Tudo ao molho e fé em Deus
O Gozão de Higgs
Pedro Azevedo
Ontem, no Bessa, confirmou-se que este Sporting é muito forte na transição. Tão, tão forte que, tendo entrado no campeonato como "underdog", chegou ao tabuleiro axadrezado com indícios de cão-peão, uma importante evolução na cadeia alimentar. Ainda assim, não suficiente para se ver livre do bispo, que mexe-se de forma enviesada. E, se o cão late, o bispo ladra, o peão, que anda a direito, acaba sempre por ser comido.
O que sofre um Sportinguista não vem descrito na Bíblia. E depois ainda há o Sporar, suspeito de causar taquicardias a um monge tibetano. Por isso a melhor estratégia é fazermos como o Professor Cavaco e nunca assumirmos nada: ah e tal, vamos só ali à Figueira fazer a rodagem, e quando derem por nós estamos a sair de lá entronizados. Tal nunca foi possível com Jesus, que é sabido ter amaldiçoado a figueira (Mateus 21: 18-22), mas pode ser que aconteça com o Rúben. Até aposto que ele anda a ler a biografia de Aníbal e tudo. Se eu estiver certo, a sua rodagem será o "jogo a jogo". E, se no fim vencer, será menino para deixar de "trombas" o Conceição. Seria do car(t)ago! Quanto a JJ, ficaria com o triplo da azia.
Para tentar contrariar o 3-4-2-1 do Sporting, o Boavista dispôs-se num 5-3-2. A ideia de Jesualdo Ferreira era povoar o mais possível a defesa, precavendo a entrada desde trás dos interiores leoninos, não deixando porém de ter vantagem numérica no miolo do terreno. Só que Matheus e João Mário foram variando inteligentemente o centro do jogo e a postura defensiva dos do Bessa convidou Nuno Mendes e Porro a montarem um acampamento à entrada da área do Boavista. Não surpreendeu assim que, após um curto período de estudo mútuo, o Sporting desatasse a criar oportunidades de golo. E até marcou à primeira (Nuno Santos), embora depois tenha tido oportunidades de primeira que esbanjou por Sporar, Jovane e João Mário. Atrás a coisa esteve tranquila, tendo o lance mais perigoso criado pelos boavisteiros pertencido a Neto, jogador que continua a mostrar que faz bom balneário tanto fora como dentro do campo, desta vez altruisticamente permitindo a um enregelado Adán brilhar.
O segundo tempo começou na mesma tónica. O Matheus roubou uma bola e com uma chicuelina tirou dois do caminho. De seguida, tocou no Nuno Mendes, que deu mais à frente no Nuno Santos. Bola para um lado, jogador a fugir pelo outro, num jeito nada católico para um axadrezado, o Santos apareceu solto na grande área. E deu de bandeja ao Sporar. O que a aconteceu a seguir é difícil de explicar, pese embora tenha vindo a ser objecto de estudo pormenorizado do "Tudo ao molho...", recorrendo-se à ciência - Princípio da Impenetrabilidade da Matéria - , ou até ao sobenatural - holograma de um ponta de lança morto como goleador - para o tentar compreender, continuando a ser um mistério a forma como a bola insiste em perpassar o esloveno como se do vazio se tratasse. Quer dizer, de vazio somos nós cientificamente quase 100% feitos, mas depois há um campo magnético que liberta uma partícula (dita "de Deus") que faz com que o nosso corpo se adere como uma tela esponjosa e ganhe uma massa. Ora, aparentemente, se o nosso corpo sim, o do Sporar não. O que faz com que o Sporar tenha sido a melhor contratação de sempre do Sporting, na medida do que o seu descobrimento significou para a ciência: é que o esloveno desafia a Teoria do Bosão de Higgs. Mais, diria até que Sporar é o Gozão de Higgs...
O jogo ia para o fim e esta coisa da vantagem mínima cria sempre alguma tremideira. Noutras épocas, esta esmerada arte de perdoar pagar-se-ia com língua de palmo, mas este Sporting de Rúben Amorim a tudo parece resistir. Vai daí, o Rúben quis dar mais solidez à equipa. Primeiro entrou o Bragança, depois o Palhinha e o TT. Com isto, o João Mário e o Matheus passaram de médios centro para interiores, procurando resguardar mais a equipa. Até que o Porro apanhou uma ressaca (de bola), tomou consciência da sua recepção e orientou-a para o nosso bem comum, transferindo assim as dores de cabeça que já se faziam sentir na sua e nas nossas cabeças. Ficava sentenciado aí o jogo. Depois, a coisa até deu para o Matheus dar dois ou três metros de avanço a um trio de boavisteiros e ainda ir apanhar a bola à frente mesmo que um deles estivesse fresquinho por acabado de entrar, que o xeque-mate no tabuleiro axadrezado já estava consumado.
Tenor "Tudo ao molho...": Hesitei muito na hora de atribuição desta menção. Na verdade, à hora que escrevo ainda estou hesitante, mas se calhar são nervos. Não será assim uma escolha totalmente convicta. Pela primeira parte a menção assentaria bem a Nuno Mendes (de referir que, na segunda parte, salvou um golo certo com um subtil desvio de cabeça). Nuno Santos não esteve assim tanto em jogo, mas fez um golo e quase uma assistência, também poderia ser uma opção. O Porro marcou um golo do outro mundo e fez a minha pulsação voltar a um semi-normal, poderia perfeitamente ser o escolhido. Contudo, acabei por optar pelo Matheus Nunes, que fez um jogo enorme em que alardeou técnica, leitura táctica e disponibilidade física. Assim, até porque tem habitualmente menos visibilidade que os restantes, escolhi-o para Melhor em Campo.
P.S.1: Inacreditável o cartão amarelo a Palhinha que em princípio o retira do derby. Até a hipótese de falta seria difícil de promover, quanto mais a acção disciplinar.
P.S.2: Os meus sentimentos às famílias e amigos de Jozef Venglos (ex-treinador do Sporting) e de John Mortimore (ex-treinador do Benfica), antigos treinadores que faleceram ontem. O mínimo que se pode dizer é que nunca fizeram mal ao futebol. Venglos foi muito conceituado no futebol europeu e devidamente apreciado pela FIFA, Mortimore ganhou títulos em Portugal. RIP!
P.S.3: Após uma nota triste, uma nota alegre: Rúben Amorim completa hoje 36 anos. Parabéns, Mister!