na Escócia carimbar matematicamente o passaporte para os quartos de final da Liga das Nações, assim vença o seu desafio e a Polónia não ganhe à Croácia. Perder em Glasgow é que seria uma gaita (de foles)...


Tenor "Tudo ao molho...": Nuno Mendes 

02
Jul24

Tudo ao molho e fé em Deus

O Anjo de Guarda(-redes)


Pedro Azevedo

Não estou a gostar muito deste Europeu de andebol de 11 que se está a disputar na Alemanha. Na televisão só oiço falar em basculação e pontas invertidos. E não vejo profundidade, se calhar para evitar violações da área dos 6 metros ou ainda mais crateras na relva do que aquelas que ontem foram bem visíveis em Frankfurt (este termo da "profundidade" irrita-me e deveria também irritar o Júlio Verne nas suas 20.000 Léguas Submarinas). Como é regra, o pivô (Ronaldo) é quem tem levado mais pancada. Não se estranha. O que surpreende é que a maior carga de pancada venha dos estúdios (comentadores) e não dos estádios (jogadores adversários), mais uma originalidade lusa...

 

Depois de uma fase de grupos dada largamente à experimentação, hoje começou o mata-mata. Do outro lado estava a Eslovénia, pátria de Pogacar e Roglic, o que só por si era sinal de que teríamos de dar muito ao pedal. E demos, durante 120 minutos (mais penáltis). É certo que poderíamos ter abreviado o sofrimento quando Jota ligou a moto e 4 eslovenos já não tiveram pedalada que lhes valesse, optando então por o deixar apeado, mas Oblak e o poste negaram o golo de penálti a Ronaldo. Mas também não é mentira nenhuma que quando Pepe atingiu o seu ponto de saturação, Sesko seguiu isolado para a nossa baliza e só Diogo Costa manteve-nos no jogo. Na altura ainda não sabíamos, mas o Diogo estava só a aquecer para o que viria a seguir...

 

O que veio a seguir foi a marcação de grandes penalidades. O acto em si foi precedido por um protocolo: Ronaldo escolheu a baliza, que se encontrava à frente do sector onde se concentravam os adeptos portugueses, e Oblak determinou que seria a Eslovénia a primeira a bater. Durante a semana ouvimos várias análises que procuravam desmontar o jogo esloveno. Não foram análises quaisquer ou centradas unicamente na questão táctica. Nada disso, tanto foi dito que o Oblak era o melhor guarda-redes do mundo como que o Ilicic havia recuperado recentemente de uma depressão. Pensei nisso quando o vi partir para a bola. Mais sensível aos problemas de saúde mental dos portugueses, o Diogo voou para a bola e nesse vôo foi acrescentando centímetros aos seus braços até conseguir conectar com a bola. Agora caberia a Ronaldo tentar de novo adiantar-nos no marcador. O facto de Ronaldo ter assumido a marcação do nosso primeiro penálti revela bem o campeão que é. Poderia ter-se guardado para a quinta penalidade, que nem necessária poderia vir a ser, mas não. E então vimo-lo a inspirar fundo, o que não fizera aquando do penálti que bateu no prolongamento, e a desferir um remate perfeito, na força e colocação, que só parou na malha lateral da baliza de Oblak. Seguiu-se um esloveno, de novo um canhoto. Pensei que o Diogo se atirasse para o mesmo lado da penalidade de Ilicic, mas por instinto ou estudo prévio optou por mudar. E defendeu, novamente em grande estilo. Pelo que Bruno Fernandes, o senhor que se seguiu, tinha nos pés a possibilidade de dilatar a nossa vantagem. O Bruno partiu para a bola e o Oblak pareceu ter ficado com os pés colados à relva: 2-0 para Portugal !!! Veio então um destro esloveno, certamente para variar. Só que o Diogo voltou à primeira forma e acreditou no remate cruzado, acabando por sair-lhe o bilhete premiado. Apos 3 defesas do nosso guarda-redes a 3 remates eslovenos, Bernardo Silva tinha a possibilidade de acabar com o nosso sofrimento. E não a desperdiçou, mandando Oblak para a sua direita enquanto a bola seguia no sentido oposto. Portugal qualificava-se para os quartos.

 

Portugal foi melhor durante o tempo regulamentar mas teve sempre difiuldade em entrar no bloco esloveno. As excepções foram uns raids de Leão e de Nuno Mendes, este último um sério candidato a melhor em campo não fora Diogo Costa ter aberto o livro, perdão, as asas. Por isso estranhou-se a substituição de Leão por Conceição e a verdade é que a equipa caiu. Todavia, a velocidade e classe de Jota - será necessário um manifesto popular para que Martinez lhe dê a titularidade? - acabariam por proporcionar a Cristiano Ronaldo duas soberanas oportunidades não concretizadas. E lá fomos para os penáltis. Uma palavra para a Eslovénia, uma equipa sempre muito agressiva em cima da bola, contrariando a ideia de ser orientada por um treinador queque (ou Kek).

 

Numa noite de grande suor e muitas lágrimas, a emoção começou ainda antes do apito do árbitro para o início da partida quando a UEFA permitiu que fosse concedido 1 minuto de silêncio pela morte de Manuel Fernandes. E que estreia no Céu teve o nosso Manel(!), qual anjo de guarda(-redes) que acredito tenha encantado o nosso Diogo. É o que se chama entrar pela porta grande de São Pedro, que nenhuma outra além da 10A estaria de acordo com o jogador e Homem que foi. Ou é, que pessoas assim não morrem efectivamente, são eternas. Simplesmente, ascendem para verem ainda melhor e assim zelarem altruísticamente por nós (mas não abusem). 

 

Tenor "Tudo ao molho..." Diogo Costa, "O Homem Alado". Nuno Mendes, Palhinha (excelente segunda parte), João Cancelo, Rúben Dias, Vitinha, Jota e Leão estiveram em bom plano. Curiosamente, Bernardo, Bruno e Ronaldo, pouco inspirados durante o jogo, foram decisivos nas penalidades finais. 

Portugal ainda procura o rumo mas pelo menos sabe que está em mãos seguras (crónica)

27
Jun24

Tudo ao molho e fé em Deus

Georgia on my mind


Pedro Azevedo

A primeira vez que ouvi falar na Geórgia foi pela voz de Ray Charles, que cantava que o estado americano, de que aliás era nativo, lhe tinha ficado para sempre na memória. Afinal, vim a descobrir mais tarde, havia outra, produto da desagregação da antiga União Soviética, com cidadãos com nomes como K V A R A T S K H E L I A, e outros do mesmo género, que só estava habituado a ler aquando das visitas ao oftalmologista. Essa "nova" Geórgia tornar-se-ia posteriormente uma minha velha conhecida através do rugby, ainda que tal conhecimento dificilmente pudesse ser caracterizado como agradável face às sucessivas derrotas impostas pelos georgianos aos nossos "Lobos". Pelo que o jogo de ontem se afigurava como de vingança por anos de provações que me deixaram com um "melão", que é metáfora que se aplica perfeitamente a uma modalidade em que a bola tem uma forma oval. 

Na antecâmara do jogo entrevistaram o melhor comentador das televisões portuguesas, o Professor Marcelo. Este logo considerou como muito inteligente a escolha do Onze titular e eu fiquei imediatamente de pé atrás. É que há um certo paralelismo entre Roberto Martinez e o Professor Marcelo, na medida em que ambos partilham o enorme desejo de afirmar ao mundo a sua imensa inteligência, nem que para tal seja necessário recorrer à... invenção (a vichyssoise do senhor Martinez chama-se "flexibilidade táctica"). E assim lá regressou a Geringonça (3-4-3) com os problemas do costume, ou seja, menos centro (só Palhinha e João Neves) em função de uma redobrada influência da extrema esquerda (Pedro Neto). A coisa já havia dado maus indicadores no passado, por pouco não nos levando a um checo-mate, mas o experimentalismo, tentação pelo abismo e a procura de afirmação de genialidade por parte do nosso seleccionador conduziram-nos de novo para esse buraco negro. Mudando-se novamente de sistema, quando a anunciada entrada de muitos jogadores até aí pouco ou nada utilizados recomendaria uma estrutura sólida em campo à qual se pudessem agarrar. Não havendo um sistema sustentado, Martinez pensou no individual. E lançou Diogo Costa, Palhinha e Ronaldo como tábuas de salvação. Só que não chegou: Diogo nada pôde fazer nos remates que deram os golos, Palhinha estava a ser o nosso melhor em campo mas foi substituído ao intervalo e Ronaldo teria dado o tempo por mais bem empregue com a Georgina do que com os georgianos. Pelo que a estratégia (?) redundou em fiasco absoluto. 

 

O sistema não era bom, havia muitos jogadores novos, mas Portugal tinha um trunfo: a Geórgia precisava de atacar para tentar vencer e assim garantir o apuramento para os oitavos de final. Pensava-se, por isso, que Portugal entraria no jogo de forma prudente, esperando pela iniciativa georgiana para melhor apanhar o adversário no contra-ataque. Mas António Silva fez um passe para trás sem olhar, Danilo viu Inácio acompanhar o jogador da Geórgia portador da bola e não endireitou a sua trajectória na direcção de Kvaratshkelia, António Silva perdeu em velocidade com este e a bola terminou dentro da baliza de Diogo. A perder, Portugal viu-se obrigado a ir atrás do prejuízo. Só que a velocidade de circulação de bola foi lenta e a ideia de pôr Felix entre-linhas não funcionou de todo, pelo que Ronaldo quase não teve bola, destacando-se apenas num livre directo, em dois remates bloqueados miraculosamente por defesas georgianos e numa tentativa de cabeceamento que António Silva (sempre ele) antecipou e se perdeu sem glória. 

Para o segundo tempo o Palhinha foi poupado a um amarelo, entrando Rúben Neves para apanhar o... amarelo. O resto foi mais do mesmo, com um golo saído dos desenhos animados a condenar definitivamente os portugueses: Diogo Costa colocou a bola num georgiano a fim de evitar um canto, João Neves cortou mas passou curto para António Silva e este chegou mais cedo ao pé de um adversário do que à bola e cometeu penálti. Até ao fim ainda entrou Gonçalo Ramos para o lugar de Ronaldo, mas o problema estava a montante e não a jusante e assim continuou. 

 

Portugal perdeu e bem e agora urge recuperar psicologicamente o jovem António Silva. O melhor do jogo foi a poupança de jogadores nucleares como Rúben Dias, Pepe, Nuno Mendes, Bernardo ou Bruno Fernandes, o pior foi a insistência num sistema táctico que no espaço da Selecção tem muito pouco tempo para ser aprimorado. Claro, o seleccionador poderia ter obviado esse problema recorrendo a jogadores do Sporting (actuais e antigos) que estão perfeitamente identificados com esse sistema e dinâmicas inerentes, mas Pote, Nuno Santos e Trincão não foram convocados, Matheus teve pouco tempo de jogo e isso diz muito sobre a consistência (ou falta dela) das ideias e escolhas do senhor Martinez. Venha então a Eslovénia e com ela uma nova revolução. É a flexibilidade táctica, senhores. Vai mais uma voltinha na montanha russa ??? Atenção que pode ser a última...

 

Tenor "Tudo ao molho...": João Palhinha

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22
Jun24

Tudo ao molho e fé em Deus

Experiência superada


Pedro Azevedo

Cada jogo de Portugal é uma nova experiência para Roberto Martinez, uma oportunidade de (re)inventar o futebol. O problema é que se inventar o futebol fosse sinónimo de ganhar, a Inglaterra teria vencido todos os Campeonatos do Mundo e da Europa em que participou e não apenas o Mundial de 66 que organizou e onde, quiçá em nome da Aliança celebrada em 1386 (Tratado de Windsor), contou à última hora com o beneplácito português de passar a meia-final de Liverpool (Goodison Park, nosso Quartel-General) para Londres (Wembley). Toda a gente sabe que no futebol a componente física é importante, mas a química que se estabelece entre os jogadores também o é. Vai daí, o Roberto Martinez mete a equipa toda num tubo de ensaio dentro de um laboratório e depois vai combinando aleatoriamente, 11 a 11, diversos reagentes à espera que dessa mistura saia o produto da solução ideal. Depois, a fim de sinalizar que a reacção se está a produzir, usa muito o azul (de tornassol) como indicador. Só que às vezes no aquecimento, não necessáriamente com o Bico de Bunsen, já se vê que a coisa vai correr mal, libertado-se gases tóxicos que após exposição prolongada podem conduzir a alucinações intermitentes e até a um lacrimejar pungente. Foi até certo ponto o caso do ocorrido contra a Chéquia, embora as lágrimas tenham sido contidas num ultimo momento. No fundo, no fundo, o senhor Martinez é o Panoramix dos tempos modernos, com a diferença que onde o druida gaulês apostava na melhoria do rendimento individual (poção mágica), o espanhol procura a reacção em cadeia, nem que para isso tenha primeiro de fazer explodir o laboratório e depois ver-se obrigado a levar os jogadores à vez para dentro de um caldeirão a ferver até encontrar os 11 reagentes que combinem idealmente entre si. Era porém sabido que, tal como os ponteiros de um relógio parado, que num determinado jogo a hora iria bater certo. A interrogação que se colocava era se essa hora viria ainda a tempo. Nesse impasse, chegou o jogo com a Turquia... 

 

Para o jogo com a Turquia, Bob Martinez recorreu a Palhinha. Ora, Palhinha é como diz o anúncio da Savora: com ele, toda a comida melhora. Depois, trocou a geringonça táctica do jogo com a Chéquia por um onze mais próximo do que uma maioria absoluta de adeptos recomendaria, disposto em 4-3-3. Com os reagentes próximos do ideal (continua a ser incompreensível a exclusão de Jota) e na posição correcta, Portugal rebentou com a Turquia: Bernardo inaugurou o marcador no aproveitamento de uma bola perdida na área. Depois. o Autogolo, o melhor marcador de Portugal no Euro, fez o segundo. E, já no segundo tempo, uma desmarcação circular de Ronaldo foi acompanhada por um passe açucarado do capitão português para Bruno empurrar para o golo. Portugal venceu assim o jogo e o grupo, garantindo a qualificação para os oitavos-de-final. Com isso ganhámos tempo: de recuperação física dos mais utilizados, que deverão ser poupados com a Geórgia, e de rodagem de outros jogadores. Um tempo que no entanto não aquecerá nem arrefecerá a Pepe, cuja carreira não se rege pelo calendário gregoriano que todos nós seguimos, o que é o mesmo que dizer que o tempo não passa por ele. Pepe foi o eucalipto que faltou aos pupilos de Montella para submeterem os portugueses ao banho turco, acabando eles por entrar em burnout tantas foram as vezes que o central português lhes negou o caminho para o golo. 

E Martinez? William Blake dizia: "Como saberes o que é suficiente, se não souberes o que é demais?". Com a Chéquia, as suas opções foram demais, hoje, com o caldeirão a ferver, misturou muito melhor os ingredientes e regressou ao suficiente. Não foi demais, foi de mais. Muito mais. Portugal, olé , Portugal, olé!!!

 

Tenor "Tudo ao molho..": Pepe

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19
Jun24

Tudo ao molho e fé em Deus

A Teoria do Caos


Pedro Azevedo

Caro Leitor, este Roberto Martinez é definitivamente um personagem dos desenhos animados: umas vezes Bob, o Construtor, a desfazer e refazer do zero o que parecia já edificado e sólido, outras o Professor Pardal, a inventar tácticas mirabolantes. Foi este último que aliás se apresentou contra a Chéquia, mas por sorte houve um Lampadinha (Conceição) a salvar-lhe a face. 

 

Portugal apresentou-se ontem em campo com um sistema táctico e concomitantes dinâmicas baseadas na Teoria do Caos. Esta trata de sistemas altamente complexos, difíceis de entender por um homem médio que não o Professor Pardal, cuja dinâmica acaba por suscitar uma instabilidade que se denomina como "sensibilidade às condições iniciais", que os torna não previsíveis ao longo do tempo. Assim, ao alterar permanentemente o Onze titular, o inventor vai introduzindo o caos determinístico, tornando impossível prever o que se passará a seguir. As correcções que de seguida efectiva no modelo não permitem regressar às condições iniciais, até porque já houve ocorrências intermédias que não podem ser apagadas, pelo que a dado momento o sistema afigura-se aleatório à vista desarmada, dada a sua profunda instabilidade. É o "Efeito Borboleta" e as suas consequências, como explica Lorenz, que em termos de Selecção podem resumir-se ao bater de asas da Selecção na Alemanha virem a influenciar uma revolução no corpo técnico da Federação em Lisboa. Tão certo como a morte e os impostos, se as coisas não mudarem.

 

Contra uma Chéquia toda recuada no terreno, Portugal actuou 90 minutos com 3 centrais que, à falta de cartas para jogarem uma bisca lambida, se entretiveram a marcarem-se uns aos outros. Depois, faltou um cabeça de área (Palhinha) que estivesse na zona onde os checos desferiram o remate que os adiantou no marcador e que conduzisse a primeira vaga de construção para libertar os restantes médios para funções mais ofensivas. Com 2 médios a jogar na mesma linha e separados dos avançados pelo muro que os checos construíram, em vez de 3 em 3 linhas diferentes como seria lógico e recomendável, Portugal não conseguiu produzir evidentemente qualquer jogo interior entre-linhas (a não ser aquele que só o senhor Martinez reconheceu ter visto, em entrevista após o jogo), limitando-se a circular a bola por fora do bloco checo. Com isso, Martinez foi o melhor amigo da Chéquia, reduzindo à banalidade um jogador como Bruno Fernandes, com enorme potencial de golos e assistências. Não só faltou Palhinha como também um médio rompedor (João Neves ou Matheus Nunes), que Bruno e Vitinha parecem pouco compatíveis e o treinador deverá decidir por um só. Estando os 2 médios atados atrás e conseguindo Martinez a proeza de manter os 3 centrais até ao fim, nunca lançando um terceiro médio (Cancelo andou por lá, qual peixe fora de água), as movimentações dos nossos avançados foram facilmente anuladas pela superioridade numérica da Chéquia nessa zona. Acresce que Bernardo desgastou-se em funções redundantes e fez um jogo muito fraco e Leão mostrou uma péssima definição dos lances, não se entendendo o motivo pelo qual o primeiro não foi substituído (por Chico Conceição) e o mistério da razão que continua a afastar Jota da titularidade. No meio de tanta asneira (Nuno Mendes chegou a jogar como central, antes da entrada de Inácio) e desorganização táctica (que Martinez orgulhosamente define como "flexibilidade"), valeram-nos dois erros crassos defensivos da Chéquia que nos deram a vitória e evitaram um escandaloso checo-mate, o último dos quais já bem perto do gongo e a envolver ainda Chico Conceição e Pedro Neto, 2 jogadores que haviam entrado ao minuto 90. Pelo que não faltará quem elogiará o génio de um seleccionador capaz de prever que 4 minutinhos seriam uma enormidade de tempo para sacar dois coelhos da cartola. Assim sendo, é de prever que Roberto Martinez continue a fazer magia e que a grande ilusão termine com o título europeu. Se já aconteceu com Fernando Santos, por que não com este discípulo de Jorge Silas e do "Tudo ao molho e fé em Deus" a.k.a "flexibilidade táctica"? Em todo o caso, receio que ainda venhamos a lamentar não termos convocado o Ritalina para resolver o problema da hiperactividade do nosso seleccionador. 

 

E agora, alguém se atreve a tentar adivinhar o Onze contra a Turquia? É mais fácil acertar no Euromilhões...

 

Tenor "Tudo ao molho...": Chico Conceição (decidiu o jogo)

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12
Jun24

Tudo ao molho e fé em Deus

Bob Descartes


Pedro Azevedo

Os jogos de preparação para uma grande competição servem essencialmente para o seleccionador tirar as últimas dúvidas sobre os jogadores e o sistema a utilizar no arranque oficial, assim a jeito de um ensaio geral repetido tantas vezes quantas as necessárias para garantir que a "máquina" fica bem "oleada". Assim acontece um pouco por todo o mundo. Em todo o mundo menos numa "pequena aldeia de irredutíveis gauleses", que por acaso até são portugueses. É verdade, na antecâmara do Euro, por via da sua costumeira originalidade, Portugal tem agora mais dúvidas do que certezas: a outrora garantida linha de 4 defesas está agora ameaçada pelo sistema dos 3 centrais. Assumindo que o meio campo será a 3, Vitinha deixou de ser uma certeza, podendo ser preterido em função de João Neves. Mais, acertar nos 2 laterais (alas?) que serão titulares parece agora um exercício com um coeficiente de dificuldade semelhante a ganhar o Euromilhões. E, na frente, há a incerteza sobre se a táctica será ajustada para poder incluir um vagabundo Félix (há que reabilitar o "Menino de Ouro", nem que para isso tenhamos de entrar em campo com mais 1) ou se o Jota se submeterá humildemente ao 4-3-3 tradicional. Pelo que a única certeza que ficou destes jogos a brincar foi que o Ronaldo será titularíssimo, o que deve estar a dar alguma azia aos "haters" do costume que acham que o Cristiano é o grão de areia que atrapalha o bom funcionamento da "máquina". Viu-se...

 

Aos 39 anos, o Cristiano Ronaldo marcou um golo após um trabalho individual soberbo, fez outro através de uma finalização de primeira de alto nível e ainda enviou um livre directo ao ferro e isolou o Dalot com um passe magnífico. Entre outras minudências que, por exemplo, enfolam o ego e a conta bancária ao Félix mas para o Ronaldo são só um "amouse bouche" para o prato principal que vem a seguir. Será titular de caras. Tal como o Diogo Costa e o Bruno Fernandes. E o Rúben Dias. Também o Bernardo, pelo estatuto. E o Pepe, se estiver bem. Daí para a frente é uma incógnita. Quer dizer, o Palhinha seria titular em 99,9% das selecções e clubes do mundo, mas na nossa nunca se sabe. E o Félix suspeito que jogará de início, pois já se percebeu ser um amor (de perdição?) de Martinez. O resto logo se verá. E quanto aos sistemas, tanto quanto se sabe, poderemos jogar em 4-3-3, 4-4-2, 3-4-3 ou 3-5-2, uma flexibilidade táctica que lembra os tempos de Silas no Sporting e faria o Rúben Amorim perder o cabelo todo ao fim de 45 minutos. 

 

No fundo, as "convicções" de Roberto Martinez assemelham-se à dúvida metódica de René Descartes: Martinez duvida sistematicamente que cada uma das suas crenças seja verdadeira ("Bob, o Desconstrutor"), a fim de construir a partir do zero um sistema de crenças que consista apenas em crenças certificadamente verdadeiras. Com uma única excepção: Félix. No final se verá se a certificação obedecia aos critérios de qualidade ISO e se muitas opiniões tidas como verdadeiras não se revelarão como falsas. Mas para já é preciso começar. Do zero, que da dúvida metódica virá a luz. Se a dúvida falhar, pode sempre avançar o Ronaldo... 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Cristiano Ronaldo

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09
Jun24

Tudo ao molho e fé em Deus

Do mito à realidade


Pedro Azevedo

Não sei se as Ilhas Faroé, Andorra, Gibraltar, Malta, Chipre ou outros colossos do futebol mundial não estavam disponíveis nesta janela de preparação para o Euro, o que sei é que não havia necessidade de trazer uma selecção de veteranos da Croácia para provar de uma vez por todas a eloquência do futebol de Félix, 120 milhões esvanecendo-se no relvado sob a forma de uma total inconsequência. Mas como com o senhor Martinez aprendemos que a Selecção é um espaço de recuperação de inválidos do comércio e de perpetuação de propaganda sobre figuras da mitologia jornalística nacional, o processo decorre conforme o previsto. A única maçada é que vem aí o Euro, e com ele uma desnecessária exposição a objectivos que não são o núcleo central da acção de um seleccionador nacional. Mas isso é o menos, o pior é que de tanto se procurar transformar mitos em realidade, acaba-se por tratar mal as poucas realidades que não são aparentes ou confundíveis com percepções nem sempre condizentes com o que é real. É o caso do Ronaldo. Nesse sentido o dia de ontem foi muito mau para os estatísticos de amostras de uma observação só, aqueles sempre pródigos a elogiar o fluidez do jogo nacional quando o astro português não está em campo. Tal como o jogo com Marrocos já tinha mostrado à evidência, embora eles teimem em não querer ver. No fundo, o mesmo ensaio sobre a cegueira que os fez embandeirar em arco com o pleno de vitórias sobre a fina flor do terceiro mundo do ludopédio mundial. Ensaio do qual se deve excluir o senhor Martinez: enquanto outros põem a cabeça na areia como a avestruz, ele aprende. Ou diz que aprende, elogiando os méritos destas derrotas e qualificando-as como muito importantes. Como já havia acontecido na Eslovénia ou de cada vez que levamos dois golos de adversários menores. Porque o importante é preparar o Mundial de 2026 e aí perder com estilo para melhor acolher o Euro 2028. E assim sucessivamente. Nesse sentido, Martinez não representa uma evolução face a Fernando Santos: Martinez não é a versão 2.0 de Fernando Santos, mas sim a sua versão beta, sempre disposto a elogiar uma "excelente" pergunta de um jornalista ou a compadecer-se com os azares daqueles que nunca convocou. Pelo que se prevê que continuemos a pedir a Palhinha que, sozinho, segure o peso do mundo, qual Atlas das transições defensivas, em vez de o ajudarmos, pondo-lhe à frente um Matheus Nunes. E que o Diogo Jota continue a ser preterido pelo Félix, numa equipa onde só Ronaldo e Bruno têm golo e para quem as balizas não exercem um fascínio por aí além. Porque a nossa onda é andar a filosofar pelo campo adentro, o Cancelo a mostrar-nos as virtudes e contradições do livre-arbítrio, o Vitinha a ser tese e antítese hegeliana ao mesmo tempo, o Félix a lembrar-nos o existencialismo como Heidegger o vê. Até que o Arquimedes que há em Ronaldo exclame Eureka! ou o Kierkegaard existente no Bruno elucide o Bernardo e todos os outros que a  vida só se compreende olhando para trás mas só se vive para diante. 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Diogo Jota

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05
Jun24

Tudo ao molho e fé em Deus

Rena va plus


Pedro Azevedo

A Finlândia é um país onde acontecem sortilégios como o Sol da Meia Noite no Verão, a Aurora Boreal no Inverno ou o Pai Natal todo o ano em Rovaniemi (Lapónia). A inclusão aqui do Pai Natal não foi inocente, na medida em que é preciso acreditar muito nele para imaginar uma equipa finlandesa como a que nos visitou ontem competitiva no futebol. É certo que houve um Litmanen, que marcou uma década no Ajax, mas essa foi a excepção que confirma a regra da mediania do futebol finlandês. Pelo que nem o sangue de rena - elas até voam nas mãos, lá está, do Pai Natal - que valeu ao Lasse Viren bater o nosso Carlos Lopes em Montreal lhes tem servido ao longo dos tempos, que no futebol a bola deve correr mais do que o jogador e para isso é necessário talento. Como tal, foi o adversário ideal para dar continuidade a um grupo de qualificação onde pontificaram vários países do terceiro escalão do futebol mundial, ficando por revelar o que ocorrerá quando defrontarmos um adversário de primeiro nível: será a Aurora Boreal que fará luz sobre o Inverno do nosso descontentamento ou o Sol da Meia Noite de um sonho de uma noite de Verão? (Ou como com uma tirada Shakespeariana a armar ao inteligente se procura desesperadamente esconder a falta de ideias e encher o chouriço de uma crónica.)

 

Se o Pai Natal é omnipresente só em Dezembro, o Palhinha é omnipresente no ano inteiro em tudo o que envolve estádios de futebol. Ele parece ter o dom da ubiquidade: em cada palmo de relva, na bancada a vender nougats, no bar a servir umas imperiais, em todo o lado e ao mesmo tempo há Palhinha. Não admira por isso que, para quem vive o futebol como quem bebe de um trago só (o público), ele caia no goto, que é coisa que não ocorre a quem no relvado se submete ao filtro de Palhinha. É verdade, com ele em campo o adversário não mexe um(a) Palhinha, não assusta, não incomoda. Ele é o seguro de vida do senhor Martinez e a razão por trás dos sonhos de todos os portugueses. Porque já não é só mais do que notório na repressão, qual guarda florestal que contrabalança a acção de uns quantos espalha-brasas. Sim, em matéria florestal ele continua a ser o eucalipto que nada deixa crescer à volta, mas agora também é o pinheiro que domina o jogo aéreo e o azevinho que ornamenta belas jogadas de ataque com os seus venenosos passes entre-linhas. Não é a árvore, é a floresta. Por exemplo, às tantas o Puki marcou 2 golos de rajada. "Puki"? "Puki" o Palhinha já não estava no relvado. Estavam outros, jovens estrelas ainda na idade dos "Pukis", mas Palhinha só há um.

 

Outro que não engana é o Bruno. Rematar como ele só o Ronaldo dos melhores dias. E depois ainda tem o "plus" de ser um treinador dentro do campo, o que pode dar algum jeito caso o seleccionador seja tão mau a dar a táctica como a explicar as convocatórias. E não posso esquecer o Diogo Jota, que é do meu particular agrado: um faz-tudo simultaneamente empreendedor e solidário, mais combativo do que a sua envergadura recomendaria, melhor cabeceador do que a sua altura prognosticaria, mais veloz do que o seu biotipo avaliaria, melhor goleador do que a sua posição no terreno atestaria. No fundo, supera-se. E eu creio que é de jogadores assim que se pode sempre esperar um golpe de asa quando outros já baixam os braços.

 

Uma nota final para o Chico Sansão (ele que não corte o cabelo), que espalhou brasas como o prometido, Vitinha, que se espera que no fim seja tão bom para a barriga quão agradável é para a vista (ainda tenho as minhas dúvidas), Pedro Neto, um furacão na ala esquerda, e Nuno Mendes, um regresso que se saúda. 

 

E pronto, temos os nossos 26, rien ne vas plus. A Finlândia também não vai (ao Euro), mas marcou-nos dois golos (a rever). Ficou a ideia de que o grupo não é tão homogéneo assim, no sentido em que não há um substituto à altura de Palhinha, por exemplo. 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Palhinha

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01
Set23

Via Crúcis


Pedro Azevedo

Palhinha, instrumental no título de campeão nacional dos leões, foi durante anos relegado para segundo plano na Selecção. Matheus Nunes, considerado por Pep Guardiola como um dos melhores médios do mundo, só foi chamado após Tite o ter convocado para a Canarinha. Bruno Fernandes demorou uma eternidade a chegar à "Equipa de Todos Nós", mesmo com números astronómicos ao serviço do Sporting. O que nos diz isto?

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12
Abr23

A tentação de provar do veneno alheio


Pedro Azevedo

Na antevisão da nossa deslocação a Turim, é factual observar que, nas provas europeias, o histórico das equipas portuguesas contra as suas congéneres italianas não é nada famoso. Já com equipas inglesas, o desempenho português pode ser considerado bastante bom, o que nos aguça a curiosidade sobre a razão que justifica a tradicional boa performance das equipas de Sua Majestade quando defrontam times provenientes da pátria de Garibaldi, algo que contraria o simples silogismo aristotélico. Conclusão: parece-me evidente que as equipas portuguesas caem na tentação de tentar bater as italianas no seu próprio jogo feito de cinismo e de especulação, e que o resultado dessa aposta é tradicionalmente negativo (como ainda ontem se viu). Já as equipas inglesas, geralmente descomplexadas quando se trata de assumir o domínio do jogo e com o foco nas suas próprias qualidades, não mudam os seus princípios contra as italianas e têm sucesso. Talvez seja importante reflectir nisto, 24 horas antes do importante duelo com a Juve... (O Ruben não costuma alterar o seu modelo de jogo seja contra que adversário for, e isso contra a Juve pode revelar-se positivo para nós.)

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01
Abr23

Uma verdade inconveniente


Pedro Azevedo

Informação útil para os dogmáticos da idade que se extrai do bilhete de identidade e restantes detractores de CR7: o cidadão Cristiano Ronaldo marcou 67 dos seus 122 golos (54,9%) ao serviço da Selecção Nacional após completar 31 anos. Mais, tendo no total 122 golos em 198 jogos por Portugal (0,616 golos/jogo), a sua média de golos pela “Equipa de todos nós” cresce exponencialmente se considerarmos apenas os seus números depois dos 31 anos: são 67 golos em 75 jogos, média de 0,893 golos/jogo. E se eliminarmos o ano de 2022, em que foi acometido de diversos problemas pessoais e profissionais que impactaram na sua forma, essa média sobe para mais de 1 golo por jogo (64 golos em 63 golos), números de acordo com os registados no Real Madrid. É só isto que eu queria dizer, para agora nos concentrarmos devidamente na recepção ao Santa Clara. Esperando que a realidade factual dos números não tenha provocado alergia a alguém. (Em caso de azia, é favor tomar nota que qualquer medicamento que a combata terá um efeito menos duradouro que cada novo feito de Ronaldo. É lidar.)

 

PS: Em 2016, com 31 anos, Ronaldo ajudou Portugal a vencer o seu primeiro grande troféu internacional (Campeonato da Europa). Em 2019, aos 34 anos, com ele a marcar 3 golos na meia final (3-1 à Suíça), Portugal ganhou a Liga das Nações. 

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27
Mar23

Tudo ao molho e fé em Deus

O Lux(o) de ter Ronaldo


Pedro Azevedo

Vivemos na era do homem que mordeu o cão. Numa época destas, o acessório ganha prioridade sobre o essencial, o que traduzido para a Selecção significa que o debate sobre a qualidade e forma como sopra o ar torna-se de maior relevância que os 198 jogos e 122 golos de Cristiano Ronaldo, ambos recordes mundiais. Por isso discute-se epistemologicamente o que é uma lufada de ar fresco (tese) em contraposição a uma aragem de transição (antítese), dialética hegeliana logo rematada com a conclusão (síntese) de que o Ronaldo está a mais e os colegas estão fartos dele, o melhor mesmo é estarmos eternamente gratos ao Engenheiro pelo único título de relevo conquistado por Portugal. Ora, eu penso que se calhar também deveríamos estar um pouco reconhecidos ao Ronaldo, não sei. É que não me lembro do Bernardo, do Bruno ou do Felix em França, mas posso estar enganado. Do que eu me recordo é de Portugal ter obtido os seus melhores resultados internacionais (1º e 2º lugares em Campeonatos da Europa) com Ronaldo na equipa, além de igualmente com ele termos repetido uma meia-final e atingido uns quartos e dois oitavos-de-final no Campeonato do Mundo. Com vários treinadores diferentes. Para quem sofre com o labéu posto por alguns portugueses de que só se preocupa com os seus feitos individuais, não me parece que o que atingiu colectivamente seja pouco. E já nem falo das 5 Champions que ajudou o Real e o United a conquistar. Apesar dele, segundo os detractores, ainda que sem ele ambos os clubes tivessem curiosamente passado a ganhar muito menos. (Comigo, os detractores "vão de carrinho"; ou de tractores, se assim o preferirem.)

 

Quem conhece minimamente o Ronaldo sabe que o seu forte nunca foram as palavras. Como bom português, ele vai aguentando as provocações, uma após outra, até que explode na pior altura e da pior forma, com uma arrogância que disfarça a frustração de periodicamente ser posto em causa. E quando a isso junta o reconhecimento do prazer que lhe dá regressar a uma certa casa, então o caldo está entornado com uma certa intelligentsia escarlate invejosa e orfã de um menino prodígio que pulula em jornais e televisões. Sim, porque são esses que não conseguem despir a camisola e permanentemente confundem a prima do mestre de obras com a Obra-prima do Mestre, levando alguns incautos, politicamente correctos e sedentos de mostrar imparcialidade, por arrasto. Vimos isso durante o Mundial. Não é que Ronaldo não se tenha posto a jeito ou estivesse isento de culpas no cartório, mas não merecia ter sido o bombo da festa e vítima da maior tentativa de assassinato mediático de que um futebolista foi alvo em mais de 100 anos de futebol em Portugal. Após uma perseguição pidesca, inédita em 48 anos de democracia, em que cada seu esgar facial foi analisado até à exaustão, recorrendo-se até à leitura labial. E é isto, tão isto, o que fazemos a um dos nossos maiores de todos os tempos, o português mais conhecido no mundo. A quem exigimos fora do campo a perfeição que nenhum de nós tem, como se das suas imperfeições - e não das suas virtudes - bebessemos o nectar essencial para seguirmos em frente e assim justificarmos o nosso próprio congénito inconseguimento. 

 

Posto isto, Portugal foi ontem a campo contra o Luxemburgo. Já se sabe que nestes jogos marcar cedo é fundamental. E o Ronaldo adiantou-nos no marcador. Parece fácil, não é(?), mas o nosso craque fez o mais difícil. A partir daí abriu-se o ketchup, para ele e para os outros. E foi bonito de ver o Bernardo marcar e assistir, o Felix concluir, o Palhinha nada deixar florir à sua volta e ainda ter tempo para meter um passe de 30 metros com GPS cujo destino final foi o golo. Depois, com espaço, entrou o Leão e pintou a manta, como se de uma palanca se tratasse, a todos envolvendo num turbilhão de velocidade e porte altivo. No final, foram meia-dúzia, que somados aos quatro com o Liechtenstein dão dez. Deixemos por isso o ar fresco para outras bandas - em Varsóvia as temperaturas são tão frias que um Czech-mate a mais ou a menos nem faz diferença -  e constatemos o óbvio: após dois jogos disputados, Portugal já lidera isolado o seu grupo de qualificação para o Europeu. Ainda e sempre com Ronaldo.

 

Podium - Ouro: João Palhinha; Prata: Ronaldo; Bronze: Bernardo.

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24
Mar23

Tudo ao molho e fé em Deus

Bob, o Construtor


Pedro Azevedo

O Liechtenstein é um país minúsculo, tão mínimo que, se e a sua população inteira comprasse uma gamebox no José Alvalade ainda sobrariam 11.000 lugares de lotação do estádio para venda ao público em geral. Se o número de habitantes do Liechtenstein é pequeno para Alvalade, Ronaldo ainda é suficientemente grande para caber no Onze de Portugal. Como ontem ficou amplamente demonstrado, marcando dois golos e falhando outros tantos onde ainda assim o seu domínio nas alturas ou recepção imaculada da bola se destacaram dos demais. Nada mau, aos 38 anos de idade, para este Lawrence das Arábias português que aproveitou a oportunidade para bater o recorde mundial de internacionalizações por selecções (197) e reforçar o já por si detido máximo de golos (agora 120, 830 em toda a carreira). Portugal estreava Roberto Martinez, e este inaugurava a linha de 3 defesas. Com Inácio a ter a sua primeira internacionalização a jogar (e bem, com muita personalidade!) nessa linha pela esquerda, os laterais Cancelo e Guerreiro foram mais extremos no primeiro tempo e mais interiores no segundo. João Palhinha foi o polvo que tudo compensou no meio, Félix e Bernardo partiam das alas, com o jogador do Chelsea a frequentemente procurar espaços entre-linhas mais interiores e assim transformando o nosso bem conhecido (dos Sportinguistas) 3-4-3 num 3-5-2. Bruno Fernandes procurava a ligação com os jogadores do ataque. Apesar de ter marcado cedo, num remate às 3 tabelas de Cancelo cuja última carambola envolveu Ronaldo, Portugal deparou-se com um Liechtenstein somente interessado em perder por poucos. Por isso continuou fechado lá atrás, procurando não deixar espaços para que Portugal ligasse por dentro, obrigando-nos a circular em "U". Mas isso aconteceu na primeira parte, porque após o reatamento viu-se o dedo do treinador, com Guerreiro e, principalmente, Cancelo a jogarem por dentro e Félix e Bernardo a dissuadirem pelas alas. Não tardaria assim que Portugal voltasse a marcar, com Ronaldo a dar nova vida à metáfora do ketchup (agora dos golos de livre directo). Foram 15 minutos de futebol avassalador, com 3 golos (1 de Bernardo e 2 de Cristiano), muitas oportunidades desperdiçadas e Cancelo (mas também Palhinha) frequentemente envolvido na construção. 

No final foram só quatro. Mas poderia ter sido uma dúzia, o que até viabilizaria um bom trocadilho - "va douze" - aplicado ao regresso dos jogadores do Liechtenstein à sua capital. Quanto a Roberto Martinez, Bob, para os ingleses, e Construtor de uma nova filosofia de jogo, para os portugueses, os primeiros sinais foram encorajadores, aproximando-o das opções do homem comum não-contaminado e assim escalonando de início o Inácio e o Palhinha, dois jogadores que pouca ou nenhuma atenção mereceram do pretérito (e mais galardoado de sempre) treinador nacional. Com Portugal entre a nobreza europeia, a um Principado seguir-se-á um Grão-Ducado (Luxemburgo), provavelmente já com Nuno Mendes no Onze. 

 

Podium - Ouro: Cancelo; Prata: Palhinha; Bronze: Ronaldo.

 

P.S. Tenho algumas dúvidas sobre a eficácia da aposta de Danilo (mais tarde, também Palhinha) como central pela direita, afastando-o do centro do jogo, mais parecendo um peixe fora de água. Se por um lado a ideia parece ser não colidir o defesa com o espaço de intervenção do médio mais defensivo, dando a oportunidade de com bola e adversários fracos termos um duplo-pivô no meio, por outro seria mais natural que Danilo ocupasse um lugar central na defesa.  Mas, provavelmente, com a entrada de Pepe, tal questão não se colocará no futuro, jogando Martinez com Rúben e Inácio como complemento ao central portista.

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(O amarelo e o vermelho espanhóis presentes na indumentária de Bob)

15
Dez22

Leituras que valem a pena (e o lápis, a caneta e o teclado)

André Pipa


Pedro Azevedo

"OUTRA VEZ CURTO"
 
"Marrocos em festa: Portugal tornou-se a primeira selecção a ser eliminada nos quartos de final de um Mundial por uma selecção africana, que não teve culpa de aproveitar um lance marcado por erros do guarda-redes Diogo Costa e do central Rúben Dias.
O balanço final não é famoso. Em cinco jogos (três vitórias e duas derrotas) contei apenas uma exibição empolgante (6-1 à Suíça).
O resto esteve dentro do padrão habitual da «era Santos». Respeito quase doentio pelos adversários que, na óptica do engenheiro, são sempre «fortíssimos», uma obsessão pelos «equilibrios» e uma incapacidade desesperante de pensar e agir como grande.
Para mim, o desempenho português situou-se entre o razoável, o regular, o esforçado, o mediano e o medíocre, com os rasgos de qualidade individual de alguns jogadores a maquilharem a falta de uma ideia de jogo claramente afirmativa - um mal que vem de longe.
Infelizmente, o esplendoroso 6-1 à Suíça foi um epifenómeno sem antecedentes nem continuidade. O nosso normal é isto que vimos hoje. A derrota com Marrocos junta-se às que sofremos em 2021 (Bélgica) e em 2018 (Uruguai). Saídas pela porta pequena. E nem podemos dizer que enfrentámos adversários de primeira linha no Qatar…
O fracasso de Portugal não é caso único neste Mundial dos «equilibrios» (olá Brasil, olá Alemanha, olá Espanha…), mas com o mal dos outros podemos nós bem. Em termos individuais gostei muito de Bruno Fernandes (claramente o novo líder) e do fantástico Pepe, numa selecção com algumas «estrelas» mais jovens que não conseguem pesar e fazer a diferença quando é mesmo preciso. E os anos vão passando…
A «era Santos» acabou, mesmo que o engenheiro continue no cargo.
E é isto."
 
- In Facebook

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13
Dez22

O futuro das Quinas


Pedro Azevedo

O fim da era Fernando Santos à frente da Selecção coloca a questão da sua sucessão em cima da mesa. Nestas ocasiões, naturalmente não falta quem lance nomes para o baralho, alguns deles com perfis diametralmente opostos. Muitos apontam Rui Jorge, que pelos indicadores existentes seria uma espécie de evolução na continuidade, outros indicam Mourinho, privilegiando a experiência do treinador português mais titulado na Europa, e depois há todo um contingente de técnicos nacionais e internacionais, jovens e menos jovens, que poderão vir a ser opção. 

Da mesma forma que uma casa não se constrói pelo telhado, mais do que nomes tem de ser o que se pretende da forma de jogar que deve presidir à eleição do Seleccionador Nacional. E aqui penso que temos definitivamente de nos libertar das teias de aranha do passado que nos continuam a constrangir e finalmente assumirmos a qualidade absoluta e relativa dos nossos jogadores. Para tal, necessitamos de um futebol positivo, dominador, que extraía o melhor da criatividade dos nossos. Se o sucesso são as escolhas que fazemos para o perseguir, então que escolhamos tentar ganhar com arte e não com ferrolho, divertindo e não aborrecendo, com o foco mais centrado em nós e menos no adversário. 

As vitórias têm o condão de muitas vezes esconderem erros no processo. Quando assim é, os triunfos serão sempre pontuais. Por isso, o processo é sempre o mais importante. Ninguém tira a Fernando Santos o campeonato europeu de 2016, obtido com tácticas conservadoras mais ajustadas ao elenco da época, mas alguém acredita ser repetível uma nação voltar a levantar um troféu desta importância com apenas uma vitória nos 90 minutos (bem sei, a Croácia está a candidatar-se ao mesmo neste Mundial)? É o "futebol de credo na mão (e na boca)" que  queremos para a nossa Selecção, mais a mais quando temos actualmente em quantidade uma muito boa geração de jogadores de topo? Então assumamos o nosso futebol positivo e deixemo-nos de complexos de inferioridade mais próprios de um tempo que ficou no passado. E, se perdermos, que não fiquem dúvidas de que explorámos toda a nossa qualidade, gastámos todos os cartuchos, caindo assim de pé. Concluindo, escolha-se para Seleccionador quem defenda estas ideias, com a característica adicional de ser alguém totalmente independente na hora do escrutínio dos jogadores. 

11
Dez22

Tudo ao molho e fé em Deus

O (Fema)caos, um anagrama do vazio


Pedro Azevedo

A Selecção foi para casa e estou curioso para ler a imprensa especializada porque a culpa só pode ser do Ronaldo, que ontem esteve apagadíssimo durante os primeiros 51 minutos, nem tocou na bola. Parece impossível, não é? Faltou também intensidade ao Palhinha, o melhor recuperador de bolas da Premier League, que não ganhou uma única contra Marrocos. Incrível! Já para não falar do Matheus Nunes e das suas célebres transições, ontem circunscritas ao espaço compreendido entre o balneário e o banco de suplentes. Malandro! E depois houve um ausente omnipresente na cabeça do Engenheiro, o Moutinho. Só isso explica o que foi pedido a Bernardo neste campeonato do mundo. E não fosse Bernardo falhar, ainda avançou o verdadeiro clone do jogador dos Wolves, o Vitinha. Tudo na tentativa, gorada, de jogar pinball com os marroquinos, de meter a bola entre-linhas, algo infrutífero quando estas se apresentavam coladas com gesso (e ligaduras e adesivos, à medida que os já de si depauperados marroquinos caídos em combate iam sendo substituídos). Antes havíamos tentado a circulação em "U", o que também não tinha resultado, pelo que acabámos o jogo numa homenagem a esta rubrica, em "Tudo ao molho e fé em Deus". O jogo directo é que não passou do papel. Quer dizer, no papel, a entrada a titular do Rúben Neves unicamente visaria pôr a bola atrás das linhas marroquinas e suscitar segundas bolas, mas o ponta de lança esteve sempre desacompanhado, nunca houve alguém por perto que desse consistência a esse plano. E quando o houve, uns parcos 10 minutos, não só o Neves já não estava em campo (lá teve de recuar o Bruno para lançar a bola para a molhada, ele que depois, por não ser omnipresente, faltou com o seu bom remate nas imediações da área marroquina) como logo o Engenheiro se empenhou em matar a solução, fazendo sair o Ramos e voltando ao jogo miudinho que nunca preocupou os homens de barba rija vindos do Magrebe. Assim sendo, Portugal foi quase sempre uma equipa sem arte, com jogadores incapazes de desequilibrar no 1x1, com a honrosa excepção de João Félix. A esperança ainda renasceu quando Ronaldo começou a servir apoios, jogando muito mais para a equipa do que para si próprio, o que deve ter escandalizado os maledicentes e os seus inúmeros médicos legistas espalhadas pela imprensa. Só que faltou um atrelado, alguém por perto que aproveitasse uma segunda bola. Por curiosidade, o jogador com mais características para tirar rendimento dessa situação, o Pedro Gonçalves, ficara em Lisboa, pelo que não houve Pote de Ouro no final do arco-íris. 

 

Confusos? Tudo isto encontra explicação na Teoria do Caos tão do agrado do CEO da Femacosa. Esta trata de sistemas altamente complexos, difíceis de entender por um homem médio que não o Engenheiro, cuja dinâmica acaba por suscitar uma instabilidade que se denomina como "sensibilidade às condições iniciais", que os torna não previsíveis ao longo do tempo. Assim, ao alterar permanentemente o Onze titular, o Engenheiro vai introduzindo o caos determinístico, tornando impossível prever o que se passará a seguir. As correcções que de seguida efectiva no modelo não permitem regressar às condições iniciais, até porque já houve ocorrências intermédias que não podem ser apagadas, pelo que a dado momento o sistema afigura-se aleatório à vista desarmada, dada a sua profunda instabilidade. É o "Efeito Borboleta", como explica Lorenz, e as suas consequências, que em termos de Selecção podem resumir-se ao bater de asa de Ronaldo no Qatar vir a influenciar uma revolução no corpo técnico da Federação em Lisboa. Tão certo como a morte e... os impostos.

 

Tenor "Tudo ao molho...": João Félix

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11
Dez22

Crónica do Marrocos-Portugal


Pedro Azevedo

Portugal foi eliminado do Mundial do Qatar. Perdemos, mas podíamos ter empatado ou até mesmo ganho, o que decorre da forma como sistematicamente especulamos com o jogo quando defrontamos equipas teoricamente inferiores a nós, expondo-nos assim aos detalhes ou à Santinha. Só que, na ocasião, os detalhes não estiveram connosco e a Santinha, compreensivelmente, teve de se haver com outros males do mundo que não lhe permitiram atenuar os nervosos esgares de pescoço do Engenheiro, razão pela qual já estamos a fazer as malas. Aliás, contrariando o adágio popular que nos diz que as coisas boas vêm aos pares, os detalhes desfavoráveis para nós surgiram em dúo: por duas vezes remates indefensáveis de Bruno falharam o alvo por um fio de cabelo, Bono teve uma parelha de defesas a roubar o golo a Félix e a dupla Ramos e Pepe não teve cabeça para meter a bola nas redes de Marrocos. Já para não falar do momento do jogo, em que Rúben Dias se encolheu a ver En Nesyri saltar e Diogo Costa acertou com os punhos na atmosfera. Caricato, no mínimo.

 

Portugal desperdiçou ingloriamente uma parte da partida a jogar xadrez, algo particularmente imprudente tendo a amostra do que havia acontecido a Espanha. Além disso a escolha do médio defensivo a quem coube o início da construção foi desastrosa. Não é que Rúben Neves não seja um bom jogador, simplesmente a disposição sem bola dos magrebinos pedia um outro tipo de abre-latas. Por exemplo, alguém que saísse em posse com facilidade da pressão e criasse superioridade numérica no miolo (Matheus Nunes), ou que tivesse a qualidade de meter um passe rasteiro e vertical entre-linhas (William), ou que se constituisse como um tampão aos contra-golpes adversários e assim libertasse a criatividade dos restantes colegas do meio-campo (Palhinha). Sem nenhum jogador nessa posição crucial com as características adaptadas ao jogo de Marrocos, Portugal limitou-se a circular a bola pela frente dos africanos. Uma circulação em "U", sem risco nem capacidade de entrar dentro da equipa marroquina, a que se somou negativamente a quase ausência de movimentos 1x1, o não ir para cima do seu adversário directo, uma falta de criatividade da qual só Félix esteve isento. Mas, lá está, quando se escolhe um médio que não tem nenhuma das qualidades supracitadas e nem sequer tem liberdade para aplicar a sua melhor arma (remate), o resultado é ter de recuar Bernardo ou Bruno para posições onde ficam demasiadamente longe da baliza adversária, que é como quem diz afastados do objectivo do jogo (o golo). Como também não faz sentido meter Ronaldo no relvado, a equipa melhorar e depois fazer sair o outro avançado, não potenciando assim as segundas bolas que o choque do 5 vezes Bola de Ouro com os defesas propiciaram. Aliás, nunca houve a aproximação devida do resto da equipa ao seu ponta de lança. Porque a maioria dos jogadores trazia a cartilha errada. Vidé os inúmeros cruzamentos da direita que apanharam Rafael Leão aberto na esquerda, quando deveria ir ao encontro da bola na área, ou as bolas que CR7 amorteceu em zona perigosa e às quais não acolheu ninguém, exceptuando João Félix numa ocasião.

 

Portugal não tem uma identidade, não assume a sua teórica superioridade nos jogos. Os jogadores são bons, habituados a jogar em grandes equipas e grandes palcos, embora me pareça que a selecção final para este certame descurou características como velocidade (Guedes), irreverência e combatividade (Vitinha, do Braga) ou qualidade no ar (Beto) que nos poderiam ter sido úteis. Então qual é o problema? A meu ver o comandante, que faz fracas as fortes gentes, cozinhando uma equipa com medo da própria sombra, o que obriga jogadores que podiam ser decisivos a desgastarem-se fora das suas posições naturais, onde não molestam os adversários. As peças são ordenadas e desordenadas de uma forma algo caótica, o que por vezes surpreende a oposição como no tal Euro que permitiu a Fernando Santos elevar-se a Grande Mestre. Mas o Engenheiro não é um Alekhine, Karpov, Fischer ou Kasparov, longe disso, embora por vezes lhe saia um Éder da cartola. Simplesmente, a ideia com que se fica é que as apostas são tão aleatórias e as convicções tão ténues que em qualquer outra ocasião o próprio ilusionista mata o número do coelho. Com tudo a ficar entregue ao improviso do momento, se a fantasia não sai dos pés dos jogadores, mais se nota a desorganização latente. 

 

Antes do jogo muito se falou de vingar Alcácer-Quibir, como se uma hipotética vitória em 90 minutos de futebol compensasse 60 anos de perda de soberania. Não compensaria. Ainda assim, perdemos. Agora só nos resta esperar pelo dia de nevoeiro em que regressará El Rei... D. Ronaldo. Acreditem ou não, ainda vai ser necessário alimentar o mito. (Será sempre mais autêntico do que alimentar o mito de que sem Cristiano a Selecção fará melhor nos próximos anos. Querem apostar? Eu creio que ainda iremos chorar baba e ranho a sua aposentadoria.)

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07
Dez22

Tudo ao molho e fé em Deus

Entre o eterno e os adversários que não são internos


Pedro Azevedo

Com a vitória de ontem, Portugal atingiu os quartos de final do campeonato do mundo, patamar unicamente alcançado pelos lusos em duas ocasiões (1966 e 2006) na história da competição. Eu vi o jogo ontem e fiquei com a sensação de que tínhamos ganho à Suiça. Mas hoje, ao analisar os comentários que proliferam pela blogosfera, parece que ganhámos contra o Ronaldo (Uma injustiça face à dimensão universal de um craque com uma ética de trabalho irrepreensível, a quem exigimos que seja perfeito.) Ou contra uns projectados aziados lesa-pátria, que isto de uns opinion-makers dizerem uma coisa e o seu contrário é uma arte só comparável à provocação gratuita destinada a criar uma agitação popular que se insiste em confundir com o sucesso. Pensando bem, é esta falta de unidade que nos caracteriza como nação. Por isso, quando Portugal vence em qualquer actividade é sempre contra outros... portugueses. Para essa singular forma de se ser português, ontem o Gonçalo Ramos ganhou ao Cristiano, olvidando-se que bateu essencialmente o Messi, o Gakpo, o Mbappé, o Kane, o Neymar, o Havertz, o Morata, o Mitrovic e todos os outros brilhantes e celebrados avançados que ainda não conseguiram fazer 3 golos num só jogo deste Mundial. Assim sendo, tenhamos noção das coisas: Portugal ganhou à Suiça, ponto. E Gonçalo Ramos tornou-se o mais jovem jogador desde Pelé a fazer um hat-trick em jogos a eliminar. Tudo motivos para festejar, colectiva e individualmente, o desempenho da nossa Selecção. Que é de todos nós, embora aqui e ali haja divergências entre os portugueses sobre a melhor forma de atingirmos o sucesso, o que é natural. (Já se sabe que para corrigir o que não é natural só há o Restaurador Olex, o resto são disfarces.)

 

Eu afirmei aqui que o Ronaldo ainda era melhor do que o Ramos e os factos da noite passada pareceram desmentir-me. Óptimo, digo eu. Porque muito mais importante do que as minhas razões é a razão colectiva. E Portugal ganhou, as pessoas estão felizes e mais felizes ainda ficarão se sobrepuserem Portugal ao jogador A ou B, ou ao treinador C ou D. Como o futebol é o momento, ontem o Ramos justificou plenamente a titularidade. Se já é melhor do que o Ronaldo é outra questão, até porque não há estatísticamente uma amostra com grau de significância relevante baseada numa única observação e as 118 observações anteriores de Ronaldo não devem ser desprezadas. Certo, certo é que no dia de ontem o Ronaldo dificilmente teria feito melhor do que o Ramos. Poderá uma Argentina dizer o mesmo sem Messi, um Brasil sem Neymar ou uma França sem Mbappé? Pois, feliz de quem substitui pontualmente um 5 vezes Bola de Ouro com aparente vantagem, o resto é conversa autofágica.  

 

Falando do jogo, que é o que essencialmente nos traz aqui, Portugal teve uma largura e profundidade até aí não vistas neste Mundial. Para tal muito contribuíram as prestações de Dalot e de Guerreiro, que assim permitiram a criação de espaço em zonas interiores tão bem aproveitado pelo João Félix, para mim o melhor em campo. [Eu sei, o Homem do Jogo foi o Gonçalo Ramos, com três golos e uma assistência (bom, na verdade duas), mas o Melhor em Campo é outra coisa.] Um destaque também muito especial para o Pepe. O Pepe é aquele jogador que qualquer amante de um clube gostaria de ter do seu lado e odiaria ter do lado oposto. A sua garra, concentração e atleticidade contagiam qualquer um, assim como o seu profissionalismo. Por isso, chega aos 39 anos aparentando estar fresco como uma alface, desafiando a perenidade das coisas e afirmando a sua eternidade na linha do que Ronaldo vinha fazendo até recentemente, o que lhe vem permitindo esconder o momento de forma menos exuberante do colega do lado que é 14 anos mais novo (Rúben Dias), pelo que surpreendente é que esta constatação ainda seja uma surpresa para alguém. Ontem marcou mais um golo pela Selecção, ajudando a consolidar a nossa grande vitória, tornando-se o jogador menos novo a marcar em jogos de mata-mata na história dos mundiais de futebol. (O mais velho a marcar em fases finais ainda é o Roger Milla, 42 anos, com a cortesia do escorpião Higuita.)

 

Como remate final, porque eu também tenho a tentação de marcar um golo, gostaria de dizer o seguinte: há por aí muito boa gente que vê o futebol como uma ciência. Pior, muitos até elevam-no a ciência exacta. Ora, o futebol não é matemática, certamente desafia qualquer silogismo aristotélico (por Portugal ter ganho por 5 à Suiça e o Brasil só lhes ter ganho pela diferença mínima, tal não significa que vençamos os canarinhos por 4 golos de diferença) e tem muitos novos amanhãs que permanentemente desafiam o presente e o estabelecido. Por isso é tão fascinante, e como tal suscita tanta curiosidade. Desde logo porque, sendo de aprendizagem simples, a sua complexidade traduz-se em que quanto mais se julga saber, mais se percebe nada se entender. E é bom assim, que pertença àquelas coisas que aparentemente estão ali à mão mas são inatingíveis. Como, aliás, a lua ou o sol. Talvez por isso gere tantos aluados e gente que parece ter apanhado sol a mais na moleirinha. É dos astros. [Dos astros, de quem se julga astro e de quem veste a pele de lobo e não é (Prof.) Astromar.]

 

Tenor "Tudo ao molho...": João Félix

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05
Dez22

Futebol sem balizas


Pedro Azevedo

O maior problema de Portugal não é Ronaldo, que ainda é uma solução bem melhor do que André Silva ou Gonçalo Ramos, mas sim não haver quem procure o espaço como Diogo Jota, algo agravado pela indisponibilidade de Rafa, não convocação de Guedes e prestação desapontante de Leão. A Selecção não só se ressente da falta de largura, em virtude de os supostos alas virem sempre para dentro e de os laterais ficarem amarrados atrás, como também da falta de profundidade que a moto Jota trazia, tornando-se assim previsível e mais facilmente controlável. Com este plantel escolhido por Fernando Santos faltam-nos 30 metros de comprimento e 20 de largura. É um regresso ao passado, a um tempo antes de Allison e de Eriksson, em que éramos campeões do futebol sem balizas e a maioria dos nossos médios só queria a bola no pé. (Vamos ver se Dalot consegue trazer aquilo que os alas não têm dado.)

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