Tudo ao molho e fé em Gyokeres
Um Gyokeres 3 vezes ao dia contra a dor
Pedro Azevedo
Ao contrário do Futebol Clube, que é do Porto, e do Sport Lisboa, que é do bairro de Benfica (mas habita num condomínio de Red Passes em Carnide), o Sporting é de Portugal. À partida, um clube que é a bandeira de uma cidade iminentemente bairrista e outro que representa mesmo um bairro (ainda que muitíssimo populoso) - assim a modos como Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia - deveriam entregar-se a tarefas domésticas, deixando as actividades europeias para o clube que leva Portugal no nome. Todavia, o problema é mesmo esse: levando Portugal no nome, o Sporting europeu faz o mesmo que o estado português na Europa, isto é, saca fundos comunitários aos países mais ricos (só por ter entrado), para depois não desenvolver nada, e nos momentos mais delicados joga sempre à defesa.
De regresso à frente interna, o Esgaio e o Matheus Reis foram substituídos pelo Geny e o Nuno Santos. Além de que o Paulinho jogou com o Gyokeres na frente. Poder-se-ia dizer que pusemos a carne toda no assador, mas é melhor não (não vá o Arthur Cabral sentir-se atraído pela possibilidade de aqui também haver picanha).
O jogo tinha acabado de começar, o que já de si é um oxímoro, quando se produziu outra figura de estilo, no caso um paradoxo. E em dose dupla: o Geny, que devia defender, não quis ceder um canto, e o Israel, que podia agarrar a bola ou simplesmente deixá-la correr, socou-a para o único sítio na grande área (metropolitana de Lisboa) onde havia um jogador do Boavista àquela hora. Em consequência, o Makouta inaugurou o marcador da exactíssima mesma forma artística com que domesticamente costumamos encaixar golos. (Os golos que nos marcam e alguns que nos anulam têm imensa arte.)
O golo do Boavista teve o condão de, em vez de desanimar, animar todos os nossos jogadores, especialmente o Morita e o Gyokeres. E se o Morita desenhou logo com génio 3 lances de golo, o Gyokeres foi o protagonista de um "E tudo o vento levou" que teria deixado os boavisteiros à beira de um ataque de nervos, se os seus músculos não estivessem já demasiado retesados de tanto terem sido solicitados em correrias (não há dúvida de que este Gyokeres é um Clark Gable louro ou mesmo um "Clark Gamble", tão boa foi a aposta do Sporting nele). E, se no primeiro golo, o sueco mostrou dotes de finalizador a um só toque, antecipando-se ao defesa, no seu segundo partiu-lhe os rins com acelerações, travagens com servo-freio e derrapagens suaves - para o acompanharem, além de fortes e velozes os nossos adversários precisam de fazer um curso de pilotagem no gelo -, antes de despachar o tema da baliza com um balázio mortal. Depois, ainda voltou a marcar, de penálti, só para mostrar que o desperdício com o Young Boys foi a excepção que confirma a regra. Não ficaria contudo por aí, levando tudo à frente numa diagonal na direcção da linha de fundo, levantando depois a cabeça antes de executar uma Quaresmada de pé direito directinha para o pé esquerdo goleador do Nuno Santos. No resto do tempo, dedicou-se a amassar os defesas, como uma jibóia que vai enleando as suas presas até as asfixiar. (Pelo meio, o Paulinho marcou um golo acrobático e no fim bisou, de cabeça, que o sueco estica tanto o jogo e cria tal desordem que propicia oportunidades suficientes para o Paulinho cumprir com a sua quota comunitária de produtor de falhanços e ainda conseguir falhar uns falhanços e marcar.)
O Shakespeare dizia que lamentar no presente uma dor passada seria como criar uma nova dor e sofrer novamente. Ora, há dores que são passíveis de cura, especialmente havendo um Gyokeres no presente. Ou, melhor dizendo, de presente. Para todos os sócios, adeptos e simpatizantes do nosso Sporting. Por isso, não criamos novas dores, como o comprovam o Casa Pia (8-0, após a nossa derrota na Taça da Liga) e agora o Boavista (6-1), pelo que se eu fosse do Benfica, sabendo que tinha 2 desafios seguidos, dava já como perdido o jogo da Taça de Portugal. Just in case...
Tenor "Tudo ao molho...": Viktor Gyokeres. Menções honrosas: Morita e Bragança. Que jogo fez o Daniel! Futebol de toque, perfume exótico, espalhando classe por um relvado que foi tela de um cenário revivalista onde coabitam Redondo e o samba de 82, o Bragança encheu as medidas de quem gosta de futebol e sabe que jogar simples e bem é sempre o mais complicado.